sábado, 13 de janeiro de 2018

Mistério dos solos contaminados na Expo ainda preocupa moradores e ecologistas


Mistério dos solos contaminados na Expo ainda preocupa moradores e ecologistas

POR SAMUEL ALEMÃO • 12 JANEIRO, 2018 •

O Ministério do Ambiente recomenda que se proceda à avaliação da qualidade dos solos nas áreas contaminadas junto ao Hospital CUF Descobertas, no Parque das Nações. A sugestão aparece agora, em resposta a uma pergunta do Partido Ecologista Os Verdes, sobre os resultados da comissão técnica criada para monitorizar as consequências da obra de ampliação do hospital. Mas o grupo de trabalho, entretanto extinto, não obteve conclusões claras sobre a origem dos poluentes encontrados, nem do cheiro intenso sentido durante meses. Situação que continua a preocupar bastante residentes e ambientalistas. A presidente da associação de moradores diz estar “perplexa” com a ausência de um diagnóstico concreto. “Só podem andar a gozar com a nossa cara”, reage. Surpresa partilhada pela associação ambientalista Zero. “Acho curioso como se cria e se extingue uma comissão tão rapidamente”, comenta um dos seus membros. A Quercus alerta para a perigosidade da eventual contaminação do ar. “As crianças e as pessoas hospitalizadas, principalmente as mais debilitadas, têm maior probabilidade de contrair problemas respiratórios e reacções alérgicas”, avisa.

 Texto: Sofia Cristino

 Os solos contaminados das obras de expansão do Hospital CUF Descobertas, no Parque das Nações, foram removidos, mas ainda não se sabe se houve ou não contaminação do ar e quais os níveis de poluição. Os resíduos poluentes encontrados nos terrenos das obras de ampliação do hospital, que está próximo de uma escola e de um lar de idosos, preocupam moradores e associações ambientalistas. O Ministério do Ambiente recomenda agora, neste caso em específico, que se proceda à avaliação da qualidade dos solos nas áreas onde existem indícios de contaminação com substâncias perigosas para a saúde humana e para o ambiente. A Quercus diz que, caso se verifique a contaminação do ar, há uma maior probabilidade das crianças e das pessoas hospitalizadas contraírem problemas respiratórios e reacções alérgicas. Isto numa altura em que a lei Prosolos – Prevenção da Contaminação e Remediação dos Solos, que irá estabelecer a avaliação da contaminação dos solos como obrigatória, continua nas mãos do Governo.

Em fevereiro de 2017, foi criada uma comissão técnica para monitorizar todas as obras com solos contaminados no Parque das Nações, depois dos moradores terem sentido um cheiro intenso a químicos. A associação de moradores A Cidade Imaginada – Parque das Nações (ACIPN) tem vindo a criticar a falta fiscalização da obra e a ausência de informação sobre os resíduos ali encontrados, bem como a ausência de legislação que responda a situações como esta. A semana passada, o Ministério do Ambiente informou que a referida comissão técnica – constituída pela Câmara Municipal de Lisboa e entidades da administração central – foi extinta. O que fez com que as dúvidas aumentassem, sobre a real situação no terreno, junto de moradores e de ambientalistas. Há ainda muitas interrogações por esclarecer, considera o Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV), autor de uma pergunta sobre o tema, dirigida ao ministério, e entregue na Assembleia da República, em outubro passado.

 A empreitada, encomendada pela José de Mello Saúde, e que prevê a construção de um edifício com seis pisos acima do solo e de um parque de estacionamento subterrâneo, começou em julho de 2016. Por causa da mesma, durante meses, foi possível sentir-se um cheiro intenso no ar. O odor surgiu depois de, no decurso dos trabalhos, terem sido removidos solos poluídos por hidrocarbonetos – resultantes de uma refinaria que ali funcionou em tempos. Situação que conduziu à libertação de compostos orgânicos voláteis. Naquela altura, foram retirados cerca de 40 mil metros cúbicos de terra, dos quais 11 mil foram classificados como sendo solos contaminados com hidrocarbonetos. Há, contudo, quem duvide da eficácia da remoção dos mesmos. Foi na sequência desta situação, e dos protestos que se lhe seguiram, que se decidiu criar a tal comissão técnica de monitorização, em fevereiro de 2017. E, durante meses, o caso esteve esquecido.

 O Partido Ecologista Os Verdes (PEV) entregou, a 18 de outubro do ano passado, na Assembleia Municipal de Lisboa (AML), um requerimento para averiguar que medidas tinham entretanto sido definidas pela referida comissão técnica de monitorização. Os ecologistas exigiam saber várias coisas: quais as medidas que haviam sido definidas pela comissão – e se estas foram dadas a conhecer aos moradores -; se a Câmara Municipal de Lisboa (CML) estava a acompanhar a obra; se antes do início da mesma foram efectuadas análises aos solos e, também, perceber se houve contaminação do ar e com que níveis. Os Verdes perguntavam, ainda, qual a profundidade das escavações previstas para as novas obras, num lote contíguo ao terreno do parque de estacionamento do hospital, destinado à construção de um edifício de habitação e comércio, com 17 pisos acima do solo e um abaixo. Uns dias depois, enviaram as mesmas questões ao Ministro do Ambiente. A resposta chegou no final do mês passado, a 22 de dezembro de 2017.

