quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Em que é que Louçã e César das Neves concordam? Que há riscos de colapso evidentes


 "Um país de turismo é um país sem valor acrescentado."
Francisco Louçã / Economista

"Não estamos a aprender as lições e estamos a repetir o imobiliário. Há uma novidade: o turismo."
João César das Neves /Economista



Em que é que Louçã e César das Neves concordam? Que há riscos de colapso evidentes
Margarida Peixoto
Ontem

Os dois economistas, de pensamento ideológico bastante distinto, concordam que há riscos evidentes de um novo colapso. Mas isso não quer dizer que estejam de acordo em tudo.
Em que é que César das Neves e Francisco Louçã, dois economistas de ideologias completamente divergentes, estão de acordo? Que os riscos de um colapso económico são evidentes. Mas isto não implica que coincidam em cada um destes riscos. Esta terça-feira, na 2ª Conferência na Caixa – A crise financeira e a economia portuguesa: aprendemos as lições?, os dois economistas deixaram alertas para a economia nacional.

“As coisas estão tão más que estamos de acordo, tirando a heresia final”, ironizou João César das Neves, depois da intervenção de Francisco Louçã, que tinha terminado com a “heresia” de se achar sempre que “Deus escreve direito por linhas tortas.”

Os dois economistas destacaram a insuficiência do investimento, público e privado, atual que não chega, tampouco, para repor o capital que vai sendo amortizado. Ambos notaram fragilidades estruturais na economia nacional, mas divergiram no valor que atribuem a alguns dos desenvolvimentos recentes, como é o caso do boom do turismo. Se César das Neves aponta o crescimento deste setor como um dos poucos elementos diferenciadores, em termos estruturais, do crescimento português face ao período pré-crise, Francisco Louçã desconfia da sua capacidade para melhorar definitivamente as condições do país.

Não estamos a aprender as lições e estamos a repetir o imobiliário. Há uma novidade: o turismo.

João César das Neves
Economista

“Não estamos a aprender as lições e estamos a repetir o imobiliário. Há uma novidade: o turismo, que não estava cá e que parece relativamente sólida”, defendeu César das Neves. “Um país de turismo é um país sem valor acrescentado”, contrapôs, pouco depois, Francisco Louçã.

César das Neves argumentou também que o crescimento do PIB ainda fica aquém do que seria de esperar, dada a dimensão da recessão, que as finanças públicas estão frágeis (com uma herança pesadíssima da dívida) e que a produtividade e a competitividade estão aquém do necessário.

Um país de turismo é um país sem valor acrescentado.

Francisco Louçã
Economista

Já Francisco Louçã deu mais ênfase aos riscos internacionais por si mesmos e à forma como podem comprometer a economia portuguesa, nomeadamente o risco de uma bolha financeira internacional. “Temos todos os riscos para uma crise”, alertou o ex-líder do Bloco de Esquerda.

E enunciou-os: “O aumento das dívidas públicas, aumento dos balanços dos bancos centrais, a redução dos preços, em função da longa recessão que nos deixou muito próximos do perigo da deflação” e ainda “a não correspondência entre a disponibilização de liquidez e a disponibilidade para a concessão de crédito”.


Francisco Louçã defendeu que o euro é ele mesmo um risco, bem como a política monetária e o esgotamento da sua margem de manobra. “O euro é um dos fatores de risco para a nossa economia”, disse. “A política de liberalização da circulação de capitais é ela própria um fator de risco”, frisou.

Luís Filipe Vieira é mesmo arguido e tem termo de identidade e residência / Juiz Rui Rangel suspeito de vender decisões judiciais / Rui Rangel. As 5 polémicas do juiz que quis ser presidente do Benfica e apadrinhou um partido


RUI RANGEL
Luís Filipe Vieira é mesmo arguido e tem termo de identidade e residência

Depois de buscas na Luz, Vieira será arguido por suspeita de tráfico de influências. Rangel é suspeito de tráfico de influências, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Foram constituídos arguidos

Rita Cipriano

Luís Filipe Vieira já foi mesmo constituído arguido e tem como medida de coação termo de identidade e residência. O presidente do Benfica é suspeito de tráfico de influências. O juiz desembargador Rui Rangel é suspeito do mesmo crime, e também de fraude fiscal e branqueamento de capitais, mas ainda não foi constituído arguido.

Apesar de o Observador ter a informação confirmada por várias fontes, fonte oficial do Benfica assegura que Vieira “não foi constituído arguido” e que a “informação de um alegado termo de identidade e residência é absurda”.

Ao que o Observador apurou, informação que foi confirmada por fonte do clube da Luz, Luís Filipe Vieira recusou-se a assinar a notificação do mandado de busca judicial assinado por um juiz de instrução criminal que legitimou buscas à sua residência e ao seu gabinete de trabalho. Mas isso não impede que alguém seja constituído arguido.

A operação LEX levou esta manhã de quinta-feira a 33 buscas, 20 domiciliárias, “três a escritórios de advogados, sete a empresas e três a postos de trabalho”, refere um comunicado emitido ao final da manhã desta terça-feira pela PJ. Entre as buscas domiciliárias realizadas, sabe o Observador, encontram-se as casas do juiz desembargador Rui Rangel, da sua ex-mulher, a juíza desembargadora Fátima Galante e a do presidente do Benfica. Houve também buscas no Estádio da Luz, com especial enfoque no escritório do dirigente Fernando Tavares, vice-presidente para as modalidades.

A operação foi realizada “a nível nacional” através da Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC). As buscas em vários pontos do país envolveram mais de 150 inspetores da PJ. Ao todo são já conhecidos cinco detidos: o advogado Santos Martins, o seu filho, um oficial de justiça, um outro advogado e a mãe de uma filha de Rangel, Rita Figueira.

Em causa estão, segundo a Procuradoria-Geral da República, “suspeitas de crimes de recebimento indevido de vantagem, ou, eventualmente, de corrupção, de branqueamento de capitais, tráfico de influência e de fraude fiscal”. Contudo, o Ministério Público e a PJ estão concentrados no crime de tráfico de influências uma vez que Rui Rangel e Fátima Galante são suspeitos de alegadamente terem tomado decisões “de favor”. Os alegados beneficiários serão diversos empresários cuja identidade o Observador ainda não conseguiu confirmar.

As operações estão a ser acompanhadas por José Souto Moura, conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que está em causa um juiz

Luís Filipe Vieira arguido. Rangel e ex-mulher constituídos arguidos
De acordo com o Correio da Manhã, além das casas de Rui Rangel e da ex-mulher, que já foram constituídos arguidos os inspetores da PJ estão também a fazer buscas no Tribunal da Relação de Lisboa, onde o juiz exerce funções, na casa de Vieira e na SAD do Benfica. O gabinete de Fernando Tavares, vice-presidente do clube para as modalidades, terá sido o principal alvo dos inspetores da PJ. Rangel foi candidato à presidência do clube em 2012 e mantém uma relação de grande proximidade com o vice-presidente dos encarnados (que apoiou a sua candidatura) e também com Luís Filipe Vieira (de quem Tavares é agora, de novo, vice-presidente).

Num comunicado publicado no site oficial ao final da manhã, o clube da Luz publicou um “esclarecimento sobre interpretações totalmente especulativas”, confirmando “a realização de buscas no âmbito de uma investigação que não tem por objeto o clube e que se encontra em segredo de justiça“. “Nada tendo a ver o âmbito do processo com o Sport Lisboa e Benfica, são totalmente especulativas todas as interpretações que envolvam o nome desta instituição”, refere ainda a nota. O advogado do clube, João Correia, fala em “perseguição”.

Sobre Luís Filipe Vieira, que já foi constituído arguido e sujeito a termo de identidade e residência, recaem suspeitas de ter cometido o crime de tráfico de influências. Rui Rangel e a ex-mulher já foram constituídos arguidos e submetidos a um primeiro interrogatório judicial, como previsto no mandado de busca. Vieira também vai ser interrogado.

Souto Moura está a acompanhar operação
A operação está a ser acompanhada pelo antigo procurador-geral da República, José Souto Moura, juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Souto Moura estará a representar o papel de juiz de instrução criminal. Ou seja, é o procurador-geral adjunto que tem o processo no STJ quem terá solicitado a Souto Moura autorização para realizar as buscas domiciliárias e não domiciliárias que estão em curso em diversos pontos do país, uma vez que o caso envolve um juíz desembargador.

A realização de buscas em “vários locais, designadamente no Tribunal da Relação de Lisboa”, foi confirmada ao Observador pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que explicou que “as diligências decorrem no âmbito de um inquérito dirigido pelo Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, com a coadjuvação de magistrados do DCIAP”.

“Este processo teve origem numa certidão extraída da designada Operação ‘Rota do Atlântico'”, adiantou ainda a PGR, o que significa que este processo pode não estar diretamente relacionado com o caso que envolve o empresário José Veiga, mas ter apenas levado à descoberta de evidências que conduziram à sua abertura.

Iniciado em inícios de 2016, o processo “Rota do Atlântico” tem como principais alvos o empresário José Veiga e o sócio Paulo Santana Lopes (irmão de Pedro Santana Lopes), que funcionariam como alegados intermediários num esquema de corrupção envolvendo membros do governo da República do Congo. De acordo com a TVI 24, Veiga e Santana terão atribuído vantagens a governantes congoleses em troca de contratos de obras públicas e de construção civil. O nome de Rangel terá surgido quando a polícia conseguiu identificar os alegados testas-de-ferro do esquema.

Há mais de um ano, o jornal Correio da Manhã revelou que o juiz desembargador era suspeito de ter recebido dinheiro de José Veiga, que teria chegado às mãos de Rangel do filho do advogado José Bernardo Santos Martins, amigo de juiz. Durante buscas ao advogado Santos Martins, as autoridades terão encontrado talões de depósito, sempre abaixo dos 10 mil euros (montante que não é obrigatório declarar), e emails recorrentes de Rui Rangel a pedir dinheiro ao amigo.

