Mistério dos
solos contaminados na Expo ainda preocupa moradores e ecologistas
POR SAMUEL ALEMÃO
• 12 JANEIRO, 2018 •
O Ministério do
Ambiente recomenda que se proceda à avaliação da qualidade dos solos nas áreas
contaminadas junto ao Hospital CUF Descobertas, no Parque das Nações. A
sugestão aparece agora, em resposta a uma pergunta do Partido Ecologista Os
Verdes, sobre os resultados da comissão técnica criada para monitorizar as
consequências da obra de ampliação do hospital. Mas o grupo de trabalho,
entretanto extinto, não obteve conclusões claras sobre a origem dos poluentes
encontrados, nem do cheiro intenso sentido durante meses. Situação que continua
a preocupar bastante residentes e ambientalistas. A presidente da associação de
moradores diz estar “perplexa” com a ausência de um diagnóstico concreto. “Só
podem andar a gozar com a nossa cara”, reage. Surpresa partilhada pela
associação ambientalista Zero. “Acho curioso como se cria e se extingue uma
comissão tão rapidamente”, comenta um dos seus membros. A Quercus alerta para a
perigosidade da eventual contaminação do ar. “As crianças e as pessoas
hospitalizadas, principalmente as mais debilitadas, têm maior probabilidade de
contrair problemas respiratórios e reacções alérgicas”, avisa.
Texto: Sofia Cristino
Os solos contaminados das obras de expansão do
Hospital CUF Descobertas, no Parque das Nações, foram removidos, mas ainda não
se sabe se houve ou não contaminação do ar e quais os níveis de poluição. Os
resíduos poluentes encontrados nos terrenos das obras de ampliação do hospital,
que está próximo de uma escola e de um lar de idosos, preocupam moradores e
associações ambientalistas. O Ministério do Ambiente recomenda agora, neste
caso em específico, que se proceda à avaliação da qualidade dos solos nas áreas
onde existem indícios de contaminação com substâncias perigosas para a saúde
humana e para o ambiente. A Quercus diz que, caso se verifique a contaminação
do ar, há uma maior probabilidade das crianças e das pessoas hospitalizadas
contraírem problemas respiratórios e reacções alérgicas. Isto numa altura em
que a lei Prosolos – Prevenção da Contaminação e Remediação dos Solos, que irá
estabelecer a avaliação da contaminação dos solos como obrigatória, continua
nas mãos do Governo.
Em fevereiro de
2017, foi criada uma comissão técnica para monitorizar todas as obras com solos
contaminados no Parque das Nações, depois dos moradores terem sentido um cheiro
intenso a químicos. A associação de moradores A Cidade Imaginada – Parque das Nações
(ACIPN) tem vindo a criticar a falta fiscalização da obra e a ausência de
informação sobre os resíduos ali encontrados, bem como a ausência de legislação
que responda a situações como esta. A semana passada, o Ministério do Ambiente
informou que a referida comissão técnica – constituída pela Câmara Municipal de
Lisboa e entidades da administração central – foi extinta. O que fez com que as
dúvidas aumentassem, sobre a real situação no terreno, junto de moradores e de
ambientalistas. Há ainda muitas interrogações por esclarecer, considera o
Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV), autor de uma pergunta sobre o tema,
dirigida ao ministério, e entregue na Assembleia da República, em outubro
passado.
A empreitada, encomendada pela José de Mello
Saúde, e que prevê a construção de um edifício com seis pisos acima do solo e
de um parque de estacionamento subterrâneo, começou em julho de 2016. Por causa
da mesma, durante meses, foi possível sentir-se um cheiro intenso no ar. O odor
surgiu depois de, no decurso dos trabalhos, terem sido removidos solos poluídos
por hidrocarbonetos – resultantes de uma refinaria que ali funcionou em tempos.
