Da Expo-98 à Marvila 2018
Em 2018 passam 20
anos sobre a realização da Expo-98 de Lisboa. Nessa época desejava-se que a
iniciativa funcionasse como pilar de renovação e desenvolvimento de toda a zona
oriental da cidade. Não aconteceu na altura, mas agora os sintomas de uma
profunda recomposição da área são mais do que evidentes.
VÍTOR BELANCIANO
14 de Janeiro de
2018, 8:18
Em 2018 passam 20
anos sobre a realização da Expo-98 de Lisboa. Ao longo do ano certamente que
muito se falará do evento em si e talvez ainda mais da operação urbanística que
permitiu a regeneração daquela parcela da cidade. Nessa época ambicionava-se
que a criação do Parque das Nações não gerasse uma espécie de ilha. Havia o
desejo de que funcionasse como pilar de renovação e desenvolvimento de toda a
zona oriental, através da produção de um efeito de contaminação positivo.
No mesmo ano,
exactamente nos últimos dias da Expo’ 98, nasceu o Lux-Frágil, ao Cais da
Pedra, em frente à estação de comboios de Santa Apolónia, e existiu quem
projectasse que, entre esses dois pólos, a cidade se iria transformar. Mas
esteve longe de acontecer. Existiu realmente um efeito Expo nos anos que se
seguiram mas apesar de tudo foi um impacto delimitado. Começou a sentir-se uma
maior exigência na forma como o espaço público era vivido pelos cidadãos. A
relação com o rio foi revalorizada. E o mobiliário urbano começou a ser olhado
de outra forma.
Recuperou-se uma
zona industrial anteriormente votada ao abandono, mas esse alicerce não
contagiou as áreas circundantes. Curiosamente, exactamente 20 anos depois,
aquela zona, sinalizada por Marvila, Xabregas, Beato ou Poço do Bispo,
transmite sinais de dinamismo. A alavanca já não é uma grande intervenção
urbanística, mas uma simbiose de iniciativas privadas, políticas públicas,
actividades culturais e um ambiente de boémia, assinalado pela mistura de
cafés, bares, restaurantes, galerias de arte, salas de concertos ou espaços de co-criação.
Na essência, apesar de diferenças, o mesmo modelo de regeneração urbana que tem
ocorrido noutras zonas da cidade nos últimos anos (do Cais do Sodré a Santos,
de Alcântara ao Martim Moniz e Intendente).
O que está a
acontecer ali era previsível. Pela possibilidade de reutilização de espaços
inexplorados. Pela pressão turística noutros pontos mais centrais. E pela
própria configuração que a cidade foi adquirindo. Claro que, por enquanto, esse
dinamismo ainda é muito localizado numa pequena parcela, mas já se percebeu que
aquela extensa e heterogénea faixa da cidade irá ser nos próximos anos alvo de
uma renovada atenção. Interessa pois perceber como é que essa requalificação
pode ser desencadeada, atendendo às especificidades do lugar. E elas são
inúmeras.
Há zonas
ribeirinhas pós-industriais ainda ladeadas de elementos habitacionais do tempo
industrial. Há pátios e vilas. Há urbanizações de habitação social e algumas de
realojamento. Há população envelhecida, mas também camadas populacionais de
perfil mais rejuvenescido e alguma diversidade cultural. Há o enorme
empreendimento da Matinha que está a ser construído e que receberá cerca de
2500 pessoas, acabando por funcionar como a extensão natural do Parque das
Nações, para as classes mais altas. Há a cedência da Manutenção Militar para
incubadoras de inovação. E existem possibilidades de transformação urbana
previstas – como o parque Ribeirinho Oriente, que visa reconverter a área da
Matinha, Braço de Prata e Doca do Poço do Bispo em zonas de lazer – que
permitem pensar numa nova aproximação ao rio, há muito impedida, pela exclusiva
vocação industrial e portuária no Beato e em Marvila.
Os sinais de uma
profunda recomposição da área são mais do que evidentes. O que é excelente. Mas
também seria óptimo que não se cometessem erros nesta fase e aí a actuação
pública é fundamental, seja no sentido de facilitar a apropriação do espaço por
algumas actividades culturais ou espaços polivalentes (como a recente
biblioteca de Marvila), seja de disciplinar as operações urbanísticas que lá
acontecem.
Como já se
percebeu, nem sempre é fácil criar o necessário equilíbrio entre aquilo que é o
interesse cívico ou o benefício público e meros motivos económicos ou
comerciais que vão ao encontro apenas dos interesses de algumas elites
Vítor Belanciano
Como já se
percebeu, nem sempre é fácil criar o necessário equilíbrio, no meio de
movimentações semelhantes, entre aquilo que é o interesse cívico ou o benefício
público e meros motivos económicos ou comerciais que vão ao encontro apenas dos
interesses de algumas elites, que com a estetização do espaço urbano acabam por
consumir apenas aquilo que é associado ao seu estilo de vida específico,
gerando-se fenómenos de gentrificação.
Nesse sentido, a
condução dos destinos da zona oriental não deveria estar distante da
participação local, fazendo sentar à mesma mesa instituições, associações ou
moradores, com entidades públicas e privadas, organismos culturais, urbanistas,
cientistas sociais e outros actores, no sentido de que a reabilitação de todo
aquele território seja feito com pinças. Existe ali um lado indomesticável,
orgânico e revolto que ao longo dos últimos 20 anos não foi domado. Agora, tudo
leva a crer, que irá sê-lo. Mas era importante que algum desse carácter, e
dessa memória, se mantivesse, fazendo-a coabitar com todas as dinâmicas
contemporâneas que agora são encetadas. Esperemos que esse entendimento
acabe por prevalecer.
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