A investigação ao juiz foi confirmada em outubro de 2016 pela Procuradoria-Geral da República. Em março do ano passado, o Correio da Manhã noticiou que a Procuradora-Geral da República Joana Marques Vidal tinha mandado reforçar a equipa que investigava Rui Rangel, destacando mais dois magistrados do DCIAP.

Terá sido neste âmbito que o Ministério Público terá extraído uma certidão que foi enviada para Supremo Tribunal de Justiça. A notícia surgiu apenas um mês depois de o Ministério Público ter avançado com um pedido de escusa do juiz, a quem tinha sido atribuído um recurso de José Sócrates na “Operação Marquês”. Em comunicado, a Procuradoria confirmou que o requerimento foi feito por “considerar” que existia um “motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do magistrado judicial”.

Cinco pessoas detidas, incluindo José Bernardo Santos Martins
O advogado Santos Martins está entre os cinco detidos esta terça-feira. Os outros três são um oficial de justiça, um outro advogado, o filho de um dos advogados e a mãe da filha de Rangel, Rita Figueira, soube o Observador.

“Os detidos irão ser presentes à autoridade judiciária competente para primeiro interrogatório judicial e aplicação das medidas de coação tidas por adequadas”, refere a nota divulgada ao início da tarde. Entretanto, as buscas terminaram por hoje e os inspectores da PJ e magistrados do MP já saíram da casa de Rui Rangel.


OPERAÇÃO LEX
Juiz Rui Rangel suspeito de vender decisões judiciais

Magistrado da Relação de Lisboa também venderia a influência que alegadamente tinha junto de colegas.

MARIANA OLIVEIRA e ANA HENRIQUES 31 de Janeiro de 2018, 6:29

O juiz Rui Rangel, constituído arguido nesta terça-feira no âmbito da Operação Lex, é suspeito de vender, a troco de dinheiro, decisões judiciais, mas também de vender a sua influência no desfecho de processos judiciais que não estavam nas suas mãos, junto de outros colegas magistrados, apurou o PÚBLICO. Neste momento, a investigação não recolheu indícios de que os juízes que de facto tinham os casos entre mãos fossem influenciados por Rui Rangel, que, no entanto, iludiria quem lhe pagava.

Entre os “clientes” do juiz do Tribunal da Relação de Lisboa estará o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, que terá pago pela influência do juiz na resolução de um processo fiscal que envolvia o filho e estava pendente nos tribunais administrativos e fiscais. É por este motivo que Vieira foi constituído arguido no âmbito desta investigação, que, para já, não parece ter nada a ver com o clube que dirige.

Igualmente constituída arguida foi a juíza-desembargadora Fátima Galante, que formalmente ainda é casada com Rui Rangel, mas de quem este está separado de facto há mais de década e meia. No entanto, os dois sempre mantiveram boas relações, tendo a Polícia Judiciária detectado entre ambos inúmeras movimentações em numerário. Envolvido nos movimentos de dinheiro aparece o advogado José Bernardo Santos Martins, um dos cinco detidos pela Polícia Judiciária esta terça-feira, que seria amigo de longa data de Rangel e que a polícia acredita que serviria de intermediário do juiz. O advogado usaria o seu único filho, também detido esta terça-feira, para camuflar os beneficiários finais do dinheiro, por vezes Rangel, por vezes Galante.

Tanto magistrados próximos de Rangel, como elementos ligados à investigação, notam que Rui Rangel mantinha um nível de vida faustoso, incompatível com os rendimentos recebidos na magistratura. O juiz-desembargador vivia num condomínio de luxo, guiava carros topo de gama e gostava de fazer férias dispendiosas, algumas das quais acompanhado pelo advogado Santos Martins.

O empresário José Veiga não está entre os seis arguidos constituídos esta terça-feira, mas a sua condição de suspeito na Operação Lex deve ser formalizada nos próximos dias. Em causa, segundo apurou o PÚBLICO, está a alegada compra da influência de Rangel junto dos colegas da Relação de Lisboa que decidiram, em 2013, em sede de recurso, o caso da fraude fiscal associada à transferência do jogador João Pinto para o Sporting. O futebolista viu confirmada a condenação determinada em primeira instância, mas tanto José Veiga, como outros intervenientes, como Luís Duque, acabaram por ser absolvidos naquela instância superior.

Nesta terça-feira a PJ fez cinco detenções, quatro homens e uma mulher, neste caso. Além dos já referidos, foram detidos mais um advogado e um oficial de justiça da Relação de Lisboa, bem como a mãe da filha mais nova de Rui Rangel.

O número de detenções foi divulgado pela PJ num comunicado. "No decurso da operação foram realizadas trinta e três buscas, sendo vinte domiciliárias, três a escritórios de advogados, sete a empresas e três a postos de trabalho", precisa a nota.

Os detidos serão presente ao Supremo Tribunal de Justiça para primeiro interrogatório judicial e aplicação das medidas de coacção, o que só deve acontecer nesta quarta-feira. Só depois deverão ser ouvidos os dois juízes desembargadores.

A residência e o gabinete de Rui Rangel foram alvo de buscas, no âmbito desta megaoperação da PJ que envolveu centena e meia de investigadores. As buscas visaram a residência do presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, e instalações da Benfica SAD. Aqui, segundo o Correio da Manhã, os polícias terão estado no gabinete do vice-presidente Fernando Tavares. O Benfica reagiu logo de manhã garantindo, num comunicado publicado online, que o clube "nada tem a ver" com este processo.

A Procuradoria-Geral da República precisou que o inquérito investiga "suspeitas de crimes de recebimento indevido de vantagem, ou eventualmente de corrupção, de branqueamento de capitais, tráfico de influência e de fraude fiscal". Na nota confirma-se igualmente que esta investigação nasceu de um outro processo, o Rota do Atlântico que também se mantém actualmente em investigação, centrado na actividade do empresário José Veiga.

A operação desta terça-feira foi acompanhada pelo antigo Procurador-Geral da República, José Souto Moura, actualmente juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, a quem cabe o papel de juiz de instrução neste caso. Como um dos suspeitos é um juiz desembargador, a investigação teve de ser conduzida pelo Ministério Público (MP) junto do Supremo Tribunal de Justiça. O inquérito a Rui Rangel está a ser  dirigido pelo coordenador do MP neste tribunal, o procurador geral-adjunto Paulo Sousa, que tem estado a investigar o caso com a ajuda de diversos procuradores do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, que investiga a Rota do Atlântico.

A lei impede a detenção neste momento quer de Rui Rangel quer de Fátima Galante. Segundo o Estatuto dos Magistrados Judiciais, os juízes não podem ser presos ou detidos sequer preventivamente antes de haver uma data marcada para o seu julgamento. Rui Rangel só poderia ser detido se tivesse sido apanhado em flagrante por crime punível com mais de três anos de cadeia.

Porém, não é líquido que não possa ser submetido a prisão domiciliária, se Souto Moura entender que a medida se mostra necessária para evitar uma eventual fuga ou mesmo destruição de provas. É que quando o estatuto dos magistrados foi aprovado, em 1985, faltavam três anos para surgir em Portugal a detenção caseira com pulseira electrónica, razão pela qual as normas que regem a actuação dos juízes são omissas em relação à aplicação de uma medida de coacção deste género.

Ainda de acordo com o mesmo estatuto, quaisquer buscas a magistrados judiciais, seja na sua casa ou no seu local de trabalho, têm de ser dirigidas pelo juiz competente - ou seja, de uma hierarquia superior à do suspeito -  e também acompanhadas por um representante do Conselho Superior da Magistratura.

Não podendo ser presos neste momento, pelo menos na cadeia, Rui Rangel e Fátima Galante podem, no entanto, ver-lhes ser decretada por Souto Moura a suspensão preventiva das funções de juízes. Medida que, de resto, também pode ser tomada pelo Conselho Superior da Magistratura no âmbito de eventuais processos disciplinares abertos na sequência dos acontecimentos desta terça-feira.


Questionado pelo PÚBLICO sobre se tenciona tomar tal tipo de providência na sequência de os juízes em causa terem sido constituídos arguidos, aquele órgão disciplinar da magistratura não deu qualquer resposta sobre o assunto, tendo apenas referido que ainda tem pendente um inquérito que abriu a Rui Rangel em Outubro de 2016, depois de este ter sido implicado na operação Rota do Atlântico.



RUI RANGEL
Rui Rangel. As 5 polémicas do juiz que quis ser presidente do Benfica e apadrinhou um partido

Miguel Santos Carrapatoso
30/1/2018, 21:22

Candidatou-se à presidência do Benfica, ajudou a pensar um partido, foi penhorado e acusado de plágio. A Operação Marquês devolveu-o às primeiras páginas. Rui Rangel, um juiz mediático e controverso.

Preferiu sempre os holofotes mediáticos do que a reserva dos gabinetes da Justiça. E foi muitas vezes criticado por isso. Em 2012, candidatou-se contra Luís Filipe Vieira à presidência do Benfica, que então considerou o grande responsável pelo divórcio do clube da Luz com os “sócios, a democracia e a liberdade”. Quatro anos depois, sairia em sua defesa, descrevendo-o como “grande e incontestável líder do Benfica”. Na política, apadrinhou o nascimento do “Nós, Cidadãos”, que teve pouco mais de 21 mil votos nas legislativas de 2015. Criticou abertamente colegas de profissão, dizendo que eram a “classe menos confiável em Portugal”. Como desembargador da Relação acabou com o segredo de justiça interno na Operação Marquês, criticou o juiz Carlos Alexandre e o procurador Rosário Teixeira e acabou afastado do processo que tem José Sócrates como principal arguido por dúvidas sobre a imparcialidade depois de ter dado ao ex-primeiro-ministro a sua única vitória judicial. Esta terça-feira, foi alvo de buscas e constituído arguido por suspeitas de ter tentado influenciar decisões judiciais a troco pagamentos milionários.

