OPINIÃO
A Terra na era do Antropoceno
MARIA AMÉLIA MARTINS-LOUÇÃO 22/04/2014 PÚBLICO
O dia da Terra
(22 de Abril) foi instituído há 44 anos para instigar o Homem a uma reflexão
profunda sobre o planeta que habita. Este ano, a data surge 10 dias após o
lançamento das recomendações do IPCC (Painel Intergovernamental para as
Alterações Climáticas).
Os registos
arqueológicos e geológicos sugerem impactos do Homem nos ecossistemas, ao longo
dos últimos 50 mil anos. Nos últimos três mil anos, as modificações que a caça,
a queima e a agricultura originaram são irrefutáveis. Mas foram as alterações
na biodiversidade, na biogeoquímica e nos processos geomorfológicos decorrentes
da industrialização que levaram o ecólogo Eugene Stoermer, em 1980, a propor uma nova era
geológica, o Antropoceno, face ao impacto da espécie humana no globo. Em 2000,
Paul Crutzen, prémio Nobel da Química (1995), explicou a ligação entre as
modificações na química da atmosfera e as alterações climáticas e relançou e
popularizou o termo Antropoceno.
Segundo o
filósofo Stephen Gardiner, as alterações climáticas podem ser consideradas uma
tempestade moral pelos desafios éticos que arrastam a nível global,
intergeracional e ecológico. Global, porque as emissões de gases de estufa,
responsáveis pelas alterações climáticas, produzem efeitos globais e não
incidem apenas sobre os locais emissores. Intergeracional, porque os gases
permanecem na atmosfera por um tempo de vida que ultrapassa várias gerações
populacionais. Ecológico, porque o poder económico dependente da produção de
fontes poluidoras está a hipotecar o ambiente que sustenta o equilíbrio natural
e as gerações vindouras.
Quando se fala em
alterações climáticas e sustentabilidade do planeta, não se pensa em alimento. No
entanto, a necessidade de assegurar quantidade e diversidade de produtos
alimentares para uma população que não pára de crescer, gera graves problemas
ambientais. A agricultura e toda a indústria à volta da produção de alimento é
responsável por mais de 75% das emissão de gases, pela quantidade de
fertilizantes, água e energia, associados à produção, distribuição e
empacotamento. A procura de carne e seus derivados, associada ao
desenvolvimento e à urbanização, triplicou nas últimas quatro décadas. Actualmente,
a produção animal ocupa cerca de 68% da terra arável e tenderá a aumentar, para
assegurar a procura de carne num planeta de nove mil milhões de habitantes,
como se projecta para 2050. O aumento da produção agrícola tem vindo a ser
alcançado através da intensificação e extensificação da exploração. A
intensificação tem sido conseguida com a utilização de cultivares mais
eficientes, mas, no futuro, necessita de estratégias que promovam a
sustentabilidade do solo. A extensificação tem acelerado a perda de diversidade
à custa da desmatação e desflorestação e requer o desenvolvimento de técnicas
de produção mais eficientes. No entanto, apesar da intensificação e
extensificação agrícolas, a equidade social a nível mundial ainda não é uma
realidade. A fome persiste em muitas regiões e um terço da produção alimentar
global é desperdiçada e inutilizada. É o paradoxo da globalização e a vergonha
da “civilização”.
Apesar dos
inúmeros desafios científicos ou consensus éticos que se colocam, urge o debate
alargado na sociedade sobre um assunto tão polémico como este: como assegurar
alimento à população e, simultaneamente, a sustentabilidade do planeta? Pequenas
alterações a nível local podem ter repercussões globais, muito mais assertivas
do que as políticas. Isso implica informação e divulgação sobre acções a
realizar.
A diversificação
das cadeias de produção de alimento, embora procure aumentar a segurança
alimentar e a distribuição regional, onera os custos do produto ao consumidor e
promove as emissões de gases para a atmosfera, sem por isso trazer equidade
social. É aconselhável reduzir a pegada ecológica na cadeia de produção,
diminuindo o transporte e tornando a cadeia de distribuição mais eficiente. Uma
das medidas é retomar e apoiar os produtos tradicionais e locais, favorecendo a
conservação de cultivares regionais, algumas menos dependentes de água e
fertilizantes. Por outro lado, readaptar dietas tradicionais à base de proteína
vegetal proporciona uma alimentação mais saudável e com menor risco de
obesidade. Não está aqui em causa a apologia de uma dieta vegetariana, apenas
uma chamada de atenção para o consumo regrado de proteína animal. A Europa
consome em média 14 quilos de carne por pessoa por ano, mais do que a média
mundial, 11 quilos, e quase o dobro do que é aconselhável para evitar riscos
para a saúde. Não será fácil alterar padrões de consumo e dietas alimentares,
mas será possível, desde que o cidadão compreenda que ao tomar estas opções
está a contribuir para melhorar a sua saúde, o bem-estar colectivo e a
diminuição de custos de produção.
Para além da
formação e conhecimento sobre estas matérias, escolas e universidades devem
colocar à discussão estes temas, promover o desenvolvimento de soluções que
traduzam menos desperdícios, e estimular a responsabilidade dos jovens para a
equidade social, a preservação dos recursos e a sustentabilidade deste planeta
azul. Esta seria uma homenagem significativa a realizar neste dia da Terra.
Professora universitária
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