Situação que conduziu à libertação de compostos orgânicos voláteis. Naquela
altura, foram retirados cerca de 40 mil metros cúbicos de terra, dos quais 11
mil foram classificados como sendo solos contaminados com hidrocarbonetos. Há,
contudo, quem duvide da eficácia da remoção dos mesmos. Foi na sequência desta
situação, e dos protestos que se lhe seguiram, que se decidiu criar a tal
comissão técnica de monitorização, em fevereiro de 2017. E, durante meses, o
caso esteve esquecido.
O Partido Ecologista Os Verdes (PEV) entregou,
a 18 de outubro do ano passado, na Assembleia Municipal de Lisboa (AML), um
requerimento para averiguar que medidas tinham entretanto sido definidas pela
referida comissão técnica de monitorização. Os ecologistas exigiam saber várias
coisas: quais as medidas que haviam sido definidas pela comissão – e se estas
foram dadas a conhecer aos moradores -; se a Câmara Municipal de Lisboa (CML)
estava a acompanhar a obra; se antes do início da mesma foram efectuadas
análises aos solos e, também, perceber se houve contaminação do ar e com que
níveis. Os Verdes perguntavam, ainda, qual a profundidade das escavações
previstas para as novas obras, num lote contíguo ao terreno do parque de
estacionamento do hospital, destinado à construção de um edifício de habitação
e comércio, com 17 pisos acima do solo e um abaixo. Uns dias depois, enviaram
as mesmas questões ao Ministro do Ambiente. A resposta chegou no final do mês
passado, a 22 de dezembro de 2017.
No documento, o
gabinete do ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, refere que o mandato da
comissão técnica “já cessou”. A resposta menciona, ainda, que “a Comissão
Técnica propôs um conjunto de medidas/recomendações a adoptar em matéria de
licenciamento, acompanhamento da execução, fiscalização e inspecção de futuras
obras no Parque das Nações”. Entre as medidas propostas, inclui-se, no caso do
Hospital CUF Descobertas, “a necessidade de procederem à avaliação da qualidade
dos solos em área onde existam indícios de contaminação com substâncias
perigosas para a saúde humana e para o ambiente”.
Mas não se fica por aí. “Se os resultados da
amostragem aos solos, para os contaminantes em causa, forem superiores aos
valores de referência estabelecidos ou se uma análise de risco do local tiver
como resultado um risco inaceitável para a saúde humana e/ou para o ambiente,
tendo em consideração o uso previsto para o solo, o requerente da operação
urbanística deve efectuar a descontaminação do solo. Esta operação está sujeita
a licenciamento pela Autoridade Regional de Resíduos, a Comissão de Coordenação
e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR LVT)”, escreve-se a
respeito das medidas saídas da Comissão Técnica.
Ouvida por O Corvo, Cláudia Madeira, dos
Verdes, considera que “esta resposta traz mais perguntas do que respostas”. “A
Comissão Técnica cessou funções e, segundo eles, fizeram reuniões e
recomendações. Mas continuam muitas questões por responder. Vamos voltar a
questionar o Ministro do Ambiente para perceber que medidas saíram das reuniões
e quais são os resultados da análise do solo ao ar, que não está especificado”,
anuncia a deputada. Quanto à ausência de respostas por parte da Assembleia
Municipal de Lisboa, Cláudia Madeira diz que “todo este silêncio é muito
grave”. “Não compreendemos a postura do munícipio relativamente a este assunto.
Quando falaram connosco, deram-nos apenas respostas evasivas”, garante.
Mas a administração central não vê a questão
da mesma forma. Segundo a resposta dada pelo Governo ao PEV, a Agência
Portuguesa do Ambiente (APA) tem prestado “todos os esclarecimentos solicitados
pelos moradores do Parque das Nações”. O Ministério do Ambiente refere, ainda,
que participou numa reunião de esclarecimento aos residentes, solicitada pela
associação de moradores A Cidade Imaginada Parque das Nações (ACIPN) à
autoridade de saúde, realizada em fevereiro de 2017.