O caso da então mulher, Fátima Galante, que agora volta a ser arguida

Juiz há mais de 30 anos, com uma vida pública preenchida, a Rui Rangel não lhe faltam polémicas. A primeira em que se viu envolvido nem o teve como principal protagonista. Logo em 1996, a juíza Fátima Galante (então mulher de Rangel) e o solicitador Hernâni Patuleia foram envolvidos num caso de corrupção, depois de terem sido implicados num esquema de alegado favorecimento a uma das partes em disputa num processo judicial. Galante acabaria por ver a acusação de corrupção passiva arquivada pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Patuleia, esse, foi condenado por corrupção ativa na forma tentada a três anos de prisão com pena suspensa.

Em outubro de 1998, num artigo de opinião publicado no Diário de Notícias, o jornalista Emídio Rangel (então diretor de informação da SIC e irmão de Rui) saudava o arquivamento do inquérito que envolvia a cunhada e acusava os advogados Gouveia Gomes Fernandes e Freitas e Costa (que representavam uma das partes no mesmo processo) de implicar Fátima Galante no alegado esquema de corrupção para obter ganhos de causa junto da Polícia Judiciária. Na resposta, os dois juristas, que revelaram aos investigadores as tentativas de extorsão de Patuleia em troca de uma decisão favorável de Galante, acusavam os tribunais de favorecerem a mulher de Rui Rangel por se tratar de uma magistrada judicial.

A juíza acabaria por interpor um processo contra os advogados por ofensa à sua reputação e ainda contra o semanário O Independente (entretanto extinto). A justiça portuguesa deu razão à queixosa, mas, em 2011, o Estado português seria condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a compensar os advogados em 41.500 euros por violação da liberdade de imprensa.

O nome de Fátima Galante, entretanto divorciada de Rui Rangel, salta agora novamente para a ribalta. Entre as 20 buscas domiciliárias realizadas esta segunda-feira no âmbito da Operação Lex, sabe o Observador, encontram-se as casas do juiz desembargador Rui Rangel, da sua ex-mulher, a juíza desembargadora Fátima Galante. A magistrada foi constituída arguida na Operação LEX.

[Os talões, o seguro e os emails a pedir dinheiro. Veja no vídeo alguns indícios contra Rui Rangel e as polémicas do juiz]

Eliseu Bumba, os livros jurídicos e a “porta do cavalo”
Esta não é a primeira vez que Rui Rangel se vê envolvido em processos judiciais. Em novembro de 2015, os procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) participaram ao Conselho Superior da Magistratura (CSM), o órgão de gestão e disciplina dos juízes, um negócio que terá envolvido Rui Rangel e um dos principais arguidos no processo Vistos Gold. Como explicava aqui o Observador, Rangel terá negociado com Bumba, secretário do Consulado-Geral de Angola em Portugal e empresário, a produção de livros jurídicos, o que pode constituir uma violação do regime de exclusividade a que estão sujeitos os juízes.

Em novembro de 2013, Rui Rangel viajou entre Lisboa e Luanda juntamente com o filho. A despesa, na ordem dos 8.400 euros, acreditam os investigadores, terá sido suportada por Eliseu Bumba — algo que Rui Rangel sempre refutou. As suspeitas nasceram depois de António Figueiredo, ex-presidente do Instituto dos Registos do Notariado e um dos principais arguidos no processo, ter admitido aos procuradores que Rangel tinha negociado com Eliseu Bumba a elaboração de Códigos Jurídicos. No processo, há mesmo uma escuta em que Figueiredo se queixa ao juiz Antero Luís de que Rangel estaria a “receber pela porta do cavalo“.

Como escreveu o Observador, com base no despacho de acusação a que teve então acesso, António Figueiredo “teve conhecimento que o juiz desembargador Rui Rangel teria negociado com Eliseu Bumba a elaboração de códigos jurídicos, percecionando-o como um seu concorrente uma vez que, pelo trabalho daquele, via defraudadas algumas expectativas que tinha em obter elevados ganhos monetários”.

A investigação do Ministério Público terá ainda apurado que um livro da Coimbra Editora intitulado “Código de Registo Civil Anotado e Legislação Complementar”, pago pela instituição Merap, liderada por Bumba, terá sido “afinal escrito pelo juiz desembargador Rui Rangel”. Rangel fez inclusivamente a apresentação pública do livro em Luanda, no dia 20 de junho de 2014. Na presença de Rui Mangueira, ministro da Justiça de Angola, e dos “formais co-autores da obra: Isabel Almeida e Eliseu Bumba”.

Segundo a acusação do Ministério Público, Bumba e Rui Rangel conheceram-se em 2013, quando o desembargador da Relação de Lisboa terá ministrado formação a juízes do Tribunal Constitucional de Angola através da Merap, empresa de Bumba.

As ligações ao universo benfiquista
As ligações ao Benfica também lhe valeram alguns dissabores. Em 2012, quando anunciou a candidatura ao cargo de presidente do Benfica, a decisão causou mal-estar entre os magistrados do Tribunal da Relação de Lisboa que há muito defendem que nenhum magistrado desempenhe cargos desportivos. Na época, o Conselho Superior da Magistratura chegou a sugerir ao juiz que suspendesse o exercício das suas funções, enquanto decorresse a campanha eleitoral do clube. Rangel não o fez.

O caso levantava ainda mais reservas porque, à época dos factos, Rangel tinha em mãos um processo que envolvia 29 elementos da claque dos No Name Boys, condenados em 2010 por tráfico de estupefacientes, posse de arma ilegal, ofensa qualificada à integridade física, entre outros crimes. O juiz desembargador acabou por pedir escusa já durante o período de campanha, pedido que acabaria negado depois de Rangel ter perdido as eleições.

A guerra contra Luís Filipe Vieira foi igualmente dura. Rangel, que terá contado com o apoio do ex-empresário de futebol e ex-dirigente benfiquista José Veiga, fez campanha exigindo uma auditoria às contas dos encarnados, alegando que havia “pessoas à volta do Benfica” que tinham ficado “mais ricas”, enquanto o clube ficava “mais pobre”. Sob a liderança de Vieira, dizia Rangel, o Benfica divorciara-se “dos sócios, da democracia e da liberdade”.

Numa resposta particularmente violenta, o presidente encarnado acusou Rangel de “não perceber nada da realidade do Benfica” e de “envergonhar a magistratura”. O juiz acabaria por perder por uma larga margem, recebendo apenas 13% dos votos. Quatro anos depois, já em 2016, Rangel não só teceu rasgados elogios a Luís Filipe Vieira, o “grande e incontestável líder do Benfica”, como apoiou publicamente a recandidatura do atual presidente do Benfica.

Os três — Rangel, Veiga e Vieira — surgem agora num triângulo cujas ligações estão ainda por esclarecer. A Operação Lex, que envolve Rui Rangel, nasceu de uma certidão retirada da operação Rota do Atlântico, iniciada no início de 2016 e que tem em José Veiga e Paulo Santana Lopes (irmão de Pedro Santana Lopes) os dois principais arguidos.

Segundo a investigação, os dois — Veiga e Paulo Santana Lopes — funcionariam como alegados intermediários num esquema de corrupção envolvendo membros do Governo da República do Congo. Os suspeitos terão atribuído vantagens a governantes congoleses em troca de contratos de obras públicas e de construção civil. O nome de Rangel terá surgido quando a polícia conseguiu identificar os alegados testas-de-ferro do esquema. O juiz desembargador é suspeito de ter recebido dinheiro de José Veiga, que teria chegado às mãos de Rangel através do filho do advogado José Bernardo Santos Martins, amigo do juiz. Durante buscas ao advogado Santos Martins, as autoridades terão encontrado talões de depósito, sempre abaixo dos 10 mil euros (montante que não é obrigatório declarar), e e-mails recorrentes de Rui Rangel a pedir dinheiro ao amigo.

Santos Martins e o filho foram também alvo das buscas desta terça-feira.

Esta terça-feira, Luís Filipe Vieira foi constituído arguido no âmbito da Operação Lex que envolve precisamente Rui Rangel. O presidente do Benfica tem como medida de coação o termo de identidade e residência, sendo suspeito de tráfico de influências, e deve ser interrogado nos próximos dias.

A decisão surge depois de os investigadores terem feito buscas no Estádio da Luz, com especial enfoque no escritório do dirigente Fernando Tavares, vice-presidente para as modalidades dos encarnados — amigo pessoal de Rui Rangel, membro da lista de Rangel patrocinada por Veiga e derrotada nas eleições de 2012. Outro dos críticos de Vieira nessa altura — chegou a dizer ao Expresso que Vieira se achava “dono” do clube — e que acabou por ser a grande surpresa nas listas de Vieira quando esta se recandidatou em 2016.

Fernando Tavares, vice-presidente do Benfica com a pasta das modalidades, também foi constituído arguido, de acordo com informação avançada pela TVI 24 e que foi confirmada pelo Observador. Tavares, que foi apoiante de Rui Rangel em 2012 quando o juiz se candidatou à liderança do Benfica contra Luís Filipe Vieira, será suspeito do mesmo crime do líder benfiquista: tráfico de influência.

As críticas à “classe menos confiável do país” e a dívida da operação estética
O excesso de protagonismo mediático de Rui Rangel valeu-lhe críticas entre magistrados. As ligações ao Benfica, o facto de ter apadrinhado a formação de um partido político (o Nós, Cidadãos) ou de ter fundado a Associação Juízes pela Cidadania (AJpC), que nunca se coibiu de propor publicamente reformas na Justiça, foram sempre olhados com reserva por muitos magistrados. Chegou a ter espaços de comentário e debate no Correio da Manhã e na RTP, experiências que lhe valeram o rótulo (depreciativo) de juiz comentador e algumas infrações disciplinares.

