Vizinhos em desespero por causa do
bar com o toque de Vhils
Moradores do prédio onde está o
Stupido 1/1, no Cais do Sodré, queixam-se de barulho insuportável. Sócio do bar
garante que tudo está legal, mas vai fazer obras de isolamento acústico.
JOÃO PEDRO PINCHA 4 de Janeiro de 2018, 8:47
Há muitos anos que aquele rés-do-chão da Rua de São Paulo,
em Lisboa, estava desocupado. Foi com alguma satisfação, por isso, que os
moradores e empresários do prédio souberam que o espaço comercial tinha sido
arrendado e que os inquilinos queriam abrir ali uma pizzaria. Pelo menos foi
isso que eles entenderam. A satisfação rapidamente se transformou em desilusão
e desespero. Abriu o Stupido 1/1, um bar conhecido por ter a curadoria
artística de Vhils, e dizem os vizinhos que se acabou o sossego.
“Das seis da tarde às duas da manhã temos uma segunda vida”,
queixa-se Nadir Bonaccorso, que mora mesmo por cima do bar, no primeiro andar.
“Tem sido um inferno. A música está sempre ao mais alto nível. Há noites em que
oiço a letra da música em toda a casa. A partir do fim da tarde começa o tum,
tum, tum.”
Não só o barulho é excessivo, afirma, como são constantes
outros problemas. “Nós temos diariamente pessoas bêbedas, copos de plástico,
dejectos e lixo à porta”, diz Bonaccorso. As queixas são repetidas por outras
pessoas do edifício, onde funcionam vários alojamentos locais – cujos clientes
já se queixaram de não conseguirem dormir. Por tudo isto, a administração do
condomínio decidiu avançar com um processo judicial contra o Stupido 1/1.
Para Pedro Garcia, um dos sócios do bar, os protestos dos
vizinhos não fazem sentido. “Isto tem uma música ambiente dentro da lei”,
garante, apontando para um limitador de ruído colocado por baixo da mesa do DJ
logo à entrada. Os limitadores são aparelhos que monitorizam o volume da música
e das vozes – que não pode ultrapassar um número máximo de decibéis – e que
funcionam como uma espécie de caixa negra para a polícia e a câmara municipal
saberem se as regras estão a ser cumpridas.
No caso do Stupido 1/1, o limitador está programado para que
o barulho não exceda os 80 decibéis, diz Pedro Garcia, que considera ser um
volume aceitável. “Eu acredito que ele [Nadir] oiça qualquer coisa. Estamos a
falar de um espaço que esteve votado ao abandono durante 20 ou 30 anos. Não
havendo nada e passando a haver, é evidente que há uma mudança”, afirma. A
documentação que o próprio Pedro Garcia forneceu ao PÚBLICO mostra que o
limitador de ruído só foi instalado a 10 de Outubro, mais de um mês depois de o
bar ter aberto. Os técnicos da câmara ainda demoraram mais de um mês a irem ao
local ver se tudo estava em ordem e aprovaram o aparelho a 23 de Novembro.
A autarquia disse ao PÚBLICO que, neste momento, “correm 5
processos de contra-ordenação” contra o Stupido 1/1 e que “já foi aplicada uma
restrição temporária por um dia, em consequência de não cumprimento das regras
do regulamento de horários”. Os serviços camarários admitem que “poderão ser
aplicadas mais restrições temporárias em virtude dos processos em curso”. De
acordo com o regulamento de horários, em vigor há pouco mais de um ano, as
restrições temporárias limitam o funcionamento de um espaço a cinco horas por
dia pelo período máximo de dois meses. E aplicam-se, entre outros motivos,
quando se “verifique incomodidade que coloque em causa o direito à
tranquilidade e repouso dos cidadãos”.
“A nossa intenção desde o princípio, mas desde o princípio
mesmo, é promover a boa vizinhança”, assegura Pedro Garcia. Ainda assim,
admite, a protecção acústica não foi uma das prioridades iniciais. O que,
argumenta, até acabou por ser prejudicial para o próprio bar, que assim não
pode receber a programação musical desejada. “Nós estamos 100% dentro da lei,
ainda assim estamos a trabalhar num projecto com o melhor engenheiro acústico
do mercado”, diz. O Stupido 1/1 deve fechar ainda este mês para obras de
melhoria do isolamento e mudança do mobiliário.
Nadir Bonaccorso espera para ver, mas não sabe por quanto
tempo mais. “Não dá para viver aqui, é impossível. Acabas por sucumbir ao abuso
prolongado e ilegal. Quando te deitas para dormir e ouves bum, bum, bum, é um
abuso. Quando entramos em casa, levamos as mãos à cabeça e pensamos: ‘mais uma
noite’.”
Já Vhils, cuja curadoria artística serve de chamariz para o
bar, lamenta estas querelas e manifesta “confiança que tudo se resolverá”.
“Lamento profundamente qualquer ocorrência que possa afectar a tranquilidade
dos moradores da zona”, disse Alexandre Farto (nome verdadeiro de Vhils) ao
PÚBLICO. Salientando que não é sócio do bar e que apenas faz a “selecção dos
artistas plásticos que ali apresentam trabalho uma vez por ano”, o artista
acrescenta que o objectivo da sua curadoria é “dar espaço e oportunidades a
novos artistas plásticos para exporem o seu trabalho em ligação com a cidade,
para o benefício de todos, incluindo os moradores da zona.”
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