Intervenção na Mouraria teve
efeitos positivos mas apresenta lacunas
Uma equipa do ISCTE fez uma avaliação da execução do Programa de
Desenvolvimento Comunitário da Mouraria entre Abril de 2012 e Dezembro de 2013.
Relatório ainda não foi divulgado pela câmara
Inês Boaventura /
PÚBLICO / 10-4-2014
O Programa de
Desenvolvimento Comunitário da Mouraria (PDCM) revelou ser “criativo e
inovador” e teve vários efeitos positivos, nomeadamente ao nível das populações
vulneráveis, pelo que a sua replicação noutros territórios de Lisboa “é de
considerar”. Estas são algumas das conclusões de uma avaliação externa, que
aponta como lacunas do programa a falta de articulação com as forças de
segurança e a fraca aposta em acções focadas nos mais jovens e nos imigrantes.
Esta
avaliação/monitorização do PDCM, no período entre Abril de 2012 e Dezembro de
2013, foi realizada por uma equipa do Centro de Estudos sobre a Mudança
Socioeconómica e o Território do ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa. Num
relatório de Março de 2014,
a que o PÚBLICO teve acesso por via não oficial e ao
qual se seguirá uma versão final a entregar à Câmara de Lisboa nas próximas
semanas, sublinha-se que “foram ineficazes os modelos anteriores de
intervenção” na Mouraria, “tendo, nalguns casos mesmo, agravado os problemas
existentes”.
O PDCM, documento
que foi aprovado pelo município em Abril de 2012, contempla cinco eixos de
intervenção: “dinamização económica”, “envelhecimento activo”, “populações
vulneráveis”, “dinamização cultural e fado” e “capacitação das entidades do 3.º
sector”. A avaliação agora feita, explica-se no relatório, não visa medir o
grau de erradicação dos problemas aos quais o programa pretende dar resposta,
mas sim identificar as mudanças induzidas no território e que poderão conduzir
a essa erradicação ou pelo menos controlo.
O eixo que maior
financiamento teve foi o da dinamização económica, seguido do das populações
vulneráveis. Em relação a este último, a equipa do ISCTE concluiu que a
intervenção feita “pode ser considerada como eficaz e inovadora”, na medida em
que permitiu a “criação de condições para a capacitação e a integração
progressivas destas pessoas”. Algo que se diz ser já observável, “a nível da
saúde e qualidade de vida, possibilidade de exercício de direitos de cidadania,
confiança na relação com serviços”.
A esse respeito
acrescenta-se que, “com a possibilidade de continuação do PDCM em 2014, as
acções desenvolvidas no âmbito do eixo 3 [populações vulneráveis] poderão
representar um assinalável sucesso do programa”. Esta apreciação não invalida
que sejam apontadas “duas lacunas importantes”: o facto de não ter sido
considerado como objectivo atender à preocupação dos residentes com a falta de
segurança no bairro e a não-aposta em intervenções junto das populações mais
novas.
Também ao nível
do eixo da dinamização económica são feitos reparos. Desde logo por, sobretudo
em 2012, se ter privilegiado acções na área do empreendedorismo, que revelaram
“pouca adequabilidade” ao território, tendo no essencial contribuído para
“abrir a Mouraria à cidade” e não propriamente para desenvolver junto da sua
população “maiores oportunidades de emprego, de qualificação e formação”.
“É visível o
enfoque na procura de soluções exógenas, que serão naturalmente importantes,
mas não exclusivas, sendo menos notória a capacidade de dinamização e
exploração de lógicas de base mais endógena ou comunitária com potencial
económico forte”, afirma-se no relatório. Nele é também criticada a “escassa
articulação que parece ter sido conseguida com a diversidade de territórios
socioeconómicos que constituem a Mouraria, e, em particular, com a vertente da
imigração”.
Quanto ao
envelhecimento activo, a equipa do ISCTE lamenta que no PDCM os idosos sejam
considerados “como uma categoria genérica”, “não tendo sido definidos quais os
subgrupos alvo de intervenção prioritária, tornando-se difícil perceber até que
ponto os projectos apoiados conseguiram chegar, efectivamente, à população em
situação de maior isolamento social”. Apesar disso, destaca-se “o número, a
diversidade e, em muitos casos, o carácter inovador das acções desenvolvidas”.
Em relação à
dinamização cultural e fado, refere-se no relatório que “a actuação neste eixo
parece continuar essencialmente assente em um conjunto de acções pontuais que
parecem traduzir uma intervenção menos coerente e integrada do que nos restantes
eixos”.
As conclusões de um inquérito aos
residentes no bairro
A avaliação do PDCM incluiu a realização de um inquérito, com o objectivo
de perceber qual “a percepção que os residentes têm da intervenção havida na
Mouraria”. Desse inquérito, ao qual responderam 248 pessoas (de um total de
4400 moradores nas antigas freguesias de Socorro e São Cristóvão e São
Lourenço) concluiu-se que, embora “reconhecendo a bondade da intervenção no
espaço material do bairro, regista-se o facto de tal intervenção não ter
resolvido todos os problemas de parte importante da população”.
Os resultados do
inquérito constam de um anexo ao relatório produzido pela equipa do Centro de
Estudos sobre a Mudança Socioeconómica e o Território do ISCTE. Nele
sublinha-se que “a esmagadora maioria dos inquiridos (92%) considera ter havido
mudanças na Mouraria desde que aí reside”. Questionadas sobre “o que mudou para
melhor”, 77% das pessoas mencionaram as “obras” feitas, a melhoria nos
transportes e a limpeza do bairro.
Em relação àquilo
que está pior, ou pelo menos estava mal e não melhorou, “há menos unanimidade”.
Aí 32% dos inquiridos mencionaram o “vandalismo, assaltos, falta de segurança”,
28% o “mau ambiente” associado à droga e à prostituição, 27% as obras mal
feitas, problemas de mobilidade, necessidade de remover andaimes e de fazer
obras noutros locais “esquecidos” e 26% a falta de limpeza das ruas.
Este inquérito
teve um problema, como reconhecem os seus autores: o das “nãorespostas ao
inquérito por parte da população de nacionalidade estrangeira residente na
Mouraria”, o que “compromete a representatividade da amostra relativamente a
esta população”. Nessa amostra, os imigrantes representam apenas 8%, mas na
Mouraria eles constituem 25% da população.
A existência
deste relatório de avaliação do PDCM foi mencionada pelo presidente da Câmara
de Lisboa, na reunião pública de 26 de Março. Na segunda-feira seguinte, o
PÚBLICO solicitou a uma assessora de imprensa de António Costa que lhe fosse
enviado o referido documento, pedido para o qual está a aguardar uma resposta
desde então.
Segundo o município,
nos últimos anos foram realizados na Mouraria investimentos públicos de 11
milhões de euros em obras no edificado e no espaço público e de 2,5 milhões no
domínio social.
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