As pequenas polémicas que orbitaram em torno de Rangel ajudaram a alimentar “alguns anticorpos” que gerou entre a classe, como o próprio chegou a admitir em declarações ao jornal i. Em 2014, foi alvo de uma penhora por falta de pagamento a uma empresa de reparação de automóveis. Antes, já tinha sido condenado por falta de pagamento a uma clínica de estética Perfect Shape, num litígio que envolvia uma dívida por tratamentos de modelação corporal para redução do abdómen.

Habituado às críticas dos pares, Rui Rangel acabou por perder a paciência em 2015, depois de o Correio da Manhã ter avançado que o juiz desembargador se arriscava a ser alvo de um processo disciplinar do Conselho Superior da Magistratura por ter, alegadamente, plagiado outros magistrados e um professor universitário no acórdão em que de terminou o fim do segredo de justiça na Operação Marquês. Dessa vez, ouvido pelo jornal i, Rangel atirou-se à classe:

“Não faço parte do grupo de juízes cinzentões que acham que estão fechados numa redoma de vidro. Os juízes, infelizmente, não sabem ser membros de um poder soberano, agem com mentalidade de funcionários públicos. São a classe menos confiável em Portugal“, criticava então Rui Rangel. Agora, terá de se defender não apenas perante a classe.

As críticas a Carlos Alexandre, a decisão a favor de Sócrates e o impedimento final
A polémica mais recente em que apareceu envolvido o juiz desembargador da Relação de Lisboa surgiu no âmbito do inquérito judicial ao ex-primeiro-ministro José Sócrates. Como comentador na TVI24 num painel sobre a Operação Marquês, em junho de 2015, o juiz tinha falado da manutenção da medida de prisão preventiva sobre Sócrates, como esta tinha sido decidida pelo juiz Carlos Alexandre, para dizer que o pior que podia acontecer era a Justiça reagir “epidermicamente, de forma vingativa, só porque o arguido usou de um direito e de prerrogativa legal”.

A intervenção foi ouvida no meio judicial como uma crítica direta à decisão de Carlos Alexandre e Rangel foi mesmo alvo de uma pena disciplinar (de quinze dias), “por violação do dever de reserva”, aplicada pelo Conselho Superior de Magistratura, pelas declarações feitas na televisão. Foi também à luz destas declarações que acabou por ser visto, poucos meses depois, o acórdão de Rangel sobre o pedido da defesa de José Sócrates para ter acesso total às provas recolhidas e ao processo.

Em setembro de 2015, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu pelo levantamento do segredo de Justiça interno do processo Operação Marquês. Rui Rangel foi o juiz-desembargador que, a par com Francisco Carmelo, decidiu dar aos arguidos total acesso ao processo. O acórdão era especialmente crítico para o procurador Rosário Teixeira e o juiz Carlos Alexandre, recusando que os arguidos fossem “vítimas de truques”, ao não terem o acesso que pretendiam, e falava mesmo numa “autoestrada do segredo de justiça” que desprotege “ de forma grave os interesses e garantias da defesa do arguido”. O texto da decisão ainda fazia referência ao “tanto tempo” que já levava a investigação ao ex-primeiro-ministro. O Ministério Público tentou anular a decisão que considerava inconstitucional, mas o recurso foi apreciado pelo próprio Rui Rangel que manteve a sua posição, não admitindo o pedido.

Dois anos depois, novo caso, no mesmo processo. Em abril de 2017, José Sócrates requereu a nulidade do inquérito de que estava a ser alvo. A defesa do ex-primeiro-ministro queixava-se de prazos que “não podem estar sujeitos às estratégias, à discricionariedade e à arbitrariedade das polícias ou dos senhores procuradores” e de que existiam “sucessivas violações do segredo de justiça permitidas ou promovidas pelos responsáveis do inquérito” que estavam a viciar o inquérito. O requerimento apareceu pouco depois de a Procuradora-geral da República decidir prolongar o prazo para a conclusão do inquérito.

Aqui voltou a entrar Rui Rangel, já que o recurso interposto por José Sócrates seria apreciado, no Tribunal da Relação, pelo juiz desembargador. Mas o Ministério Público pediu escusa de Rangel, por “considerar existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do magistrado judicial”. O pedido foi aceite pelo Supremo Tribunal de Justiça que determinou que “fica o juiz desembargador Rui Manuel de Freitas Rangel impedido de intervir no processo NUIPC 122/13.8TELSB (Operação Marquês) do Tribunal Central de Instrução Criminal”.

Agora, aos 62 anos (nasceu em Angola a 12 de março de 1955), dos quais 35 de magistratura (estudou Direito em Lisboa, é magistrado desde 82 e há 13 anos juiz desembargador), volta a estar envolvido num processo que pode ser o mias complicado e polémico da carreira.

Artigo alterado às 00h05m

Este desporto não é para gente séria


EDITORIAL
Este desporto não é para gente séria

Em Portugal o futebol já não se joga nas quatro linhas. Joga-se nas catacumbas dos estádios, nos escritórios de advogados, em sucursais de offshores, nos bastidores de restaurantes e na barra dos tribunais.

Diogo Queiroz de Andrade
31 de Janeiro de 2018, 6:40

O clima de suspeição e javardice que está montado na pirâmide do futebol português é insuportável para quem queira apenas fruir um jogo extraordinário, que se vive em períodos de 90 minutos e que se joga uma ou duas vezes por semana.

O que têm em comum os líderes dos três maiores clubes de futebol? Muita coisa. Todos são, ou já foram, acusados de alguma forma de corrupção, associação criminosa ou fuga ao fisco. Todos têm acólitos que espalham pelos canais de televisão o discurso de ódio e a figura triste que os próprios não sabem ou não conseguem fazer. Todos têm um jornal de preferência à conta de quem vinculam fake news de maior ou menor dimensão. Todos tomaram várias decisões altamente questionáveis que delapidaram o património do seu clube, tendo todos sido acusados de se aproveitarem dele de uma forma ou de outra. Todos têm relações especiais com um par de empresários, com quem fazem negócios mirabolantes que espantam o mundo civilizado. Todos são assistidos ou acompanhados por capangas, normalmente associados às claques, que actuam sempre que necessário. Todos praticam um discurso em que reclamam ser impolutos enquanto acusam o vizinho de corrupção – e isto é como nas religiões monoteístas, se há cinco correntes espirituais que acreditam num só deus, e se ele é diferente do deus proposto pelas restantes, pelo menos quatro delas estarão erradas (e o mais provável é que estejam as cinco).

E não, este artigo não se dirige a nenhum clube em especial – aplica-se rigorosamente por igual aos três grandes. E infelizmente é bem possível que se aplique também aos quatro médios e aos 20 ou 30 pequeninos. Aparentemente, quem não joga este jogo sujo ao alto nível está ansioso para lá chegar de forma a poder fazê-lo também.


Quem queira apenas sentar-se em frente à TV ou num estádio e desfrutar de um espectáculo extraordinário tem cada vez menos formas de o fazer sem ser contaminado com a porcaria que envolve esta actividade. Pior: as crianças que praticam este desporto e têm a esperança de nele evoluir – e que são centenas de milhares – não têm noção que funcionam como mero alimento para uma máquina trituradora que serve para engordar alguns corruptos e explorar muitos mais. É uma pena.

Transparência e Integridade: Caso Centeno “não é do foro criminal, mas ético” / “Caso” Centeno, uma vitória do populismo




MINISTÉRIO PÚBLICO
Transparência e Integridade: Caso Centeno “não é do foro criminal, mas ético”

Para o presidente da TIAC, o crime de recebimento indevido de vantagem é de prova muito difícil e de âmbito discutível neste caso, em que o código de conduta do Governo “revelou-se totalmente inútil”.

LEONETE BOTELHO 30 de Janeiro de 2018, 7:17

O caso Centeno “é uma trapalhada que devia ter sido evitada”, mas em termos judiciais “só serve para empatar recursos da Justiça”. É a opinião de João Paulo Batalha, presidente da Transparência e Integridade Associação Cívica (TIAC), sobre a investigação do Ministério Público ao Ministério das Finanças que coloca o ministro Mário Centeno, recém-eleito presidente do Eurogrupo, na situação de suspeito.

Na sexta-feira, magistrados da 9.ª secção do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP), que investiga o crime económico, estiveram cerca de hora e meia a fazer buscas naquele ministério, no âmbito de um inquérito por suspeitas de favorecimento a uma empresa dos filhos do presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, num processo de isenção de IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) de um prédio.

De acordo com o Expresso, em causa está o crime de recebimento indevido de vantagem, com a Justiça a querer saber se há alguma relação com a isenção fiscal obtida junto da Assembleia Municipal de Lisboa (e confirmada pela Autoridade Tributária) e o pedido, feito pelo gabinete de Mário Centeno, de dois bilhetes para o camarote presidencial do Estádio da Luz para o ministro e o filho assistirem ao jogo Benfica-Porto a 1 de Abril do ano passado.

Para João Paulo Batalha, a investigação criminal é frágil, desde logo porque o IMI é um imposto municipal, não sendo decidido pelo Ministério das Finanças, mas também porque o crime de recebimento indevido de vantagem contém em si mesmo uma exclusão para “as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes”. Uma “formulação vaga”, diz o também jurista e consultor de comunicação, “a não ser que o Ministério Público queira abrir uma discussão interminável sobre o que é socialmente aceite”, para mais tendo em conta que Mário Centeno alegou questões de segurança para não ir para a bancada, como era seu hábito.

“É um erro querer levar estas questões para o domínio criminal, porque o problema é ético, é relativo a condutas eticamente condenáveis”, defende João Paulo Batalha, considerando também que se “revelou totalmente inútil” o código de conduta do Governo. É que estas regras impedem a aceitação de presentes e ofertas de hospitalidade acima de 150 euros, mas os bilhetes oferecidos a Centeno não são comercializáveis e não têm um valor facial. Em qualquer caso, os danos reputacionais ao ministro “estão feitos”, até porque, na sua opinião, Centeno “foi imprudente, não manteve um braço de distância” das suspeitas e agiu “como se não percebesse o que estava em causa”.

