segunda-feira, 21 de abril de 2014

A Terra na era do Antropoceno


OPINIÃO
A Terra na era do Antropoceno
MARIA AMÉLIA MARTINS-LOUÇÃO 22/04/2014 PÚBLICO

O dia da Terra (22 de Abril) foi instituído há 44 anos para instigar o Homem a uma reflexão profunda sobre o planeta que habita. Este ano, a data surge 10 dias após o lançamento das recomendações do IPCC (Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas).

Os registos arqueológicos e geológicos sugerem impactos do Homem nos ecossistemas, ao longo dos últimos 50 mil anos. Nos últimos três mil anos, as modificações que a caça, a queima e a agricultura originaram são irrefutáveis. Mas foram as alterações na biodiversidade, na biogeoquímica e nos processos geomorfológicos decorrentes da industrialização que levaram o ecólogo Eugene Stoermer, em 1980, a propor uma nova era geológica, o Antropoceno, face ao impacto da espécie humana no globo. Em 2000, Paul Crutzen, prémio Nobel da Química (1995), explicou a ligação entre as modificações na química da atmosfera e as alterações climáticas e relançou e popularizou o termo Antropoceno.

Segundo o filósofo Stephen Gardiner, as alterações climáticas podem ser consideradas uma tempestade moral pelos desafios éticos que arrastam a nível global, intergeracional e ecológico. Global, porque as emissões de gases de estufa, responsáveis pelas alterações climáticas, produzem efeitos globais e não incidem apenas sobre os locais emissores. Intergeracional, porque os gases permanecem na atmosfera por um tempo de vida que ultrapassa várias gerações populacionais. Ecológico, porque o poder económico dependente da produção de fontes poluidoras está a hipotecar o ambiente que sustenta o equilíbrio natural e as gerações vindouras.

Quando se fala em alterações climáticas e sustentabilidade do planeta, não se pensa em alimento. No entanto, a necessidade de assegurar quantidade e diversidade de produtos alimentares para uma população que não pára de crescer, gera graves problemas ambientais. A agricultura e toda a indústria à volta da produção de alimento é responsável por mais de 75% das emissão de gases, pela quantidade de fertilizantes, água e energia, associados à produção, distribuição e empacotamento. A procura de carne e seus derivados, associada ao desenvolvimento e à urbanização, triplicou nas últimas quatro décadas. Actualmente, a produção animal ocupa cerca de 68% da terra arável e tenderá a aumentar, para assegurar a procura de carne num planeta de nove mil milhões de habitantes, como se projecta para 2050. O aumento da produção agrícola tem vindo a ser alcançado através da intensificação e extensificação da exploração. A intensificação tem sido conseguida com a utilização de cultivares mais eficientes, mas, no futuro, necessita de estratégias que promovam a sustentabilidade do solo. A extensificação tem acelerado a perda de diversidade à custa da desmatação e desflorestação e requer o desenvolvimento de técnicas de produção mais eficientes. No entanto, apesar da intensificação e extensificação agrícolas, a equidade social a nível mundial ainda não é uma realidade. A fome persiste em muitas regiões e um terço da produção alimentar global é desperdiçada e inutilizada. É o paradoxo da globalização e a vergonha da “civilização”.

Apesar dos inúmeros desafios científicos ou consensus éticos que se colocam, urge o debate alargado na sociedade sobre um assunto tão polémico como este: como assegurar alimento à população e, simultaneamente, a sustentabilidade do planeta? Pequenas alterações a nível local podem ter repercussões globais, muito mais assertivas do que as políticas. Isso implica informação e divulgação sobre acções a realizar.

A diversificação das cadeias de produção de alimento, embora procure aumentar a segurança alimentar e a distribuição regional, onera os custos do produto ao consumidor e promove as emissões de gases para a atmosfera, sem por isso trazer equidade social. É aconselhável reduzir a pegada ecológica na cadeia de produção, diminuindo o transporte e tornando a cadeia de distribuição mais eficiente. Uma das medidas é retomar e apoiar os produtos tradicionais e locais, favorecendo a conservação de cultivares regionais, algumas menos dependentes de água e fertilizantes. Por outro lado, readaptar dietas tradicionais à base de proteína vegetal proporciona uma alimentação mais saudável e com menor risco de obesidade. Não está aqui em causa a apologia de uma dieta vegetariana, apenas uma chamada de atenção para o consumo regrado de proteína animal. A Europa consome em média 14 quilos de carne por pessoa por ano, mais do que a média mundial, 11 quilos, e quase o dobro do que é aconselhável para evitar riscos para a saúde. Não será fácil alterar padrões de consumo e dietas alimentares, mas será possível, desde que o cidadão compreenda que ao tomar estas opções está a contribuir para melhorar a sua saúde, o bem-estar colectivo e a diminuição de custos de produção.

Para além da formação e conhecimento sobre estas matérias, escolas e universidades devem colocar à discussão estes temas, promover o desenvolvimento de soluções que traduzam menos desperdícios, e estimular a responsabilidade dos jovens para a equidade social, a preservação dos recursos e a sustentabilidade deste planeta azul. Esta seria uma homenagem significativa a realizar neste dia da Terra.


Professora universitária

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