Depois das dúvidas sobre a
receita, Bruxelas alerta para riscos na despesa
PEDRO CRISÓSTOMO
24/04/2014 / PÚBLICO
Comissão Europeia
diz que Portugal está em condições de cumprir as metas. Menos certezas tem
quanto ao resultado dos cortes nos gastos dos ministérios.
Sem pôr em causa
a estratégia orçamental do Governo para reduzir o défice deste ano, a Comissão
Europeia veio nesta quinta-feira deixar alguns avisos sobre a execução da
redução da despesa dos ministérios. Se a meio do ano passado Bruxelas alertava
para os riscos orçamentais de a consolidação ser feita sobretudo através do
aumento da receita, agora que, em 2014, o principal esforço está centrado na
despesa, o executivo comunitário avisa que também deste lado da balança há
incertezas significativas. Em particular, a execução dos cortes nos chamados
consumos intermédios.
O alerta consta
do relatório da 11.ª avaliação ao programa de resgate da troika, publicado pela
Comissão, e refere-se aos cortes na despesa dos diferentes ministérios este
ano. Mas o recado aplica-se, ainda que indirectamente, à execução deste tipo de
medidas em 2015, já que que é nas despesas ministeriais que se concentra mais
de metade da redução de 1400 milhões de euros aprovada pelo Governo. Um pacote
de medidas que constará do Documento de Estratégia Orçamental (DEO) a aprovar
na próxima semana e que será debatido no Conselho de Ministros agendado para
segunda-feira.
Para a Comissão
Europeia, Portugal tem condições de cumprir a meta do défice de 4% este ano. O
executivo comunitário teme, no entanto, que os cortes sejam limitados e
aconselha o Governo a manter um controlo apertado sobre a execução desta
despesa. “Tendo em conta as derrapagens significativas que se verificaram no
passado, a obtenção das poupanças estimadas depende de forma decisiva do
respeito pelos limites de despesa acordados”, nota, considerando que deve haver
um acompanhamento regular em sede do Conselho de Ministros.
A posição do
executivo comunitário foi conhecida um dia depois de a execução orçamental dos
três primeiros meses do ano mostrar um crescimento na despesa das administrações
públicas. Embora haja uma diminuição dos custos com pessoal e com investimento
e gastos correntes, registou-se, até Março, um aumento global de 2% na despesa
(relacionado com transferências, reembolso de juros, aquisição de bens e
serviços e pagamento de subsídios).
Para além destes
riscos, Bruxelas considera que há igualmente incertezas relacionadas com o
facto de o Tribunal Constitucional estar a analisar os cortes nos salários dos
funcionários públicos, os cortes nas pensões e o reforço da Contribuição
Extraordinária de Solidariedade (CES).
No ano passado, a
Comissão Europeia chegou a avisar (no relatório publicado em Junho, relativo à
sétima avaliação) que a consolidação orçamental “fortemente baseada na receita”
tornava o ajustamento mais vulnerável caso o crescimento fosse inferior ao
esperado ou a receita crescesse abaixo do previsto. Tal não veio a
confirmar-se. Quando já era uma certeza que o défice de 2013 ficaria dentro do
limite, Bruxelas reconhecia que se tinham materializado “riscos positivos” no
final desse ano, referindo-se, com esta expressão, ao aumento da receita fiscal
conseguida nos últimos meses. Para isso foi determinante o perdão fiscal
lançado pelo Governo e que terminou em Dezembro.
Também do lado da
receita há algumas incertezas, já que a Comissão Europeia avisa que o Eurostat
ainda está a analisar se os 419 milhões de euros de encaixe extraordinário
previstos pelo Governo para este ano têm efeito. Está em causa, nomeadamente, a
concessão da Silopor (que valerá 60 milhões de euros), já que o concessionário
interpôs uma providência cautelar para travar a adjudicação. Outra dúvida
incide sobre a transferência do sistema de saúde dos CTT (com uma receita
esperada de 180 milhões de euros), que, por ser uma consequência da privatização
dos correios, pode não servir para abater o défice. Além disso, as alterações
contabilísticas que entram em vigor em Setembro (o SEC 2010) podem trocar as
voltas ao executivo: tal como os fundos de pensões, também a transferência
deste tipo de sistemas de saúde poderá não ser contabilizada no défice.
Reestruturação de
serviços
Este ano, as
medidas orçamentais representam 2,3% do PIB. E em relação à despesa, a Comissão
não é a única instituição a alertar para os efeitos limitados dos cortes
ministeriais. Ainda esta semana, o Conselho das Finanças Públicas, liderado por
Teodora Cardoso, veio alertar que a execução no ano passado sugere que as
medidas “não produziram todos os efeitos enunciados pelo Ministério das
Finanças”.
Para 2015, o
Governo já anunciou medidas no valor de 1400 milhões de euros, com mais de
metade do montante (cerca de 730 milhões de euros) a passar por cortes nos
vários ministérios, através de fusões e reestruturações de serviços.
A ministra das
Finanças não detalhou na semana passada quais os ministérios em causa. O
relatório da Comissão veio, no entanto, esclarecer que é na segurança interna,
ambiente, agricultura e educação que vai incidir este esforço. Numa carta de
intenções que acompanha o relatório da Comissão, o Governo reafirma, ao mesmo
tempo, o compromisso de fechar no DEO as medidas para tornar permanentes os
cortes nos salários da função pública e nas pensões.
Para 2015, o
executivo conta ainda com medidas de reorganização do Sector Empresarial do
Estado, com uma redução de custos em tecnologias de informação e comunicação
(TIC) e com um corte de 30% nos gastos em estudos, projectos e serviços de
consultadoria. Nos planos do executivo, revela também a Comissão Europeia, está
ainda concessionar o Oceanário a privados.
No próximo ano, a
execução orçamental conta ainda com o impacto de medidas de 2014: um novo
programa de rescisões amigáveis dirigido a professores (em Setembro) e o
aumento dos descontos para a ADSE e para os subsistemas de saúde dos militares
(ADM) e das polícias (SAD), já aprovado no Parlamento e que está agora de novo
nas mãos do Presidente da República.
Sem comentários:
Enviar um comentário