No documento, o gabinete do ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, refere que o mandato da comissão técnica “já cessou”. A resposta menciona, ainda, que “a Comissão Técnica propôs um conjunto de medidas/recomendações a adoptar em matéria de licenciamento, acompanhamento da execução, fiscalização e inspecção de futuras obras no Parque das Nações”. Entre as medidas propostas, inclui-se, no caso do Hospital CUF Descobertas, “a necessidade de procederem à avaliação da qualidade dos solos em área onde existam indícios de contaminação com substâncias perigosas para a saúde humana e para o ambiente”.

 Mas não se fica por aí. “Se os resultados da amostragem aos solos, para os contaminantes em causa, forem superiores aos valores de referência estabelecidos ou se uma análise de risco do local tiver como resultado um risco inaceitável para a saúde humana e/ou para o ambiente, tendo em consideração o uso previsto para o solo, o requerente da operação urbanística deve efectuar a descontaminação do solo. Esta operação está sujeita a licenciamento pela Autoridade Regional de Resíduos, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR LVT)”, escreve-se a respeito das medidas saídas da Comissão Técnica.

 Ouvida por O Corvo, Cláudia Madeira, dos Verdes, considera que “esta resposta traz mais perguntas do que respostas”. “A Comissão Técnica cessou funções e, segundo eles, fizeram reuniões e recomendações. Mas continuam muitas questões por responder. Vamos voltar a questionar o Ministro do Ambiente para perceber que medidas saíram das reuniões e quais são os resultados da análise do solo ao ar, que não está especificado”, anuncia a deputada. Quanto à ausência de respostas por parte da Assembleia Municipal de Lisboa, Cláudia Madeira diz que “todo este silêncio é muito grave”. “Não compreendemos a postura do munícipio relativamente a este assunto. Quando falaram connosco, deram-nos apenas respostas evasivas”, garante.

 Mas a administração central não vê a questão da mesma forma. Segundo a resposta dada pelo Governo ao PEV, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) tem prestado “todos os esclarecimentos solicitados pelos moradores do Parque das Nações”. O Ministério do Ambiente refere, ainda, que participou numa reunião de esclarecimento aos residentes, solicitada pela associação de moradores A Cidade Imaginada Parque das Nações (ACIPN) à autoridade de saúde, realizada em fevereiro de 2017.

 Célia Simões, presidente da ACIPN, diz estar “perplexa” com a resposta do Governo. “Só podem andar a gozar com a nossa cara. Estamos muito desagrados com esta resposta. Para que foi criada a comissão, então? É um total falta de respeito pelos moradores. Nós fizemos tudo o que era possível para obter respostas e eles não fizeram nada”, diz, em declarações a O Corvo. “Ligámos insistentemente para as entidades responsáveis e, quando percebiam que éramos nós, não atendiam. Isto tem muito que se lhe diga, mas ninguém diz nada”, ironiza.

 Quanto à tal reunião de esclarecimento promovida pela delegada de Saúde, e ocorrida em fevereiro do ano passado, onde estiveram igualmente presentes representantes da APA, Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT) e do Serviço Municipal de Protecção Civil, Célia Simões diz que “ficou estabelecido entre todos que essas medidas, uma vez definidas, seriam partilhadas com a ACIPN, como forma de garantir a tranquilidade de todos os moradores e comerciantes que representamos”. No entanto, salienta, “tal não aconteceu até hoje”. “Pedimos muitas reuniões depois de fevereiro, que nunca existiram”, explica. “Neste momento, não conhecemos nenhuma medida tomada, como também nunca nos foi respondido, quais os valores encontrados na análise da amostragem dos solos, e na qualidade do ar”, diz, ainda.

 Carmen Lima, da associação ambientalista Quercus, também olha com preocupação para o desenrolar do processo. “Por aquilo que temos visto, a verificação dos solos contaminados não foi bem-feita. Só foram removidos até dois metros de profundidade e a contaminação está mais profunda do que isso”, garante, em declarações a O Corvo.

 “Em todos os terrenos na zona da Expo 98 que sejam alvo de intervenções, é muito provável que apareçam solos contaminados. O CUF Descobertas foi mais falado porque, além dos cheiros muito intensos que se sentiam, está próximo de uma escola, de um lar e do próprio hospital, pondo em causa a segurança da saúde pública. As crianças e as pessoas hospitalizadas, principalmente as mais debilitadas, têm maior probabilidade de contrair problemas respiratórios e reacções alérgicas”, alerta.

 “Porque acha que há tanto silêncio sobre esta questão?”, questiona a ambientalista a O Corvo. “Por já não se sentir o cheiro intenso que se sentia e, não havendo esse odor, deixa de haver tanta pressão para que haja respostas. Os químicos que se encontram naqueles terrenos tratam-se de compostos orgânicos voláteis, que só são libertados se forem remexidos. Como já não estão a escavar, já não se sente. Assim que se deixou de sentir o cheiro, o assunto ficou silenciado”, refere.

