Dispensário criado por D. Amélia
em Alcântara à venda por 1,9 milhões
A Direcção-Geral do Património afirma desconhecer uma proposta, aprovada em
2009 pela Câmara Municipal de Lisboa, pedindo a classificação deste bem como
Imóvel de Interesse Público
Inês Boaventura /
3-4-2014 / PÚBLICO
O edifício representa um ponto de viragem: o laicismo na prestação dos
cuidados de saúde começa a substituir o assistencialismo da Igreja
O Dispensário de
Alcântara, equipamento dedicado à prevenção da tuberculose mandado construir no
fim do século XIX pela rainha D. Amélia, está à venda por 1,917 milhões de
euros. O edifício, no gaveto da Avenida Infante Santo com a Rua Tenente
Valadim, pertence à Estamo, a imobiliária de capitais exclusivamente públicos.
“Neste momento, a
Estamo encontra-se a desenvolver um projecto de reconversão do imóvel para
habitação”, diz a empresa no seu site. As propostas para a compra do prédio,
que se encontra devoluto e foi alienado em 2005 pelo Governo por 2,250 milhões
de euros, podem ser apresentadas até ao dia 29 de Abril.
A Estamo
explicita que está em causa um terreno com uma área aproximada de 1600m2,
2100m2 de área bruta de construção acima do solo e de 390m2 abaixo do solo. “Trata-se
de um imóvel em regime de propriedade total, composto por três pisos datado do
final do século XIX, inicialmente destinado a dispensário da rainha”,
acrescenta a empresa.
Aquilo que não se
encontra no site da Estamo é a informação de que o imóvel em questão, com
entrada pelo número 3 da Avenida Infante Santo, se encontra em vias de
classificação pela Câmara de Lisboa como Imóvel de Interesse Municipal. O
processo foi desencadeado em 2007 e não há notícia de que tenha sido entretanto
concluído. Aliás, no Regulamento do Plano Director Municipal (PDM), que entrou
em vigor em meados de 2012, o Dispensário de Alcântara surge na lista de
“Imóveis em Vias de Interesse Municipal”, juntamente com outros 14 bens.
Segundo o PDM,
“as operações urbanísticas sobre os bens classificados ou em vias de classificação
como de interesse municipal (...) estão sujeitas a vistoria e parecer
patrimonial e carecem de estudo de caracterização histórica, construtiva,
arquitectónica, de valores técnicoindustriais, arqueológica e decorativa do bem
que justifica a adequação das intervenções propostas”.
Além disso, o
regulamento estabelece que a intervenção em bens que integram a Carta Municipal
do Património, como é o caso do Dispensário de Alcântara, “deve respeitar o
critério da autenticidade, no reconhecimento de cada época de construção” e que
“são admitidas obras de conservação e, ainda, obras de alteração e de
ampliação”, desde que sujeitas a uma de várias condições. Entre elas a de
“adaptação do imóvel a novo uso” e a de ampliação “quando não seja prejudicada
a identidade do edifício e sejam salvaguardados os valores patrimoniais do
imóvel”.
Quanto a obras de
demolição, elas só são admitidas “em situações de ruína iminente” ou “quando o
edifício não seja passível de recuperação e/ou reabilitação em razão de
incapacidade estrutural”.
Dois anos depois
de ter iniciado o processo de classificação como Imóvel de Interesse Municipal,
a Câmara de Lisboa aprovou uma proposta, da então vereadora do PSD Margarida
Saavedra (hoje segunda-secretária da Assembleia Municipal de Lisboa), na qual
se deliberava “propor ao Igespar [Instituto de Gestão do Património
Arquitectónico e Arqueológico] a abertura do procedimento de classificação do
Dispensário de Alcântara como Imóvel de Interesse Público”.
O PÚBLICO pediu à
Direcção-Geral do Património Cultural um ponto de situação sobre esse processo
e foi-lhe dito, pela responsável pela comunicação, que a este organismo não
chegou qualquer proposta de classificação daquele edifício como Imóvel de
Interesse Público. “Nunca tivemos aqui nenhum pedido”, disse Maria Resende,
acrescentando que a última informação constante no processo é de 2007, e
trata-se de uma comunicação da Câmara de Lisboa de abertura do procedimento de
classificação ao nível concelhio.
Na informação dos
serviços municipais que serviu de base ao início desse processo, explica-se que
o Dispensário de Alcântara é “um equipamento construído de raiz em finais do
século XIX, para funções de prevenção primária da tuberculose pulmonar em
crianças e adolescentes; internamento e apoio ambulatório”.
Na nota da
Divisão de Património Cultural da Câmara de Lisboa acrescenta-se que neste
equipamento se “fornecia cuidados médicos, leite e alimentos, assistência
médica e medicamentosa à infância e adolescentes”, sendo os cuidados de
enfermagem “prestados pelas religiosas que habitavam o edifício contíguo”.
Trata-se,
conclui-se no documento, “de um edifício que representa um processo de viragem:
do assistencialismo, monopólio da Igreja até à altura, podemos presenciar, com
esta instituição/edifício inovadores, aquilo que se poderia designar como uma
caminhada decisiva na direcção do laicismo na prestação dos cuidados de saúde”.
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