EDITORIAL / PÚBLICO
A Câmara de Lisboa e a
transparência
Depois de dois anos e meio e
quatro decisões judiciais, António Costa tornou um relatório público
28 abr 2014
Em Abril de 2011, a Comissão para a
Promoção das Boas Práticas criada pela Câmara Municipal de Lisboa fez
recomendações ao presidente António Costa sobre a forma como as obras estavam a
ser contratadas. Na altura, o documento foi tornado público no canal que a
comissão tem no site da própria câmara. Tudo normal num país moderno e
democrático.
O texto citava um
relatório feito meses antes pelos serviços, no qual se faziam críticas à
Direcção Municipal de Projectos e Obras. As recomendações da comissão incidiam
sobre problemas concretos: a câmara contratar repetidamente os mesmos
empreiteiros; privilegiar os ajustes directos e recorrer muito à figura do
“estado de necessidade”, um regime de contratação excepcional que dispensa
formalismos. Para além do relatório, a comissão citava três memorandos com as
respostas dos directores visados. Por considerar os documentos de interesse
público, o PÚBLICO pediu à câmara uma cópia dos documentos. Estávamos em
Outubro de 2011.
A câmara não deu
resposta ao pedido. Um mês depois, o PÚBLICO apresentou uma queixa à Comissão
de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), que funciona no âmbito da
Assembleia da República e tem 11 membros, entre os quais um deputado do PSD e
outro do PS. No seu parecer, a CADA concordou que os documentos eram
administrativos e por isso de natureza pública e deviam ser entregues ao
jornal. O PÚBLICO voltou a pedir o relatório e os anexos. De novo, silêncio.
Convictos da
justeza do pedido, decidimos recorrer a um tribunal. Em Agosto de 2012, o
Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa deu-nos razão e deu à câmara 10
dias para entregar os papéis. Passaram os 10 dias e a câmara tomou duas
decisões: não entregar os documentos e recorrer para o Tribunal Central
Administrativo. No recurso, a câmara revelou o seu raciocínio: abrir os
arquivos, “abre caminho a que todas as decisões políticas [...] fiquem sujeitas
ao escrutínio público [...], o que irá conduzir à diminuição/ perda da
autonomia que deve caracterizar o exercício do poder político”. Os documentos
eram políticos e não administrativos, é a tese. Em Janeiro de 2013, o TCA
confirmou a decisão anterior. De novo, a CML recorreu, desta vez para o
Tribunal Constitucional. Em Julho, o TC rejeitou o recurso. A câmara recorreu
então para a Conferência de Juízes do TC que, em Fevereiro deste ano, tomou
decisão idêntica, recusando apreciar o recurso. Esgotadas as ferramentas, a
câmara entregou agora, quase três anos depois, os documentos ao PÚBLICO.
Este é um caso
exemplar em muitos aspectos. Até porque, ironia das ironias, enquanto bloqueava
o acesso aos documentos, António Costa agia correctamente em relação aos
problemas identificados pelos seus técnicos. Permanece, no entanto, um
equívoco. Um relatório técnico sobre como o dinheiro público é gasto não é um
documento político. Quando falamos sobre como a câmara gasta 40 milhões de
euros em obras, não falamos da estratégia da câmara, mas do próprio
funcionamento da coisa pública.
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