“Continuamos a discutir futebóis no Ministério das Finanças”, comenta o presidente da TIAC, numa alusão a Fernando Rocha Andrade, antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e um dos três que se demitiram na sequência do chamado Galpgate – que levou à demissão dos três secretários de Estado que aceitaram viajar para França a convite daquela empresa para assistir a jogos do Euro 2016. Os três foram constituídos arguidos por indícios do crime de recebimento indevido de vantagem, o mesmo que levou agora o Ministério Público ao Terreiro do Paço.


Para João Paulo Batalha, o problema está na ausência de um gabinete, uma estrutura que possa monitorizar e prevenir este tipo de condutas, que faça estudos e emita recomendações para o Governo e para os cargos políticos e altos cargos públicos em geral, mas também tenha poderes para fazer uma censura ética. “Se a Entidade da Transparência, que está a ser discutida no Parlamento, for de âmbito mais alargado do que a proposta que está em cima da mesa, podia ter essa responsabilidade”, defende. Seria uma forma de preencher esta “gigantesca lacuna” sobre regras éticas concretas, defende.


OPINIÃO
“Caso” Centeno, uma vitória do populismo
Evite-se a tentação de dar à turba o que a turba mais deseja: cimento para a sua cultura de ódio a quem nos representa.

Manuel Carvalho
31 de Janeiro de 2018, 6:42

Há uns anos, até o mais despudorado dos jornalistas teria vergonha em publicar uma notícia sobre a suspeita de favorecimento de um ministro que ousou pedir dois bilhetes para um Porto-Benfica. Hoje esse assunto é manchete de jornais, notícia nas rádios, abertura das televisões e um maná para as redes sociais exultarem com mais uma “prova” da indecência dos políticos. E é assim não apenas por causa da degradação do jornalismo ou pela persistente mania da gente da Justiça em tornar público o que deve ser segredo: é-o também por directa responsabilidade de quem nos representa. Quando um partido como o PS se dedica a criar “códigos de ética” nos quais governantes e deputados são vistos crianças que precisam de ser adestradas para resistirem a ofertas de bilhetes para espectáculos, está a alimentar as suspeitas que pretende combater; quando a classe política deixa subentender que nas suas consciências há lacunas de princípios que impedem a separação entre o que se pode ou não pode fazer, estão escancaradas as portas para o gérmen do populismo que transforma um bilhete para a bola num caso de corrupção.

O lamentável episódio que por estes dias envolveu o ministro Mário Centeno é por isso um sintoma de que a turba demagógica e populista que acredita num mundo de relações bacteriologicamente puro por força de normas e códigos de normas está a ganhar terreno. Os políticos estão a deixar de ser sérios até prova em contrário para passarem a ser corruptos por natureza. É este preconceito subliminar que determina a feitura de mais e mais códigos, a emissão de mais e novas regras para os impedir de dar largas à sua duvidosa estatura ética ou à sua débil responsabilidade cívica. Mário Centeno não trata directamente de insignificâncias como o reconhecimento da isenção do IMI? De pouco interessa. Mário Centeno pediu bilhetes para ir ao jogo porque, na sua condição de figura pública, não pode nem deve ir para o meio dos No Name Boys ou dos Super Dragões? De nada vale. O que vale é uma suposta violação do “código de ética” aprovado pelo Governo depois das viagens de secretários de Estado ao Mundial de Futebol. A Caixa de Pandora foi aberta. Agora vale tudo.

Bem sabemos que quem por estes dias se arrisque a dizer que a política é um exercício nobre de cidadania corre o risco de ser defenestrado. É verdade que o espaço mediático está infestado de casos reais e de muitas suspeitas de venalidade no exercício de cargos públicos e políticos. No caso do PS, o trauma de ver um dos seus secretários-gerais e ex-primeiro-ministro acusado num caso horrendo de corrupção gerou um efeito de má consciência e de vulnerabilidade ao instinto punitivo do politicamente correcto que o partido tenta sublimar com mais regras. Mas, por um momento, era bom que se parasse para tentar perceber o caminho que essas regras abrem para o futuro. Porque uma coisa é verificar se o aparelho legal montado para prevenir e punir desmandos dos políticos existe e é eficaz; outra, muito diferente, é ceder à pressão dos que dizem que eles são todos iguais, quer dizer, todos corruptos e desatar um nó de medidas para acalmar essa ansiedade.

Quando se tratam os deputados como mentecaptos que precisam que lhes faça um desenho para não caírem na tentação, está-se a degradar a nobreza da função parlamentar e a projectar sobre eles uma imagem de imbecilidade que não só os desprestigia como desprestigia a democracia. Quando se decreta que “os governantes devem recusar convites para assistirem a eventos sociais, institucionais ou culturais, que possam condicionar a imparcialidade e a integridade do exercício das suas funções e que tenham valor estimado superior a 150 euros” não se defende a transparência nem se garante a defesa do interesse público – apenas a gula dos que olham para os políticos como quem olha para um saco de boxe. Um deputado digno desse nome tem o dever de saber distinguir as prendas interessadas e as prendas cordiais ou institucionais, custem 149 ou 151 euros. Se por acaso precisarem de instruções assim com este nível de detalhe, deixarão pura e simplesmente de ser homens livres, a condição fundamental para nos defenderem. Passarão a ser “sacerdotes vestais”, como denunciou o deputado Sérgio Sousa Pinto, que agem em função daquilo que o chefe prescreve e a multidão exige, até em domínios essenciais da personalidade como a ética.

Quando se chega a este ponto, quando a classe política se dispõe a apoucar-se de uma forma assim tão crua, tudo pode acontecer. Depois de se censurar um pedido de bilhetes para a bola, hão-de verificar-se os menus dos restaurantes onde jornalistas, homens da cultura ou dos negócios conversam com deputados ou secretários de Estado. Os preços do menu principal hão-de começar a ser escrutinados até ao vintém, e as cartas de vinhos dos restaurantes mais caros tornar-se-ão um maná para o jornalismo sanguessuga ou para a magistratura que se acredita investida da missão de regenerar o país. O ridículo gerará uma cultura inquisitorial e a cultura inquisitorial será apenas suportável pela malta das jotas habituadas a anos e anos de indigestão causada pelas patifarias políticas. Nenhum homem ou mulher livre, decente, inteligente, culto e dono de saberes próprios ousará meter um pé num esterco dessa profundidade.

Razão tem a deputada socialista Isabel Moreira, quando nas jornadas parlamentares do PS que discutiram o famigerado código para os parlamentares declarou: "Podemos salvar o regime da bandalheira, dos corruptos e dos saqueadores da democracia. Isso é indispensável à sobrevivência do regime, mas também temos de salvar o regime dos salvadores do regime". Para o fazer, os deputados, a classe política em geral, tem de dar o peito às balas e dizer o que toda a gente sabe mas não diz por medo do populismo e da demagogia do politicamente correcto: que há nos corpos legislativos mecanismos mais do que suficientes para detectar as venalidades de potenciais ovelhas negras e, principalmente, para as punir.

Que se legalize o exercício do lobbying, que se criminalizem as omissões ou “os esquecimentos” em torno das declarações obrigatórias dos bens patrimoniais dos políticos no Tribunal Constitucional, tudo bem. Mas evite-se a tentação de dar à turba o que a turba mais deseja: cimento para a sua cultura de ódio a quem nos representa. Seguindo esse caminho, o da cedência, o da cobardia e o do medo de enfrentar o fel que se derrama das redes sociais, acabaremos por ter de viver todos os dias com epifenómenos como o que afecta Mário Centeno. E então a democracia não agonizará pelo mal mas pela sua suposta cura.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Prédio municipal de Arroios ocupado desde setembro desocupado à força pela CML


Prédio municipal de Arroios ocupado desde setembro desocupado à força pela CML
POR SAMUEL ALEMÃO • 30 JANEIRO, 2018 •

O prédio municipal no número 69 da Rua Marques da Silva, junto à Avenida Almirante Reis, foi desocupado à força, na manhã desta terça-feira (30 de janeiro), numa operação levada a cabo pelos serviços de património da Câmara Municipal de Lisboa (CML) e pela polícia municipal, com o apoio da PSP. No momento da operação de esvaziamento do edifício, que terá começado por volta das 10h, dando cumprimento a um despacho do vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, apenas estaria no seu interior uma pessoa, integrante do colectivo que o ocupou, em setembro do ano passado, numa acção visando protestar contra a falta de habitação a preços condignos na capital portuguesa.

 Muitos dos frequentadores da casa reuniam-se nas imediações e assistiam, impotentes, à acção de despejo. Não era este o desfecho esperado, alegam, pois tinham proposto à câmara municipal a realização de um “concurso público autónomo” de arrendamento. Os deputados do Bloco de Esquerda (BE) na Assembleia Municipal de Lisboa (AML), presentes no local, falam numa “acção despropositada” e “demonstrativa de autoritarismo”, em relação à integral legalidade da qual dizem ter dúvidas. O edifício poderá vir a ser demolido, no âmbito do projecto de construção do Jardim do Caracol da Penha, vencedor do Orçamento Participativo de Lisboa 2016-2017. Obra ainda sem data para começar.

 Quando o prédio, património municipal, foi ocupado, a 15 de setembro de 2017, estava em curso a campanha eleitoral para as eleições autárquicas. Com os problemas da habitação no centro do debate, o colectivo entendeu ser aquele um bom momento para chamar a atenção para a questão, forçando então a entrada num prédio municipal que se encontrava vago há muitos anos e a sofrer um acelerado processo de degradação. Ao longo dos últimos três meses, o imóvel ocupado foi palco de diversas actividade sócio-culturais e de debates, organizadas por um grupo agregado sob a designação Assembleia de Ocupação de Lisboa (AOLX).

