Alta tensão entre Mexia e Costa. Vai
dar faísca?
Pedro Sousa Carvalho
Ontem
Uma relação hostil, de "manhas" e sem medos.
António Costa e António Mexia, o primeiro-ministro e o presidente da EDP,
continuam de candeias às avessas.
Duas frases tiradas a papel químico. A primeira foi
proferida na Assembleia da República há seis meses quando se discutiam as
rendas excessivas na energia; a segunda foi dita este fim de semana a propósito
da decisão da EDP de deixar de pagar a Contribuição Extraordinária Sobre o
Setor Energético (CESE).
“A EDP tinha posição dócil e passou a ser hostil desde que o
Governo mudou.”
António Costa, 8 de junho de 2017
“Só lamento a atitude hostil que a EDP tem mantido e que
representa, aliás, uma alteração da política que tinha com o anterior Governo.”
António Costa, 6 de janeiro de 2018
António Costa e António Mexia estão definitivamente de
costas voltadas, se é que alguma vez tiveram alguma simpatia um pelo outro. A
seguir à mudança de Governo, o presidente da EDP deu uma entrevista à revista
Sábado em que se mostrava “otimista” na relação com o novo Governo, dizendo que
“as pessoas reconhecem que se abusou da demagogia sobre a EDP”.
Na altura, nos primeiros meses de 2016, discutia-se
precisamente a questão da CESE e Mexia abria o caderno de encargos: “Espero que
a discussão do próximo Orçamento trave a CESE. Se não teremos de tomar medidas,
porque não aceitaremos que a CESE se torne definitiva.”
Não só o OE para 2017, mas também o OE de 2018 manteve a
CESE e Mexia resolveu esta semana “tomar medidas”. Conta o Observador que a
maior elétrica nacional, que em janeiro de 2017 tinha decidido impugnar esta
taxa nos tribunais, vai seguir o exemplo da Galp e deixar de pagar a
contribuição extraordinária, uma medida que vem do tempo do Governo PSD/CDS,
durante o resgate da troika.
Confrontado este sábado com a decisão da EDP, — que, tal
como a Galp e a REN, queixa-se que o Governo está a transformar uma contribuição
extraordinária em permanente, — António Costa primeiro disse: “Eu não vou
comentar”. Mas depois comentou: “Só lamento a atitude hostil que a EDP tem
mantido e que representa, aliás, uma alteração da política que tinha com o
anterior Governo”.
Uma frase em tudo parecida a esta outra dita pelo mesmo
Costa há seis meses no Parlamento em resposta a uma exigência do PCP para que
se baixasse as chamadas rendas excessivas na energia: “É por termos bem
presente a situação desproporcionada de encargos e responsabilidades no quadro
da energia que temos mantido a contribuição extraordinária do setor energético,
não obstante a conflitualidade judicial de que temos sido objeto, em particular
da EDP, que tinha posição dócil e passou a ser hostil desde que o Governo
mudou”.
O ataque de António Costa à EDP não se ficou por aqui. Na
resposta a Heloísa Apolónia sobre as rendas excessivas, o primeiro-ministro
afirmou ainda que as empresas grandes como a EDP “têm várias manhas”, com a
ajuda das entidades reguladoras, para ultrapassar e “contornar a lei”.
Estava lançado o ataque à EDP e enviado o recado ao
regulador que desde então passou a ser um ator bastante mais enérgico nesta
contenda entre o poder político e o poder energético.
Raios e coriscos numa relação atribulada entre Mexia e Costa
Foi pela mão do ministro socialista Pina Moura que António
Mexia chegou à presidência da Galp. Saiu depois para o Governo de Pedro Santana
Lopes (agora novamente na corrida à liderança do PSD) e depois regressou ao
setor, desta feita para CEO da EDP, onde agora procura ser eleito para um novo
mandato.
2 de junho de 2016
Quando completou dez anos à frente da maior elétrica
nacional, António Mexia deu uma entrevista à revista Sábado em que tenta lançar
uma ponte para o Governo, mostrando-se “otimista” em relação ao fim da CESE.
“Tem de haver sinais de uma redução rápida e significativa e espero que a
discussão do Orçamento do Estado para 2017 trave esta injustiça”, afirmou
Mexia.
29 de abril de 2017
As primeiras entrevistas de secretário de Estado da Energia
mostravam que o CEO da EDP não tinha muitas razões para estar otimista. Em
abril, ao Jornal de Negócios, Jorge Seguro Sanches defende que os “consumidores
estão a ser autenticamente atacados pelas empresas” de energia e que o Governo
não vai tolerar práticas comerciais agressivas. Estava dado o recado.
