EDITORIAL / PÚBLICO
Valeu a pena
DIRECÇÃO
EDITORIAL 25/04/2014 - 00:59
A caminho do
primeiro meio século de democracia, ainda estamos no começo. Mas tem valido a
pena.
Neste ano, no
qual celebramos um aniversário redondo do 25 de Abril de 1974, é especial a
tentação para os balanços. Quarenta anos pedem uma avaliação sólida e
ambiciosa. Simbolicamente, iniciamos hoje o caminho para o meio século de democracia.
Mas esta
efeméride é particular não só por isso. Portugal vive há três anos sob as
regras de uma troika internacional e em profunda austeridade. Nada do que o
Governo faz é popular. A contestação é grande, da esquerda à direita. As
divisões são profundas, dentro do próprio Governo. E por isso, neste contexto,
o país pergunta: valeu a pena?
Extraordinário
haver dúvidas sobre isso. Ignorar tudo o que foi conquistado desde 1974 e dizer
que o “espírito de Abril” morreu ou que o país precisa hoje de “uma democracia
que o seja, realmente”, como o antigo Presidente Ramalho Eanes disse há dias e
outros antes dele, é puro absurdo.
A democracia
portuguesa é realmente uma democracia. “Não foi perfeito, nada é perfeito nos
negócios humanos”, resume o historiador José Pacheco Pereira sobre o momento da
construção da nossa democracia, nos primeiros anos após o golpe militar. Mas a
nossa democracia não é de fachada, não é artificial. Robert Fishman, sociólogo
e cientista político norte-americano que estuda há anos a democracia
portuguesa, faz um diagnóstico: “está bem enraizada”, não está “totalmente
satisfeita consigo própria” e não tem nem “excesso de confiança” nem “sentido
de plena realização”. Tudo isso são boas notícias.
Hoje, no mesmo
Largo do Carmo onde há 40 anos houve tanta sensatez – de todos os lados –, os
antigos capitães de Abril vão falar em público. Eles falam todos os dias,
palcos não lhes faltam. Queriam o microfone da Assembleia da República,
muitíssimo mais poderoso sob o ponto de vista simbólico. Os deputados não
gostaram. Os capitães de Abril, que deram aos portugueses o mais valioso bem do
Homem, a liberdade, usam as conquistadas liberdades para sugerir a necessidade
de um novo golpe. Outro absurdo. As revoluções não se anunciam. Fazem-se. Foi
assim em 1974. É assim quando não resta outro caminho, quando os direitos
humanos não são respeitados, quando não há liberdade. Não se fazem golpes
porque não gostamos de um governo, se esse governo foi eleito de forma
democrática pelo povo. George W. Bush esteve oito anos na Casa Branca. Não só
milhões de americanos, como grande parte da população mundial, preferiam que
assim não tivesse sido. Mas a democracia americana elegeu-o. Em 2015, os
portugueses podem – e provavelmente vão – mudar o seu governo. Venham os
socialistas, sozinhos ou em coligação, melhorar o estado das coisas. O 25 de
Abril deu-nos isso. A liberdade de escolha, de decisão e de mudança. O nosso
papel, individual como colectivo, é continuar a construir a democracia que
temos. E não é um papel pequeno. Da reinvenção europeia à busca de respostas
para o país, os próximos dez anos exigem mais participação, mais transparência,
mais igualdade social e mais crescimento.
A edição de hoje
do PÚBLICO quer contribuir para esta reflexão. Escolhemos cinco âncoras: um
ensaio em texto e outro em fotografia sobre a transformação de Portugal desde
1974; duas análises de académicos estrangeiros que, conhecendo bem a realidade
portuguesa, nos observam com a necessária distância e, finalmente, um olhar sobre
o momento fundador que foi a destruição das leis da ditadura e a construção de
um corpo jurídico democrático. A caminho do primeiro meio século de democracia,
ainda estamos no começo. Mas tem valido a pena.
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