 As questões relacionadas com a dificuldade em encontrar habitação em Lisboa a valores aceitáveis, como o sejam os processos especulativos associados à enorme demanda por parte de investidores estrangeiros e à cada vez maior pressão turística, fizeram parte das frequentes discussões. A ocupação era uma forma de alertar para a necessidade urgente de respostas políticas para tão grave problema. Mas, apesar da forma pouco ortodoxa do processo, os ocupantes sempre se disseram “dispostos a dialogar” com a CML.

 E voltaram a fazê-lo nesta terça-feira, já sem possibilidade de entrarem no prédio e mantidos a uma distância de segurança, atrás das barreiras policiais. “Logo a 15 de setembro, notificámos a CML, a polícia municipal, a PSP e a Procuradoria Geral da República, entre outras entidades, da acção que estávamos a desenvolver. Mantivemos sempre a disponibilidade para dialogar com o presidente da câmara, a quem enviámos uma carta explicando a nossa posição. Ainda há pouco dias, havíamos reiterado a nossa disponibilidade para dialogar, mas nunca obtivémos resposta”, diz a O Corvo um dos membros do colectivo AOLX, Pedro Rita, lamentando que a autarquia da capital “tenha “optado pela força e pela violência e não pelo diálogo”.

 Isto numa altura em que, assegura, estaria a ser ultimada uma proposta concreta à Câmara de Lisboa para a realização de “um concurso público autónono” para a atribuição daqueles seis fogos a quem deles necessitasse, com “rendas justas”. De acordo com os planos dos activistas urbanos, cada apartamento seria arrendado por 80 euros mensais. Uma experiência em relação à qual a autarquia da capital, dona do imóvel, não se terá mostrado seduzida. Por isso, decidiu avançar com a acção de desocupação e limpeza do imóvel.

 Tiago Ivo Cruz, deputado municipal do Bloco de Esquerda, esteve presente no local e, após dialogar com uma responsável municipal, disse aos jornalistas não ter dúvidas tratar-se de uma acção “despropositada e desproporcionada” e uma “acção demonstrativa de autoritarismo”. “Alegam que estam a cumprir um despacho do vereador, mas nada disto foi discutido. As pessoas não foram notificadas e nós também fomos apanhados desprevenidos”, garante o eleito bloquista, lembrando as condições específicas em que a ocupação foi realizada, no final do verão passado: “Não foi uma ocupação violenta, não se destruiu património nem houve violência contra ninguém. Estamos a falar de um local que serviu de palco para actividades sócio-culturais”. Tiago Ivo Cruz assegura que o BE vai interpelar a CML sobre a questão, garantindo ainda que uma boa solução para um caso como este passaria por a “realização de uma hasta pública” para atribuição de habitação a custos controlados.

 Também Rita Silva, da Associação Habita, esteve no local e disse a O Corvo ter dúvidas sobre a legalidade daquela acção de despejo. Admitindo que a ocupação terá ocorrido à margem da lei, alega, contudo, ser este um caso claro de utilidade “sócio-cultural” e de óbvia legitimidade da ocupação, tendo em conta os graves problemas habitacionais da cidade. “A CML tem muitas casas vazias e se a sua função social não está a ser cumprida, com o património deixado a degradar-se, sem que se perceba a vontade da autarquia em dar-lhe uso, podemos falar num processo legítimo. Estamos a falar de um espaço que tinha uma actividade sócio-cultural e podia ser parte da solução. Se calhar, deveria ter havido um diálogo, para se tentar encontrar uma solução. Mas a Câmara de Lisboa preferiu esta solução”, diz.


 Texto: Samuel Alemão

Deve o centro de Lisboa ser considerado como uma zona de “rotação populacional”? / Oito cidades europeias unem-se contra plataformas de arrendamento online


Se Lisboa anda finalmente a acordar para este gigantesco problema, depois de Fernando Medina o ter sistemáticamente e propositadamente negado, porque é que Lisboa não esteve presente na conferência em Amsterdão das oito cidades Europeias, onde se reflectiu em conjunto as estratégias futuras para as plataformas do Alojamento Local !? (ver artigo em baixo)
OVOODOCORVO

Deve o centro de Lisboa ser considerado como uma zona de “rotação populacional”?
POR SAMUEL ALEMÃO • 30 JANEIRO, 2018 •

O reconhecimento do centro histórico de Lisboa e das áreas envolventes como territórios onde a pressão turística é um dado irrevogável poderá levar a que se passe a ver o fenómeno de outra forma. Ao ponto de, apesar de se tentar manter a população local nos “bairros típicos” da capital, se começar a assumir algumas dessas áreas como sendo de “rotação populacional”. Sítios, como na Baixa Pombalina, onde os mais jovens podem querer morar, em determinada fase da sua vida, mas que depois abandonam em busca de maior conforto, dando lugar à geração seguinte. Aceitando tal realidade, ter-se-ia que definir uma estratégia e um quadro legal. Seria uma forma de melhor lidar com a pressão causada pela busca de habitação, a preços aceitáveis, conjugada com o turismo de massas, no coração da cidade, defende Luís Newton (PSD), presidente da Junta da Freguesia da Estrela.

 “Temos de reconhecer que a cidade de Lisboa tal como a conhecíamos nos anos 80 ou 90 já não vai voltar. O turismo veio para ficar e temos de estar preparados para lidar com ele, protegendo os habitantes das áreas mais procuradas”, considera o autarca, no dia (terça-feira, 30 de janeiro) em que a Assembleia Municipal de Lisboa (AML) realiza um debate temático sobre o Alojamento Local (AL), solicitado pelos social-democratas. “A rotação populacional, sobretudo nesses locais, é algo normal e natural e que, por isso, devemos conseguir antecipar. Estes serão, cada vez mais, territórios com características rotativas. Olhando para a experiência de muita gente, é natural que um jovem queira viver numa casa pequena no centro, aceitando limitações como a falta de espaço ou a falta de certas comodidades. Como também o será que, a partir de certo momento, pretenda mudar”, por querer outras coisas, como casa com garagem ou com recolha centralizada de lixo, diz Luís Newton a O Corvo.

Aceitando tal realidade como uma inevitabilidade, o presidente da Junta da Estrela alerta para a necessidade de a capital se preparar, reconhecendo haver matérias em que a “inexistência de legislação adequada do AL causa problemas”. Apesar de não se querer intrometer nos modelos de negócio de empresas como a AirBnB, admite a necessidade de uma regulação mais eficaz, adequada às dinâmicas muito fluídas do sector e dos novos estilos de vida urbana. “Temos de proteger o território e dar oportunidades para que os jovens de hoje possam ter a possibilidade de escolher morar nesse mesmo território, da mesma forma como os mais velhos o fizeram noutra altura”, diz. “São, cada vez mais, zonas com uma grande dimensão de rotatividade, mas temos de ter a capacidade de fixar ali população, por certos períodos de tempo, os quais poderão obedecer a ciclos compreendidos entre cinco e dez anos”, advoga. Caso contrário, a desvitalização populacional do centro histórico será um problema crescente.

 O líder da bancada dos deputados do PSD na Assembleia Municipal de Lisboa – que espera do debate desta terça-feira uma “clarificação dos partidos e da cidade” em relação ao alojamento local, para além daquela que tem sido a posição oficial da Câmara Municipal de Lisboa – defende a criação de “territórios estratégicos” na capital, como forma de os proteger do avanço desenfreado da actividade turística. Algo que, no fundo, vai de encontro às quotas de AL por bairros, preconizada por PS e BE. “De uma forma geral, há uma percepção alargada das vantagens trazidas pela actividade turística, mas também dos problemas que ela trás. Todos queremos que se mantenha esta actividade, como forma de captação da riqueza, mas não às expensas das pessoas que vivem nos locais mais procurados pelos visitantes”, defende o autarca social-democrata, admitindo, porém, alguma dificuldade do seu partido em “fazer passar a mensagem” sobre o que realmente pensa sobre esta matéria.

 E é aí que a definição dos “territórios estratégicos”, defendida pelo PSD, assume especial importância. Se se realizar um meticuloso trabalho de mapeamento dos impactos do turismo nos vários bairros da capital, ou do “potencial de concentração turística” – como lhe prefere chamar -, tendo em conta factores como a “incidência directa” do fenómeno ou a “acessibilidade” dos visitantes a essas zonas, será possível ter uma abordagem mais eficaz às vicissitudes associadas. Luís Newton dá o exemplo da Madragoa, situada na sua freguesia e “muitas vezes esquecida”, quando se fala nos impactos do turismo nos bairros típicos. Se se limitar ali a actividade do Alojamento Local, defende o edil laranja, o bairro só tem a ganhar, porque, “antes de mais, valoriza o próprio investimento, mas também porque ajuda a fixar população e impede que os turistas se cruzem com mais turistas”.


 Texto: Samuel Alemão




Oito cidades europeias unem-se contra plataformas de arrendamento online
Representantes enviaram carta conjunta a Bruxelas exigindo novas regras para a plataforma de arrendamento.
Representantes de oito cidades protestam contra a passividade de Bruxelas e defendem a regulação destas plataformas

PÚBLICO 29 de Janeiro de 2018, 16:06

Na conferência em que se discute o arrendamento turístico na Europa, que termina nesta segunda-feira em Amesterdão, os representantes municipais de oito capitais e cidades europeias decidiram escrever à Comissão Europeia um protesto contra as regras aplicáveis à plataforma de arrendamento Airbnb. Os municípios das cidades de Barcelona, Madrid, Bruxelas, Paris, Cracóvia, Viena, Reiquejavique e Amesterdão subscrevem a carta, sentindo que as enchentes de turistas estão a tornar-se incontroláveis.