8 de junho de 2017
O mesmo secretário de Estado dá uma entrevista ao Dinheiro
Vivo, reconhecendo a existência de “rendas excessivas na energia”. Seguro
Sanches diz que Portugal paga uma “eletricidade bastante mais cara” do que
devia e que os CMEC deverão ser revistos ainda este ano. Novo recado.
8 de junho de 2017
No Parlamento, António Costa é confrontado por Jerónimo de
Sousa a propósito das chamadas rendas excessivas na energia. Foi nesse dia que
o primeiro-ministro disse que empresas como a EDP “têm várias manhas”.
14 de junho de 2017
Das ameaças e dos recados, o Governo e os partidos que o
apoiam no Parlamento passam aos atos. A 14 de junho, os socialistas aprovam uma
proposta do PCP que permite o regresso dos clientes ao mercado regulado de
eletricidade.
18 de junho de 2017
Numa entrevista ao DN e à TSF, o secretário de Estado de
António Costa regressava à carga: “Não tenho medo da EDP”.
Entretanto, entre Pequim e Lisboa
O mês de junho foi também o mês em que Mexia soube que era
um dos arguidos na investigação do DCIAP aos contratos entre o Estado e a EDP
sobre rendas garantidas (os chamados CMEC).
É fragilizado que Mexia tenta ganhar uma outra guerra nos
bastidores e que coloca o presidente da EDP e António Costa novamente em
barricadas opostas. Com a bênção dos fundos internacionais, vai à China
defender junto do seu maior acionista uma fusão da EDP com a espanhola Gás
Natural. António Costa dá garantia aos chineses que não apadrinha o negócio, que
morre à nascença.
12 de julho de 2017
No Parlamento, o CDS ataca António Costa por ter dado uma
“borla fiscal” de 174 milhões de euros à EDP que aderiu ao regime de
reavaliação de ativos adotado pelo Governo do PS.
14 de agosto de 2017
É publicado um despacho para limitar a autorização dada às
centrais eólicas para produzir mais energia a um preço de venda garantido, que
passará a ter que ser avaliado pelo regulador. A EDP diz que vai contestar.
13 de setembro de 2017
O Governo declara nulo um despacho do Governo anterior no
qual era concedido a alguns produtores de eletricidade, entre os quais a EDP,
um benefício com vista a garantir um equilíbrio regulatório entre os sistemas elétricos
de Portugal e Espanha.
29 de setembro de 2017
A ERSE entregou ao Governo um estudo sobre o cálculo final
do valor que os consumidores terão de pagar à EDP no âmbito dos CMEC. As conta
da ERSE apontam para um corte de 15 milhões de euros por ano, a que se somam os
150 milhões de redução das verbas a pagar à EDP decorrente do menor número de
centrais. A elétrica contesta.
13 de outubro de 2017
A ERSE vem anunciar que vai propor ao Governo que os preços
da eletricidade no mercado regulado desçam 0,2% em 2018. O Governo naturalmente
que aceita.
27 de Novembro de 2017
O Parlamento vota uma proposta do Bloco para a criação de
uma CESE, mas desta vez para o setor das energias renováveis. Depois de num
primeiro momento ter votado favoravelmente, o PS acabou por recuar e chumbar a
taxa que iria penalizar também a EDP, maior acionista da EDP Renováveis.
28 de dezembro de 2017
O ano não havia de terminar sem uma nova guerra entre a EDP
e o Governo. A EDP Comercial, que atua no mercado liberalizado, diz que vai
aumentar os preços em 2,5% em 2018. Jorge Seguro Sanches despiu as vestes de
secretário de Estado para vestir as de um analista da DECO: “No mercado
liberalizado, a EDP Comercial determinou um aumento. Pode fazê-lo, mas os
consumidores podem dizer-lhes que não”.
Belém vai enviar reforços?
Entretanto, nesta contenda entre São Bento e a Avenida 24 de
julho, surgem aparentemente reforços e artilharia pesada vindos de Belém. Este
sábado, o presidente da República revelou que o aumento dos preços da
eletricidade pela EDP no mercado livre é uma matéria que está a estudar e sobre
a qual poderá vir a pronunciar-se: “É uma matéria sobre a qual não me queria pronunciar
já, uma vez que estou a estudá-la e a acompanhar o que se passa, porque ela é
muito mais vasta e muito mais ampla. E quando tiver dados de fato para
eventualmente me pronunciar, pronunciarei”.
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