 “Isto é muito estranho porque, em primeiro lugar, a comissão deveria ter sido criada antes da obra e funcionar durante a obra, não é agora. Tem havido uma falta de respeito pelas pessoas, não só pelos moradores, mas, também, pelos trabalhadores. As pessoas têm direito a que a sua qualidade de vida seja protegida. E, o mais grave, é que só foi feita a comissão depois de muita pressão da opinião pública”, reforça. A técnica da Quercus diz, ainda, que, até agora, a associação ambientalista não obteve nenhuma resposta da Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT), nem da Direcção Regional da Saúde. E, alerta, “se avançarem ali com novas escavações, a probabilidade de existirem mais solos contaminados é muito grande”.

 Ricardo Berkemeier, da Associação Zero, lamenta, também, a falta de respostas, nomeadamente da CCDR-LVT, e diz que a resposta do Ministério do Ambiente é “uma constatação do óbvio”. “Acho curioso como se cria e se extingue uma comissão tão rapidamente. Temos de perceber em que condições foi criada esta comissão e exigir o relatório que criaram, que temos dúvidas que exista. Desconhece-se, de facto, como vai ser feito o controle. Esta resposta é vergonhosa e completamente insatisfatória. Desde novembro que pedimos à CCDR-LVT e só nos disseram que iam dar o devido encaminhamento, mas, até agora, não o fizeram”, afirma.

 Ricardo Berkemeier denuncia, ainda, que os resíduos perigosos estão a ser encaminhados para locais não licenciados para o efeito. ”A escavação no CUF Descobertas foi muito profunda e apanhou águas da chuva, que ficaram contaminadas. Essas águas deveriam ter ido para a estação de tratamento de águas residuais. Disseram-nos que as águas estavam a ser retidas mas nós estivemos lá e vimos que estavam a ir directamente para o colector pluvial. Não temos a certeza, nem podemos afirmar se existe uma relação, mas, na altura, surgiram ocorrências de hidrocarbonetos na marina da Expo 98. Não se consegue perceber o que aconteceu às águas”, acusa. “Vamos pedir à APA que nos envie a licença de descarga de águas residuais da obra do hospital CUF Descobertas, porque também temos dúvidas que exista e, a não existir, é muito grave”, acrescenta.

Lei ProSolos
A lei Prosolos – Prevenção da Contaminação e Remediação dos Solos, que se encontra em análise pelo Governo, após ter sido concluído o período de consulta pública, estabelece que a avaliação da contaminação dos solos passará a ser obrigatória. Nos casos mais graves, as empresas serão obrigadas a apresentar planos de correcção dos problemas. O secretário de Estado do Ambiente anunciou, o ano passado, que estaria a fazer “todos os esforços” para aprovar a lei ProSolos até ao final de junho passado.

 O Partido Ecologista Os Verdes (PEV) questionou também o Governo, sobre qual a razão para a lei Prosolos ainda não ter sido aprovada em Conselho de Ministros. Mas o gabinete do Ministério do Ambiente afirma apenas que “no âmbito do projecto de diploma ProSolos, a matéria encontra-se regulada”.

Segundo Cláudia Madeira, a lei ProSolos “ajudaria a evitar situações como as que se passaram em Lisboa, no Parque das Nações, em que o novo proprietário afirma apenas ter tido conhecimento da contaminação dos solos aquando do início das obras, pois julgava ter adquirido terrenos não contaminados”. “Não existe uma lei que obrigue a entidade que vende um terreno a comprovar que esse terreno está descontaminado. Há problemas relacionados com a errada classificação de resíduos e o seu incorrecto encaminhamento, e a lei Prosolos deverá evitar estas situações”, lembra, ainda.

 Sendo aprovada, será a primeira vez que Portugal terá uma lei desta índole. As datas anunciadas para a aprovação da lei, contudo, “mudam todos os anos”, critica Ricardo Berkemeier. “Em 2015, foi feita uma consulta pública e foi elaborado um relatório, mas alguém com poder impediu que a lei avançasse. Esse relatório está nas mãos do secretário de Estado do Ambiente e não nos mostram. Ninguém sabe onde está esse relatório que devia ser do conhecimento público. É uma desvalorização dramática do que é a democracia e da própria função da consulta pública. Acho gravíssimo. O hospital da CUF é apenas a ponta do iceberg na história dos solos contaminados. Há muitos casos em Lisboa”, acusa.


A Comissão Técnica criada pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) para monitorizar as obras com solos contaminados do Parque das Nações era composta por representantes da APA, da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT), da Direção Geral da Saúde (DGS), do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Lisboa Central, da Câmara Municipal de Lisboa (CML), da Inspeção-geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT) e do Serviço Municipal de Proteção Civil (SMPC). O Corvo tentou contactar com a APA, para obter esclarecimentos sobre o relatório criado pelo grupo de trabalho, mas, até ao momento, não obteve resposta.

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