Socorro, já não
há correios
Fechou o posto de
correios do Socorro, na movimentadíssima Rua da Palma. Os comerciantes das
redondezas estão incrédulos e antecipam problemas para o negócio. Do outro lado
da colina, uma loja de ferragens acolhe um precário posto. E elogios.
CRISTIANA FARIA
MOREIRA e JOÃO PEDRO PINCHA 23 de Janeiro de 2018, 8:00
Em Lisboa parece
haver um fado para qualquer ocasião e não faltam ocasiões para os cantarolar.
Na Tabacaria do Bairro, no topo da Rua de São Lázaro, discutem-se os prós e os
contras de ter fechado o posto de correios do Socorro, e um cliente decide
lembrar-se de Marco do Correio, fado-canção dos idos de 1950. Reza assim:
“Minha rua sossegada/Tem à beira do passeio/ A coisa mais engraçada/ Que é o
marco do correio”.
Esse objecto
rarefeito da vida lisboeta desapareceu há uns anos ali de ao pé da tabacaria.
“Até era uma coisa característica. O turista vinha, comprava um postal e
punha-o logo ali”, conta Pedro, o homem por trás do balcão, onde os souvenirs
têm mais destaque do que jornais e tabacos. “Se fecham os correios, ao menos
reponham o marco”, atira, mas os outros recebem a frase com riso escarninho,
não acreditam que tal aconteça.
Pela Rua de São
Lázaro abaixo, de um lado e do outro encontram-se placas desbotadas que
anunciam velhos armazéns de roupa, para venda directa ao público ou revenda a
comerciantes. São velhos, mas estão activos. E é nestes locais que se ouvem as
maiores queixas sobre o encerramento do posto de correios, que até sexta-feira
funcionou na Rua da Palma, 23
Carolina e Rosa,
na esquina entre São Lázaro e a Palma, insuflam o peito de indignação. “A gente
mandava encomendas para a Madeira, para os Açores. Eu mando coisas para Évora”,
conta Carolina, praticamente trinta anos de casa. A loja, como tantas outras na
zona, vende camisas, saias, pijamas, edredons, cobertores, cortinados, cuecas,
meias. Uma cliente é de Évora, volta e meia compra 20 quilos de artigos, lá ia
Carolina com a caixa ao outro lado da rua despachá-la para o Alentejo. Agora,
como será? “Vou daqui carregada para os Restauradores?”
Rosa ainda nem
sabia do fecho repentino do posto, que diz não compreender. “Estava sempre
cheio até à porta! Eu chegava a ir lá, tirava a senha e vinha trabalhar. Daí a
uma hora ou mais, ia lá e ainda não era a minha vez”, relata.
Na segunda-feira,
várias pessoas deram com o nariz na porta dos correios. Passaram-se poucos dias
entre o anúncio, por parte dos CTT, de que aquele era um posto a fechar e o
encerramento efectivo. Na porta, um cartaz informa que as alternativas são os
postos dos Restauradores, de Santa Justa e do Mercado do Forno do Tijolo. Para
os comerciantes das redondezas é mau, se quiserem enviar ou receber correio têm
de se deslocar muito mais do que até agora. “Na sexta-feira ia mandar uma
encomenda, chego lá e estava fechado. Tive de ir aos Restauradores, de carro. E
é um problema, porque não há sítio para estacionar. Fiquei dentro do carro com
os quatro piscas, enquanto iam lá levar a encomenda”, queixa-se Ila,
comerciante da Rua do Benformoso que vende perfumes e brinquedos.
Por aqui, nas
imediações da Mouraria e da Almirante Reis, o fecho dos correios é sentido como
mais uma perda das características tradicionais do bairro. “Vinham pessoas de
toda a cidade, iam aos correios, bebiam um café, paravam aqui”, diz Kangi
Chandra, responsável por um pronto-a-vestir na Rua da Palma. Teme agora que o
movimento diminua, mas sobretudo tem o problema de que os outros também se
queixam: como fazer chegar a mercadoria, por exemplo, aos Açores e à Madeira?
Transitários nem pensar, diz — são caros e morosos. “Não sei como vamos fazer.
Não sei se dá para a gente telefonar [para os correios] e eles vêm buscar.”
E se fosse buscar
o seu correio a uma loja de ferragens?
Do outro lado da
colina, já na freguesia de São Vicente, Isabel Rodrigues atende o telefone:
“Electro Pizão, boa tarde”. O assunto, desta vez, não é encomendar um
componente electrónico qualquer para a televisão que está avariada ou um
arrancador para a lâmpada que não acende. Do outro lado da linha perguntam à
vendedora de 45 anos se alguém pode ir lá levantar uma encomenda dos CTT por
si. “Não, só pode ser a própria pessoa a levantar. E que traga a
identificação”.
O número 29 da
rua do Vale de Santo António não alberga só uma loja de componentes
electrónicos. É também na Electro Pizão que funciona o posto de correio de São
Vicente de Fora.
