Rui Moreira aproveitou O Ataque
aos Milionários para fazer a defesa do pai
ÁLVARO VIEIRA
15/04/2014 - PÚBLICO
Apresentação do livro de Pedro Jorge Castro no Porto ficou marcada pelo
testemunho do presidente da câmara sobre a detenção do pai, em 1975, com
algumas declarações inesperadas.
Já foi reportagem
na Sábado, tese de mestrado e agora é um livro. Publicado no mês passado, O
Ataque aos Milionários, o livro do jornalista Pedro Jorge Castro sobre "o
cerco" aos Espírito Santo, Mello e Champalimaud, entre outras famílias, em
1975, foi apresentado nesta terça-feira no Porto, com declarações emotivas e
inesperadas, por um convidado que é filho de um dos protagonistas destas
histórias: o presidente da câmara, Rui Moreira, recordou o processo do pai, o
homónimo fundador da Molaflex.
“Não se tratou de
ajustar contas com o passado, mas de deitar contas à história”, disse o autarca
no final da sessão ao PÚBLICO, já depois de ter ouvido Pedro Jorge Castro dizer
que só pela oportunidade de ouvir a história de Rui Moreira, já tinha merecido
a pena fazer aquele livro.
Ao contrário do
que se possa pensar, com este intróito, O Ataque aos Milionários não é
panfletário: não é uma defesa dos empresários detidos arbitrariamente no pós-11
de Março, com mandados de captura em branco ou sem papéis, nem um libelo
acusatório aos “fachos” cúmplices da ditadura. “Prevaleceu o jornalista”,
resume Pedro Jorge Castro, que, em vez de investir nos adjectivos, apostou na
entrevista de 47 pessoas ligadas aos factos e na investigação de duas dezenas e
meia de arquivos, onde encontrou alguns documentos inéditos. Foi o caso da
lista com os 305 nomes de administradores de bancos que deveriam ser impedidos
de sair do país e ver as contas congeladas. O que deita por terra a ideia de
que O Ataque aos Milionários foi uma acção espontânea, decidida a quente,
durante o Governo de Vasco Gonçalves, em resposta a uma contra-revolução. Alguns
dos visados já tinham dossiers completos a seu respeito, às vezes instruídos a
partir de denúncias de credibilidade muito discutível.
O livro também
inclui episódios cómicos, ou não estivesse em causa o PREC. Como as cartas de
Otelo a pedir desculpa a alguns dos detidos, por estes recebidas quando já
haviam sido presos uma segunda vez…
Pedro Jorge
Castro já publicou Salazar e os Milionários, em 2009, sobre a correspondência e
relações em geral entre os grandes capitalistas e o antigo Presidente do
Conselho. Este Ataque aos Milionários inclui personagens novas, que não faziam
parte do clube dos grandes capitães de indústria do Estado Novo.
“O meu pai era
rico, mas não milionário”, contou Rui Moreira, garantindo que no negócio do
transporte marítimo o pai até foi prejudicado pelo Estado Novo. Contou que o
pai foi avisado por um conhecido comunista, cujo nome ontem não revelou, de que
ia ser preso mal chegasse do estrangeiro, onde se encontrava de viagem, e mesmo
assim regressou.
Foi preso em 1975
por Eurico Corvacho, comandante da Região Militar do Norte, e civis armados. Depois,
ao longo de meses, foi submetido a interrogatórios de 16 horas, metido em celas
com detidos de delito comum e torturado, com simulações de fuzilamento de
outras pessoas. Ter comprado um aparelho de rádio para usar no porto de Viana
do Castelo na actividade empresarial foi interpretado como aquisição de material
para operações subversivas do Exército de Libertação de Portugal. Andou entre
Custóias e Caxias, sem acusação e sem que a família soubesse dele. Esteve em
isolamento e ganhou problemas de saúde na prisão de que nunca recuperou, contou
Rui Moreira.
Então com 18
anos, o actual presidente da Câmara do Porto voltou de Londres onde estudava,
para tentar ajudar o pai. Um familiar “de extrema-esquerda” e amigo de Otelo
levou-o ao líder do COPCON. Otelo disse-lhe que não podia fazer nada pelo pai,
porque este estava entre os presos que pertenciam a Eurico Corvacho. “Como se
cada um tivesse a sua coutada de animais”, comentou Rui Moreira. O presidente
da Câmara do Porto também acusou Rosa Coutinho, parceiro de bridge do pai, a
quem devia favores, de lhe ter dito na cara que não conhecia a pessoa por quem
o então jovem de cabelo comprido tentava interceder.
Em sentido
contrário, Rui Moreira destacou a coragem e persistência na defesa do pai
assumida por Francisco Sousa Tavares e Mário Soares, de cujas candidaturas
presidenciais o autarca foi mandatário no Porto.
Por nomear,
ficaram os responsáveis da banca nacionalizada, que fecharam o crédito à
Molaflex, em nome de ideais revolucionários, e acabaram ligados à SLN e ao BPN.
Para Rui Moreira, ver ainda essas pessoas na ribalta, como neoliberais, foi o
que terá custado mais ao pai, falecido em 2000, que “não era contra o 25 de
Abril” antes de ver “a revolução sequestrada por alguns”.
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