Célia Simões, presidente da ACIPN, diz estar
“perplexa” com a resposta do Governo. “Só podem andar a gozar com a nossa cara.
Estamos muito desagrados com esta resposta. Para que foi criada a comissão,
então? É um total falta de respeito pelos moradores. Nós fizemos tudo o que era
possível para obter respostas e eles não fizeram nada”, diz, em declarações a O
Corvo. “Ligámos insistentemente para as entidades responsáveis e, quando
percebiam que éramos nós, não atendiam. Isto tem muito que se lhe diga, mas
ninguém diz nada”, ironiza.
Quanto à tal reunião de esclarecimento
promovida pela delegada de Saúde, e ocorrida em fevereiro do ano passado, onde
estiveram igualmente presentes representantes da APA, Comissão de Coordenação
de Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT) e do Serviço
Municipal de Protecção Civil, Célia Simões diz que “ficou estabelecido entre
todos que essas medidas, uma vez definidas, seriam partilhadas com a ACIPN,
como forma de garantir a tranquilidade de todos os moradores e comerciantes que
representamos”. No entanto, salienta, “tal não aconteceu até hoje”. “Pedimos
muitas reuniões depois de fevereiro, que nunca existiram”, explica. “Neste
momento, não conhecemos nenhuma medida tomada, como também nunca nos foi
respondido, quais os valores encontrados na análise da amostragem dos solos, e
na qualidade do ar”, diz, ainda.
Carmen Lima, da associação ambientalista
Quercus, também olha com preocupação para o desenrolar do processo. “Por aquilo
que temos visto, a verificação dos solos contaminados não foi bem-feita. Só
foram removidos até dois metros de profundidade e a contaminação está mais
profunda do que isso”, garante, em declarações a O Corvo.
“Em todos os terrenos na zona da Expo 98 que
sejam alvo de intervenções, é muito provável que apareçam solos contaminados. O
CUF Descobertas foi mais falado porque, além dos cheiros muito intensos que se
sentiam, está próximo de uma escola, de um lar e do próprio hospital, pondo em
causa a segurança da saúde pública. As crianças e as pessoas hospitalizadas,
principalmente as mais debilitadas, têm maior probabilidade de contrair
problemas respiratórios e reacções alérgicas”, alerta.
“Porque acha que há tanto silêncio sobre esta
questão?”, questiona a ambientalista a O Corvo. “Por já não se sentir o cheiro
intenso que se sentia e, não havendo esse odor, deixa de haver tanta pressão
para que haja respostas. Os químicos que se encontram naqueles terrenos
tratam-se de compostos orgânicos voláteis, que só são libertados se forem
remexidos. Como já não estão a escavar, já não se sente. Assim que se deixou de
sentir o cheiro, o assunto ficou silenciado”, refere.
“Isto é muito estranho porque, em primeiro
lugar, a comissão deveria ter sido criada antes da obra e funcionar durante a
obra, não é agora. Tem havido uma falta de respeito pelas pessoas, não só pelos
moradores, mas, também, pelos trabalhadores. As pessoas têm direito a que a sua
qualidade de vida seja protegida. E, o mais grave, é que só foi feita a
comissão depois de muita pressão da opinião pública”, reforça. A técnica da
Quercus diz, ainda, que, até agora, a associação ambientalista não obteve
nenhuma resposta da Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do
Ordenamento do Território (IGAMAOT), nem da Direcção Regional da Saúde. E,
alerta, “se avançarem ali com novas escavações, a probabilidade de existirem
mais solos contaminados é muito grande”.
Ricardo Berkemeier, da Associação Zero,
lamenta, também, a falta de respostas, nomeadamente da CCDR-LVT, e diz que a
resposta do Ministério do Ambiente é “uma constatação do óbvio”. “Acho curioso
como se cria e se extingue uma comissão tão rapidamente. Temos de perceber em
que condições foi criada esta comissão e exigir o relatório que criaram, que
temos dúvidas que exista. Desconhece-se, de facto, como vai ser feito o
controle. Esta resposta é vergonhosa e completamente insatisfatória. Desde novembro
que pedimos à CCDR-LVT e só nos disseram que iam dar o devido encaminhamento,
mas, até agora, não o fizeram”, afirma.
