quinta-feira, 10 de abril de 2014

Intervenção na Mouraria teve efeitos positivos mas apresenta lacunas


Intervenção na Mouraria teve efeitos positivos mas apresenta lacunas
Uma equipa do ISCTE fez uma avaliação da execução do Programa de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria entre Abril de 2012 e Dezembro de 2013. Relatório ainda não foi divulgado pela câmara
Inês Boaventura / PÚBLICO / 10-4-2014

O Programa de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria (PDCM) revelou ser “criativo e inovador” e teve vários efeitos positivos, nomeadamente ao nível das populações vulneráveis, pelo que a sua replicação noutros territórios de Lisboa “é de considerar”. Estas são algumas das conclusões de uma avaliação externa, que aponta como lacunas do programa a falta de articulação com as forças de segurança e a fraca aposta em acções focadas nos mais jovens e nos imigrantes.
Esta avaliação/monitorização do PDCM, no período entre Abril de 2012 e Dezembro de 2013, foi realizada por uma equipa do Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica e o Território do ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa. Num relatório de Março de 2014, a que o PÚBLICO teve acesso por via não oficial e ao qual se seguirá uma versão final a entregar à Câmara de Lisboa nas próximas semanas, sublinha-se que “foram ineficazes os modelos anteriores de intervenção” na Mouraria, “tendo, nalguns casos mesmo, agravado os problemas existentes”.
O PDCM, documento que foi aprovado pelo município em Abril de 2012, contempla cinco eixos de intervenção: “dinamização económica”, “envelhecimento activo”, “populações vulneráveis”, “dinamização cultural e fado” e “capacitação das entidades do 3.º sector”. A avaliação agora feita, explica-se no relatório, não visa medir o grau de erradicação dos problemas aos quais o programa pretende dar resposta, mas sim identificar as mudanças induzidas no território e que poderão conduzir a essa erradicação ou pelo menos controlo.
O eixo que maior financiamento teve foi o da dinamização económica, seguido do das populações vulneráveis. Em relação a este último, a equipa do ISCTE concluiu que a intervenção feita “pode ser considerada como eficaz e inovadora”, na medida em que permitiu a “criação de condições para a capacitação e a integração progressivas destas pessoas”. Algo que se diz ser já observável, “a nível da saúde e qualidade de vida, possibilidade de exercício de direitos de cidadania, confiança na relação com serviços”.
A esse respeito acrescenta-se que, “com a possibilidade de continuação do PDCM em 2014, as acções desenvolvidas no âmbito do eixo 3 [populações vulneráveis] poderão representar um assinalável sucesso do programa”. Esta apreciação não invalida que sejam apontadas “duas lacunas importantes”: o facto de não ter sido considerado como objectivo atender à preocupação dos residentes com a falta de segurança no bairro e a não-aposta em intervenções junto das populações mais novas.
Também ao nível do eixo da dinamização económica são feitos reparos. Desde logo por, sobretudo em 2012, se ter privilegiado acções na área do empreendedorismo, que revelaram “pouca adequabilidade” ao território, tendo no essencial contribuído para “abrir a Mouraria à cidade” e não propriamente para desenvolver junto da sua população “maiores oportunidades de emprego, de qualificação e formação”.
“É visível o enfoque na procura de soluções exógenas, que serão naturalmente importantes, mas não exclusivas, sendo menos notória a capacidade de dinamização e exploração de lógicas de base mais endógena ou comunitária com potencial económico forte”, afirma-se no relatório. Nele é também criticada a “escassa articulação que parece ter sido conseguida com a diversidade de territórios socioeconómicos que constituem a Mouraria, e, em particular, com a vertente da imigração”.
Quanto ao envelhecimento activo, a equipa do ISCTE lamenta que no PDCM os idosos sejam considerados “como uma categoria genérica”, “não tendo sido definidos quais os subgrupos alvo de intervenção prioritária, tornando-se difícil perceber até que ponto os projectos apoiados conseguiram chegar, efectivamente, à população em situação de maior isolamento social”. Apesar disso, destaca-se “o número, a diversidade e, em muitos casos, o carácter inovador das acções desenvolvidas”.
Em relação à dinamização cultural e fado, refere-se no relatório que “a actuação neste eixo parece continuar essencialmente assente em um conjunto de acções pontuais que parecem traduzir uma intervenção menos coerente e integrada do que nos restantes eixos”.

As conclusões de um inquérito aos residentes no bairro
A avaliação do PDCM incluiu a realização de um inquérito, com o objectivo de perceber qual “a percepção que os residentes têm da intervenção havida na Mouraria”. Desse inquérito, ao qual responderam 248 pessoas (de um total de 4400 moradores nas antigas freguesias de Socorro e São Cristóvão e São Lourenço) concluiu-se que, embora “reconhecendo a bondade da intervenção no espaço material do bairro, regista-se o facto de tal intervenção não ter resolvido todos os problemas de parte importante da população”.

Os resultados do inquérito constam de um anexo ao relatório produzido pela equipa do Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica e o Território do ISCTE. Nele sublinha-se que “a esmagadora maioria dos inquiridos (92%) considera ter havido mudanças na Mouraria desde que aí reside”. Questionadas sobre “o que mudou para melhor”, 77% das pessoas mencionaram as “obras” feitas, a melhoria nos transportes e a limpeza do bairro.
Em relação àquilo que está pior, ou pelo menos estava mal e não melhorou, “há menos unanimidade”. Aí 32% dos inquiridos mencionaram o “vandalismo, assaltos, falta de segurança”, 28% o “mau ambiente” associado à droga e à prostituição, 27% as obras mal feitas, problemas de mobilidade, necessidade de remover andaimes e de fazer obras noutros locais “esquecidos” e 26% a falta de limpeza das ruas.
Este inquérito teve um problema, como reconhecem os seus autores: o das “nãorespostas ao inquérito por parte da população de nacionalidade estrangeira residente na Mouraria”, o que “compromete a representatividade da amostra relativamente a esta população”. Nessa amostra, os imigrantes representam apenas 8%, mas na Mouraria eles constituem 25% da população.
A existência deste relatório de avaliação do PDCM foi mencionada pelo presidente da Câmara de Lisboa, na reunião pública de 26 de Março. Na segunda-feira seguinte, o PÚBLICO solicitou a uma assessora de imprensa de António Costa que lhe fosse enviado o referido documento, pedido para o qual está a aguardar uma resposta desde então.
Segundo o município, nos últimos anos foram realizados na Mouraria investimentos públicos de 11 milhões de euros em obras no edificado e no espaço público e de 2,5 milhões no domínio social.

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