Um dia, um
funcionário dos Correios entrou-lhes pela porta dentro “e viu que a loja podia
ter condições para receber um posto”, conta Isabel. Havia um outro umas ruas
acima que, por estar a funcionar num escritório de contabilidade, teria de
fechar dado o constante entra e sai de gente que era difícil aguentar. Foi a
solução encontrada “há uns anos” para colmatar o fecho da estação dos correios
de Santa Apolónia.
Isabel e Carlos
Alves, de 50 anos, acabaram por aceitar o desafio de ali verem instalado, lado
a lado com o negócio original criado em 1994 pelo tio de Isabel, o posto de
correios que serve toda a freguesia de São Vicente.
“Como o comércio
está muito parado”, aponta Isabel, viram neste desafio uma oportunidade de dar
a conhecer a loja aos que ali passavam todos os dias, mas nunca paravam sequer
para olhar.
Arrancaram com a
nova função a 9 de Outubro, uma segunda-feira. Na sexta anterior, quando
estavam a pregar a bandeira da parede para assinalar o novo posto de correio,
já os fregueses lhes entravam pela casa dentro para levantar a correspondência
que ainda não tinha chegado.
No primeiro dia,
conta Carlos, tiveram de mandar vir uma pizza porque não houve tempo para
almoçar dada a afluência de pessoas. “Nós não imaginavámos que tivéssemos tanta
gente”, admite Carlos.
Entre as 15h e as
17h de segunda-feira, enquanto o PÚBLICO lá esteve, nunca parou o fluxo de
gente em busca destes correios improvisados. Normalmente, são mais os que
levantam encomendas do que os que deixam ficar.
Foi o caso de uma
freguesa que ali entrou com um frasco de manteiga — “mais natural” — na mão
para enviar para a comadre que vive em Viseu. Outra cliente mandou uma caixa de
sapatilhas embrulhada num saco de plástico preto para desviar as atenções dos
amigos do alheio. “Há pessoas que também trabalham a fazer bijutaria durante o
fim-de-semana e à segunda enviam para os clientes”, conta Isabel.
Há quem vá buscar
a carta de condução e quem suspeite que tenha chegado mais “uma multazinha, às
tantas”. Amiúde surgem outros, aqueles que ali entram para fazer o que para os
mais novos já é algo estranho e raro: enviar uma carta. “Está aqui uma obra de
arte”, diz uma jovem enquanto escreve com cuidado o remetente e o destinatário.
No final, sobra-lhe uma dúvida: “Mais isto é um posto de correios? E onde é que
se enfia a carta?”.
Correio de
proximidade
Ali se juntam os
vizinhos do costume, que acabam por criticar o fecho das estações de correio em
Lisboa, e por lamentar ainda mais as que fecharão noutros locais do país, onde
as pessoas terão que percorrer quilómetros para receber as suas pensões ou
enviar uma carta.
Sobram estas
soluções improvisadas no comércio local, permitindo alguma descentralização,
uma maior proximidade com as pessoas. Com a vantagem de se evitarem filas de,
às vezes, mais de uma hora, como chega a acontecer em estações como a da Graça,
nota Isabel.
O posto abre às
9h30, altura em que começam a ser feitas as devoluções de quem não levantar
atempadamente as suas encomendas. Para ali, só seguem coisas registadas e
volumosas, o correio normal já seguiu para as casas de cada um. Por volta das
10h30 chega o carteiro com a correspondência que não foi entregue no dia
anterior.
O correio é
arrumado e depois é esperar que as pessoas cheguem com os avisos para levantar.
Encerra por volta das 17h. Um papel colocado à entrada informa que a estação de
correios mais próxima é a da Graça, na rua General Roçadas.
Tanto Isabel como
Carlos estiveram a aprender toda a logística durante duas semanas num posto de
correios, também improvisado, no Mercado do Forno do Tijolo, em Arroios. “É que
é muito responsabilidade”, vinca Isabel.
No fim do dia, a
Electro Pizão ganha uma comissão sobre a entrega dos avisos. Os CTT cedem o
material, desde armários, rolos de etiquetas, a balança para pesar as
mercadorias, às cassetes, como se diz na gíria, que nada mais são do que as
caixas onde se colocam as encomendas: vermelhas para as que seguem pelo correio
normal; azuis para as que seguem por correio azul. No final do dia, há que
fechar a caixa e contabilizar todas as encomendas que foram levantadas e as que
ficaram por entregar. Algumas que chegam da China e que a “malta jovem”, muito
presente por ali, manda vir.
“Este bairro é
como uma aldeia, toda a gente se conhece, nascemos aqui, fomos aqui criados. É
a mesma coisa que estarmos na aldeia. Antigamente o posto de correios também era
na farmácia. Estamos a voltar ao antigo”, repara Isabel.
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