O vice-presidente da Câmara de Amesterdão, Laurens Ivens, exigiu, no primeiro dia da conferência, no domingo, que as plataformas de arrendamento turístico (Airbnb e Booking) fossem “legalmente obrigadas a partilhar dados com os reguladores”. Estas plataformas de arrendamento permitem o anonimato dos proprietários dos imóveis listados e de quem os arrenda. Este anonimato é a principal preocupação que os representantes das oito cidades sinalizam na carta enviada a Bruxelas.

“É impensável que estas plataformas não tenham de partilhar as suas informações”, diz Laurens Ivens em declarações à plataforma de notícias online holandesa Dutch News. “Os dados que pretendemos são a identidade do proprietário do imóvel e a de quem o arrenda”, refere o vice-presidente acrescentando que quando tenta obter estas informações juntos da plataforma estas recusam, afirmando que “estão protegidas pelas leis comerciais digitais europeias”.

Durante a conferência, foram também referidos os principais incómodos que o grande fluxo de turistas provocam junto dos residentes destas oito cidades. Desde o “barulho constante das rodas de malas no pavimento”, até ao barulho provocado por “demasiados turistas num apartamento partilhado”.

A partir de 2019, os holandeses apenas poderão arrendar os seus imóveis durante 30 dias por ano. O número de residentes por imóvel está também limitado a quatro pessoas. A comunidade do Airbnb holandesa conta com 19.000 senhorios, que se sentem "desiludidos" com as restrições.

Um pouco por toda a Europa têm surgido sinais de descontentamentor. Em Barcelona, houve turistas que foram alvo da fúria de residentes. Berlim, devido à dificuldade que os cidadãos sentiam em encontrar uma casa a preço razoável, decidiu restringir o arrendamento de casas.

O elevado número de turistas e o rendimento que estes significam para os senhorios destes imóveis tornam a vida mais cara nas grandes cidades. A indústria do turismo é fulcral na economia de muitos países, como é o caso português.
As redes sociais e o discurso público
Que a degradação do discurso público ocorra precisamente no momento em que temos mais ferramentas para comunicar é uma ironia histórica apreciável.

DIOGO QUEIROZ DE ANDRADE
29 de Janeiro de 2018, 6:49

Transferir para o Facebook os desabafos que se têm no café tornam esses mesmos desabafos em poderosas ferramentas de acção social que muitas vezes regressam para nos assombrar. A audiência é potencialmente global e perene, porque o que se coloca na Internet fica lá para sempre e disponível para qualquer um. E esperar que o que dizemos não tenha consequências é de uma irresponsabilidade própria de crianças mimadas.

O mesmo não é dizer que não se tenha direito à liberdade de expressão. Essa está bastante bem consagrada na lei, com os limites que lhe são reconhecidos, aplicando-se da mesma forma quer se trate de um depoimento na televisão, de um grito na via pública ou de um post nas redes sociais.

Vem isto a propósito na notícia que publicamos hoje sobre as consequências profissionais da utilização das redes sociais. Sim, parece óbvio que contratos de trabalho a limitar a actuação na Internet são atentados à liberdade de expressão. Mas também é lógico que um funcionário deva ser impedido de difamar nas redes sociais a empresa onde trabalha.

No plano mais lato, saber se são estas plataformas que pioram o nosso comportamento ou se elas apenas se limitam a amplificar a nossa mesquinhez comum é uma questão filosófica interessante, que não desvia do essencial: dispensamos maior estupidificação da discussão política. Ler uns posts no Facebook não pode substituir um bom livro, atirar umas larachas no Twitter ou numa caixa de comentários não substitui um debate de ideias. Que a degradação do discurso público ocorra precisamente no momento em que temos mais ferramentas para comunicar é uma ironia histórica apreciável — e reveladora da nossa qualidade enquanto povo e das nossas prioridades enquanto indivíduos.

Esta cultura em que todos temos opinião sobre tudo, em que dispensamos os especialistas porque a opinião de cada um vale exactamente o mesmo, é perfeita para degradar o nível geral da discussão pública. A partilha é o Santo Graal dos tempos modernos, estimulada pelas plataformas da época. E fazemo-lo simplesmente porque isso permite a estas plataformas recolher mais dados sobre nós, de forma a que possam vender esses mesmos dados a anunciantes. A nossa irritação comum é a engrenagem feliz de uma máquina de fazer dinheiro para os gigantes de Silicon Valley, que de vez em quando lá se lembram de espalhar centros de excelência e call-centers um pouco por todo o mundo.

O que faço nas redes sociais é da conta do patrão?

Contratos de trabalho com cláusulas a limitar o que fazemos na Net — há quem diga que a tendência será essa. CGTP e UGT estão contra. Não há números, mas advogados e investigadores garantem que processos disciplinares e despedimentos por causa das redes sociais não param de aumentar.

SUSANA PINHEIRO 29 de Janeiro de 2018, 7:00

Dois trabalhadores foram despedidos depois de terem colocado comentários “depreciativos” na página de Facebook da empresa onde trabalhavam. Um outro funcionário, que fazia likes na página da empresa concorrente, foi sujeito a uma sanção disciplinar. Casos deste tipo estão a aumentar, dizem advogados e investigadores em Direito do Trabalho.

“Há sete anos não existia nenhum caso de despedimento de trabalhadores por causa dos seus comportamentos nas redes sociais. Desde então, têm vindo a aumentar”, diz o advogado Eduardo Castro Marques.

O despedimento costuma ser a última cartada da entidade patronal quando aplica procedimentos disciplinares. Foi o que aconteceu aos dois trabalhadores do sector da construção civil que “postavam” comentários pouco favoráveis na página de Facebook da empresa onde trabalhavam, como este: “Não respeitam os direitos e os horários dos trabalhadores.” Também a avaliaram negativamente no local destinado à classificação. Foram despedidos por justa causa, mas não impugnaram o despedimento. Está em fase de inquérito um processo criminal contra ambos por ofensa à empresa.

Este não é caso único, bem longe disso. O despedimento surge quando já não há confiança e “há desgaste imediato da relação laboral entre patrão e funcionário”, refere Pedro Sousa Lobo, de outra sociedade de advogados, que também tem cada vez mais empresas a queixarem-se de situações relacionadas com a prática de crimes de difamação ou com a divulgação de dados que estão abrangidos pelo sigilo comercial ou que colocam em causa o seu bom-nome e credibilidade. Ainda assim, a maior parte das situações resolve-se por acordo e não de uma forma litigiosa.

“Há cada vez mais processos laborais relacionados com as redes sociais e a um nítido incremento de infracções disciplinares” relacionados com elas, diz também Nuno Cerejeira Namora, especialista em direito laboral. As chamadas sanções conservatórias vão da simples repreensão à suspensão de trabalho, dias de férias ou de salário.

O secretário-geral CGTP, Arménio Carlos, garante que “as intimidações e repreensões nas empresas estão a aumentar”. Sempre que pode, diz, “a empresa procura retaliar, perseguindo o trabalhador através do Facebook para depois lhe levantar um processo disciplinar, o que promove o desgaste para que se vá embora”.

A CGTP já acompanhou e resolveu alguns casos de sanções e despedimento por comportamentos nas redes sociais. Para o sindicalista, é ponto assente que as questões laborais não se tratam nas redes sociais. Resolvem-se, sim, com os delegados sindicais e sindicatos, e negoceiam-se com a entidade patronal. “Apelamos aos trabalhadores que tenham cuidado com o que colocam nas redes sociais, que evitem comentários sobre a empresa, para que isso não constitua pretexto para lhes levantarem processos disciplinares”, diz Arménio Carlos.

Patrão vigiava empregadas
Também Carlos Alves, secretário executivo e coordenador do gabinete jurídico da UGT, fala na necessidade de ter alguma cautela. “Já tivemos casos reportados por trabalhadores de situações em que são vítimas de assédio moral por colocarem determinados conteúdos no Facebook, porque a empresa entendeu que havia perda de confiança. E tiveram represálias, como ficar numa cadeira virado para a parede, o que é grave.” Para Carlos Alves, “a generalidade dos casos são excesso de zelo da parte das empresas e certos despedimentos podem ser abusivos”. Já Ana Avoila, coordenadora da Frente Comum de Sindicatos da Função Pública, não tem conhecimento de casos de processos disciplinares no sector.

As pessoas esquecem-se que estão numa rede social pública, prossegue o advogado Nuno Cerejeira Namora, e “manifestam-se de forma desadequada e prejudicial para a própria relação laboral que mantêm”, descurando “os deveres laborais que dela emanam” — deveres que não ficam suspensos quando se ausentam do emprego ou quando estão fora do seu horário de trabalho. Publicam fotografias de ambientes laborais e de colegas, exemplifica, “ou, pior, cometem crimes de difamação através destes meios”. E “costuma-se dizer que uma vez na Internet, fica para sempre”. Facilmente são apanhadas.

Há empregados que também se queixam. Sempre que chegavam ao escritório, conta Eduardo Castro Marques, três funcionárias eram frequentemente confrontadas com comentários do patrão sobre a sua vida privada, nomeadamente sobre convívios que marcavam através do Facebook. Ficaram em pânico quando descobriram que ele as vigiava através de um programa que tinha instalado nos computadores. Meteram uma providência cautelar para impedi-lo de usá-lo e queixaram-se dele ao tribunal. Acabaram por desistir do processo, mas despediram-se alegando “desgaste psicológico”.

Vida privada vs. vida laboral
Duarte Abrunhosa e Sousa, advogado e investigador do Centro de Investigação Jurídico-Económica (CIJE) da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, estudou várias decisões dos tribunais portugueses nesta matéria. Nota que muitos trabalhadores, quando ofendem a entidade patronal numa rede social, não pensam na velocidade com que a informação se transmite. O impacto é de tal forma que se pode “tornar viral”, alerta.