Ricardo Berkemeier denuncia, ainda, que os
resíduos perigosos estão a ser encaminhados para locais não licenciados para o
efeito. ”A escavação no CUF Descobertas foi muito profunda e apanhou águas da
chuva, que ficaram contaminadas. Essas águas deveriam ter ido para a estação de
tratamento de águas residuais. Disseram-nos que as águas estavam a ser retidas
mas nós estivemos lá e vimos que estavam a ir directamente para o colector
pluvial. Não temos a certeza, nem podemos afirmar se existe uma relação, mas,
na altura, surgiram ocorrências de hidrocarbonetos na marina da Expo 98. Não se
consegue perceber o que aconteceu às águas”, acusa. “Vamos pedir à APA que nos
envie a licença de descarga de águas residuais da obra do hospital CUF
Descobertas, porque também temos dúvidas que exista e, a não existir, é muito
grave”, acrescenta.
Lei ProSolos
A lei Prosolos –
Prevenção da Contaminação e Remediação dos Solos, que se encontra em análise
pelo Governo, após ter sido concluído o período de consulta pública, estabelece
que a avaliação da contaminação dos solos passará a ser obrigatória. Nos casos
mais graves, as empresas serão obrigadas a apresentar planos de correcção dos
problemas. O secretário de Estado do Ambiente anunciou, o ano passado, que
estaria a fazer “todos os esforços” para aprovar a lei ProSolos até ao final de
junho passado.
O Partido Ecologista Os Verdes (PEV) questionou
também o Governo, sobre qual a razão para a lei Prosolos ainda não ter sido
aprovada em Conselho de Ministros. Mas o gabinete do Ministério do Ambiente
afirma apenas que “no âmbito do projecto de diploma ProSolos, a matéria
encontra-se regulada”.
Segundo Cláudia
Madeira, a lei ProSolos “ajudaria a evitar situações como as que se passaram em
Lisboa, no Parque das Nações, em que o novo proprietário afirma apenas ter tido
conhecimento da contaminação dos solos aquando do início das obras, pois julgava
ter adquirido terrenos não contaminados”. “Não existe uma lei que obrigue a
entidade que vende um terreno a comprovar que esse terreno está descontaminado.
Há problemas relacionados com a errada classificação de resíduos e o seu
incorrecto encaminhamento, e a lei Prosolos deverá evitar estas situações”,
lembra, ainda.
Sendo aprovada, será a primeira vez que
Portugal terá uma lei desta índole. As datas anunciadas para a aprovação da
lei, contudo, “mudam todos os anos”, critica Ricardo Berkemeier. “Em 2015, foi
feita uma consulta pública e foi elaborado um relatório, mas alguém com poder
impediu que a lei avançasse. Esse relatório está nas mãos do secretário de
Estado do Ambiente e não nos mostram. Ninguém sabe onde está esse relatório que
devia ser do conhecimento público. É uma desvalorização dramática do que é a
democracia e da própria função da consulta pública. Acho gravíssimo. O hospital
da CUF é apenas a ponta do iceberg na história dos solos contaminados. Há
muitos casos em Lisboa”, acusa.
A Comissão
Técnica criada pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) para monitorizar as
obras com solos contaminados do Parque das Nações era composta por
representantes da APA, da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de
Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT), da Direção Geral da Saúde (DGS), do
Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Lisboa Central, da Câmara Municipal de
Lisboa (CML), da Inspeção-geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do
Ordenamento do Território (IGAMAOT) e do Serviço Municipal de Proteção Civil
(SMPC). O Corvo tentou contactar com a APA, para obter esclarecimentos sobre o
relatório criado pelo grupo de trabalho, mas, até ao momento, não obteve
resposta.
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