Putin não invadirá a Ucrânia,
fará pior
JORGE ALMEIDA
FERNANDES 08/04/2014 – PÚBLICO
Depois de se apoderar
da Crimeia, Moscovo empurra a Ucrânia para o caos. Não vai invadir nem anexar o
Leste e Sul do país. A política tradicional russa é manter uma Ucrânia fraca e,
se necessário, "ingovernável" de forma a assegurar a sua dependência.
Neste momento, o objectivo parece mais preciso: desorganizar e dividir a
Ucrânia, de forma a impedir as eleições de 25 de Maio que, calcula Vladimir
Putin, legitimariam um poder político hostil e pró-ocidental. Que acontecerá se
o Leste e o Sul boicotarem as eleições?
Moscovo tem a sua
alternativa: impor referendos regionais que consagrariam um sistema federal e a
autonomia das regiões, inclusive em política externa, "balcanizando"
a Ucrânia. Pretende acentuar a polarização entre Leste e Oeste e convencer os
ucranianos de que o seu modelo federal será a solução mais realista e
"pacífica". Putin sabe que americanos e europeus têm escassos meios
para anular a ofensiva política russa.
O que aconteceu
em Donestk, Kharkov ou Lugansk não teve uma dimensão de massas. É um sinal. Seguir-se-ão
meses de crescente tensão. Os EUA e a UE acusam Moscovo de desestabilizar a
Ucrânia e de orquestrar as manifestações pró-russas. Moscovo intima Kiev a não
usar a força no Leste sob risco de desencadear uma "guerra civil".
Putin tentará
estrangular a economia ucraniana com a subida do preço do gás (um aumento de
80%) enquanto os investidores estrangeiros deixaram de ter vontade de correr
para Kiev. O país está à beira da bancarrota.
O nacionalismo
ucraniano — e anti-russo — afirmou-se nos últimos meses mas não em todo o país,
que continua a ser extraordinariamente frágil. Pareceu emergir uma nova elite
social, mas não teve ainda tradução política. A classe dirigente é a mesma de
antes — uma oligarquia corrupta — e as instituições não funcionam. Após a perda
da Crimeia, o governo teve de recorrer a oligarcas para controlar o Leste do
país. Hoje, é Rinat Akhmetov, o maior dos oligarcas, que está a tentar
"apagar o fogo" em Donetsk.
Em termos
económicos e militares Moscovo está em inferioridade perante Washington. Mas
tem tropas na fronteira, enquanto os americanos estão "longe" e os
europeus "desarmados". Kiev não tem a cobertura da NATO. A
"vantagem" de Moscovo é ter muito a mais a perder na Ucrânia dos que
os ocidentais, o que incentiva Putin a correr riscos mesmo perante sanções
pesadas — o que está longe de ser garantido. A Ucrânia é vital para o seu
grande projecto estratégico — a construção da União Euro-Asiática. É, ainda, um
"estado-tampão" perante a NATO e a influência da UE.
Vários analistas
denunciam agora "a incultura política e a superficialidade da moderna
diplomacia ocidental" que não soube antecipar a reacção russa e festejou a
destituição de Viktor Ianukovich no dia seguinte à assinatura do compromisso de
21 de Fevereiro, subscrito por Ianukovich e pela oposição e
"testemunhado" pelos ministros do Negócios Estrangeiros da França,
Alemanha e Polónia e por um enviado de Moscovo.
"Por que é
que América não compreende Putin?" — pergunta a historiadora e
ex-sovietóloga americana Angela Stent, outrora conselheira no Departamento de
Estado. Porque deixou de pensar a Rússia em termos históricos e "os
especialistas de democracia e economia" enviados para Moscovo nos anos
1990 pensavam em quadros estranhos à realidade russa. Depois, os think tanks
voltaram-se para China e para o mundo árabe. Por isso, tal como Merkel, a
América não percebe o mundo em que vive Putin.
Morrer por Kiev?
Ao incentivar a
"mudança de regime" em Kiev, a UE assumiu a responsabilidade de
ajudar a reconstruir a Ucrânia, política e economicamente. Cumprirá ou poderá
cumprir? A Polónia e a Suécia lideram a política de intervenção e ajuda maciça.
E a Alemanha ou a França?
"A chanceler
Merkel tem de adoptar uma atitude de firmeza e sem ambiguidade perante a Rússia
e isto significa pesadas sanções", escreve Judy Dempsey, do think tank
Carnegie Europe. "Não será tarefa fácil. Na opinião pública alemã há um
consenso de que a Ucrânia é difícil e talvez não valha a pena defendê-la."
Os países europeus não estão a agir em conjunto "porque pensam que o
esforço não vale a pena".
O americano
Walter Russell Mead convida Washington a optar entre "voltar as
costas" à Ucrânia, o que significará "um amargo fracasso
ocidental" ou lançar-se numa "dispendiosa, difícil e talvez condenada
operação de nation-building", que Putin tem meios para anular.
A prazo, a
política de "confronto estratégico" de Moscovo perante o Ocidente vai
sair-lhe muito cara porque bloqueará a modernização da Rússia, observa o
analista russo Dmitri Trenin, que prevê um conflito por muitos anos.
Concorda Dempsey:
"A Europa, e mais tarde a Rússia, vão pagar um alto preço."
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