No caso do funcionário que fazia likes na página de Facebook da concorrência e ainda partilhava os posts de produtos na sua página pessoal em vez dos da empresa onde trabalhava, foi-lhe aplicada uma repreensão por escrito, registada no cadastro disciplinar. A entidade patronal entendeu que, ao promover os produtos concorrentes, o seu comportamento “podia configurar uma actividade concorrencial”, afirma Eduardo Castro Marques, que tinha este caso em mãos. Para o advogado, estes casos trazem à luz do dia “um grande desafio jurídico que é saber se será ou não legítimo o empregador poder condicionar, regulamentar, exigir que haja uma adequação da vida privada do empregado nas redes sociais em função do contrato de trabalho”.

O que coloca outra questão: qual é a fronteira entre a vida privada do trabalhador e a sua vida laboral? Explica Maria Regina Rendinha, investigadora de Direito do Trabalho no CIJE: “Como se conclui pela amostra das decisões dos tribunais de Relação já existentes, a discussão em torno das redes sociais tem-se reconduzido, sobretudo, à questão de definir até que ponto actuações e comportamentos que, em princípio, seriam da esfera privada do trabalhador, podem ser tomados em conta no âmbito laboral.”

A investigadora entende que “a necessidade desta definição tornou-se ainda mais premente após o acórdão Barbulescu 2017, que demonstrou a dificuldade de estabelecer com nitidez a fronteira entre comportamentos extralaborais e comportamentos laborais”. Maria Regina Rendinha refere-se à decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) de aceitar que as empresas possam aceder a correspondência privada dos funcionários mas só no caso de estes serem previamente avisados disso. Esta decisão surgiu na sequência do recurso para aquela instância de um engenheiro romeno, Bogdan Barbulescu, que foi despedido em 2007 sob o argumento de utilizar o correio electrónico de trabalho para uso pessoal. Este engenheiro recorreu para a Grande Câmara do TEDH, depois de, em 2016, este mesmo tribunal ter considerado legítimo que a entidade patronal monitorizasse mensagens electrónicas dos seus trabalhadores enviadas durante o horário de trabalho sem o seu conhecimento.

De baixa e num concerto?
E, com isto, surge outra questão premente: “Podem os comportamentos dos trabalhadores nas redes sociais vir a ter influência no seu contrato de trabalho?”, questiona Eduardo Castro Marques. Para o advogado, não será de estranhar que muitas empresas passem a incluir nos contratos individuais de trabalho cláusulas que limitem a actividade dos trabalhadores nas redes sociais e estabeleçam regras para o uso das mesmas, mesmo quando não estão a trabalhar. “Caberá aos tribunais apreciarem a validade dessas cláusulas, ou seja, se são legais ou ilegais”, afirma. A acontecer, CGTP e UGT prometem não baixar os braços por entenderem que viola a lei e condiciona a liberdade dos trabalhadores.

“É ilegal e sem qualquer sentido”, defende o secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, no que é secundado pelo secretário executivo da UGT, Carlos Alves, que considera a “cláusula abusiva”. O porta-voz da CGTP mostra-se preocupado porque, “a partir do momento em que for introduzida uma alínea em que o trabalhador não pode fazer comentários sobre a empresa nas redes sociais, mesmo que não sejam depreciativos, ele pode na mesma ser intimidado pela empresa”.

Certo é que já hoje as publicações podem acabar por ser uma armadilha, como sucedeu a um empregado que surgiu numa fotografia publicada nas redes sociais num concerto, quando estava de baixa médica. O empregador denunciou-o à junta médica e ele ficou sem a baixa, conta Eduardo Castro Marques. Há ainda o caso de uma ex-funcionária que, alegadamente por vingança por ter sido despedida quando a empresa decretou a extinção do seu posto de trabalho, recorreu a perfis falsos no Facebook para difamar o patrão. “Existe denúncia criminal na Polícia Judiciária e está uma acção laboral pendente.”


Eduardo Castro Marques lembra-se do seu primeiro caso, há seis anos. Foi “o primeiro ‘processo de Facebook’ em Portugal e decorreu no Tribunal de Trabalho da Maia”, relacionado com uma impugnação de despedimento. Um professor tinha publicado, no mural do Facebook, uma fotografia que tirou a outro docente, sentado em cima de uma pilha de cadernos de trabalho e com ar de enfado, folheando um deles. A directora do colégio entendeu que a fotografia, que acabaria por ser partilhada inúmeras vezes na rede social, colocava em causa a imagem que um professor do ensino secundário deve ter perante pais e alunos, e conduziu um processo disciplinar que culminou com o despedimento dos dois professores. O colégio pagou-lhes depois uma indemnização compensatória.


Redes sociais “não podem ser usadas impunemente”

A experiência de vários casos laborais já julgados em tribunais portugueses mostra que “as redes sociais não são um espaço sem lei ou castigo”.

SUSANA PINHEIRO 29 de Janeiro de 2018, 7:00

“Não podemos usar impunemente as redes sociais em contexto de trabalho. Tem de ter consequências”, defende o advogado Duarte Abrunhosa e Sousa, investigador do Centro de Investigação Jurídico-Económica da Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Não se pode colocar nas redes sociais o que se quer sem haver responsabilização porque, alerta, “não há diferença entre falar publicamente num espaço com meia centena de pessoas ou escrever um post no Facebook para todos os amigos”.

Estas foram algumas das conclusões a que Duarte Abrunhosa e Sousa chegou na sua investigação, feita a partir de acórdãos judiciais, sobre o impacto das redes sociais no mundo do trabalho em Portugal. O também consultor de uma grande empresa nacional apoiou-se em quatro acórdãos relacionados com acções de impugnação judicial de despedimentos julgadas nos tribunais da Relação do Porto, Lisboa, Évora e Guimarães. No caso da decisão da Relação do Porto, de 2014, por exemplo, é referido que “o recurso ao Facebook para insultar o empregador não tem associada uma expectativa de privacidade”. O patrão alegava que o despedimento era lícito, porque o trabalhador tinha publicado posts num grupo do Facebook comentando a organização e vida interna da empresa onde trabalhava.

Também um acórdão da Relação de Lisboa, do mesmo ano, concluiu que a comunicação do funcionário em questão “saiu da esfera privada e entrou na pública” quando apelou à partilha da sua publicação com conteúdo ofensivo e difamatório no Facebook.

Duarte Abrunhosa e Sousa analisou ainda a decisão do Tribunal da Relação de Évora, de 30 de Janeiro de 2014, que considerou ser uma violação grave a divulgação difamatória, por parte de um trabalhador, de mensagens no Facebook que “feriam a honra e o bom-nome do legal representante da entidade patronal e demais membros da mesa administrativa”, dando por isso razão ao seu despedimento por justa causa.

Já o acórdão da Relação de Guimarães relativo a um trabalhador que foi despedido apenas por usar o Facebook durante o seu horário normal de trabalho considerou essa sanção desproporcional. “O uso abusivo da rede social durante o horário de trabalho pode ser motivo de sanção. Mas só se o trabalhador reincidir é que lhe será aplicado outro procedimento disciplinar”, resume o advogado Pedro Sousa Lobo.

Também a investigadora Maria Regina Rendinha se apoia em vários acórdãos que reconhecem que “as redes sociais não são um espaço sem lei ou castigo”. E refere que “a sensibilização para as implicações jurídico-laborais das redes sociais começa a evidenciar-se também na jurisprudência”.

Há ainda situações em que uma empresa pode ter graves prejuízos. Foi o caso de uma empresa municipal, que viu conteúdos que colocava na página de Facebook serem retirados por um colaborador que tinha dispensado mas que continuava a ter privilégios de administrador na conta da empresa na rede social. “Apresentámos queixa-crime pelos crimes de sabotagem e dano informático, e acesso ilegítimo”, contou o advogado Miguel Marques Oliveira, que acompanhou este processo.


Facebook reveals privacy principles for first time, helps users control access
Videos will coach users to how to manage data as the company admits ‘not everyone wants to share everything with everyone’

Reuters
Mon 29 Jan 2018 05.50 GMT

New EU privacy laws have forced Facebook to help users better manage their accounts.
Facebook has published its privacy principles for the first time and will roll out educational videos to help users control who has access to their information.

As the company prepares for the impact of new European Union data protection laws, it announced on Monday that users will be shown how to manage the data that Facebook uses to show them ads, how to delete old posts, and what happens to the data when they delete their account.

Facebook, which has more than two billion users worldwide, said it had never before published the principles, which are its rules on how the company handles users’ information.

The announcements on Monday by Erin Egan, chief privacy officer at Facebook, are a sign of its efforts to get ready before the European Union’s general data protection regulation (GDPR) enters into force on 25 May, marking the biggest overhaul of personal data privacy rules since the birth of the internet.

Under GDPR, companies will be required to report data breaches within 72 hours, as well as to allow customers to export their data and delete it.

Facebook’s privacy principles, which are separate from the user terms and conditions that are agreed when someone opens an account, range from giving users control of their privacy, to building privacy features into Facebook products from the outset, to users owning the information they share.

“We recognise that people use Facebook to connect, but not everyone wants to share everything with everyone – including with us. It’s important that you have choices when it comes to how your data is used,” Egan wrote in a blog post.

Also among the company’s privacy principles will be help for users to understand how their data is used, keeping that information secure, constantly improving new controls, and being accountable to regulators.

“We put products through rigorous data security testing. We also meet with regulators, legislators and privacy experts around the world to get input on our data practices and policies,” the blog post said.

The company’s chief operating officer, Sheryl Sandberg, announced last week that Facebook would be creating a new privacy centre which would put the social network’s settings in one place.

The GDPR drastically increases the level of fines for companies found to be in breach of data protection law, potentially rising as high as 4% of global annual turnover or €20m, whichever is higher.

Facebook has faced probes from EU regulators over its use of user data and tracking of online activities. As of Monday, users will be reminded by their news feeds to take a “privacy checkup”, Egan wrote in the blog, to ensure they are comfortable about what data they are sharing, and with whom.

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