O PSD tem um problema com o débito
directo
A caça ao militante de última hora é
uma prática vergonhosa e cada vez menos admissível num tempo em que a denúncia
da pequena trafulhice está ao alcance de um clique.
João Miguel Tavares
4 de Janeiro de 2018, 6:52
Se o caro leitor quiser inscrever-se no PSD tem à sua
disposição uma ficha de militante que consiste em duas páginas com muito
cor-de-laranja e um asterisco no final, a informá-lo de que “o exercício da
militância pressupõe o pagamento de uma quota anual”. Faz todo o sentido que
esta informação não ultrapasse a modesta categoria de asterisco porque em lado
algum da ficha de inscrição se clarifica quais as opções de pagamento ou se
requere o número do NIB.
A quota anual para se ser militante do PSD custa 12 euros.
Um custo de 1-um-1 euro por mês. Ainda assim, quase ninguém paga o ridículo
euro, e o partido não parece preocupar-se muito com isso. O mesmo PSD que fez
parte do grupo dos cinco partidos que andaram a aprovar na clandestinidade
parlamentar novos modos de financiamento partidário – vetados, e muito bem,
pelo Presidente da República – demonstra uma estranha apatia na hora de
recolher o dinheiro que lhe é devido pelos seus próprios militantes.
Não é que as opções de pagamento não existam. O regulamento
de quotizações prevê cinco alternativas: a) multibanco; b) cheque; c) vale
postal; d) transferência bancária; e) débito directo. As opções são muitas,
como se vê. Os resultados são poucos. Jornal de Notícias de 15 de Novembro de
2017: “Dos 215 883 militantes do PSD, apenas 27 025 (12,5%) têm as quotas em
dia.” Um caso grave de falta de empenho militante – que desaparece como que por
magia em vésperas de eleições, quando ocorre o costumeiro surto de militância e
o dinheiro das quotas chove na São Caetano à Lapa como se fosse época das
monções. Jornal de Notícias de 22 de Dezembro de 2017: “Disputa de liderança
entre Rui Rio e Santana Lopes levou 70 mil militantes a fazer pagamentos.
Último dia rendeu 360 mil euros.”
Se as contas do Jornal de Notícias estiverem certas, isso
significa que 30 mil militantes pagaram a quota anual de 12 euros no último dia
do prazo, o que é pouco menos de metade daqueles que poderão votar no dia 13 de
Janeiro (70 385, segundo a secretaria-geral do PSD). Juntando as duas notícias,
vê-se que em pouco mais de um mês os militantes com direito de voto quase
triplicaram. Isto deveria levar qualquer agremiação decente a concluir que tem
um problema grave entre mãos, e que tudo aponta para a constituição de sindicatos
de voto. Infelizmente, não estamos a falar de agremiações decentes.
É verdade que o regulamento de quotizações aprovado em 2014
proíbe “o agrupamento de quotas de diversos militantes num mesmo pagamento”,
mas isso só obriga quem paga quotas alheias a ter de se deslocar mais vezes ao
multibanco ou a passar mais horas a introduzir dados no computador. A
trafulhice é mais trabalhosa, mas não deixa de ser praticada. E a questão é:
estará realmente o PSD interessado em acabar com ela? Tudo indica que não. Do
débito directo às eleições primárias com simpatizantes (como fez o PS em 2014),
não faltam alternativas para aumentar o número de eleitores e tentar combater o
caciquismo. Só que os caciques têm muita força: quanto mais quotas pagarem e
mais militantes transportarem, mais favores recolhem junto dos líderes que
ajudaram a eleger.
A caça ao militante de última hora é uma prática vergonhosa
e cada vez menos admissível num tempo em que a denúncia da pequena trafulhice
está ao alcance de um clique. Infelizmente, o PSD tarda a perceber isso.
Resultado: qualquer líder do PSD começa sempre mal. Ninguém consegue pegar na
laranja sem primeiro sujar as mãos.
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