Prédio municipal
de Arroios ocupado desde setembro desocupado à força pela CML
POR SAMUEL ALEMÃO
• 30 JANEIRO, 2018 •
O prédio
municipal no número 69 da Rua Marques da Silva, junto à Avenida Almirante Reis,
foi desocupado à força, na manhã desta terça-feira (30 de janeiro), numa
operação levada a cabo pelos serviços de património da Câmara Municipal de
Lisboa (CML) e pela polícia municipal, com o apoio da PSP. No momento da
operação de esvaziamento do edifício, que terá começado por volta das 10h, dando
cumprimento a um despacho do vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, apenas
estaria no seu interior uma pessoa, integrante do colectivo que o ocupou, em
setembro do ano passado, numa acção visando protestar contra a falta de
habitação a preços condignos na capital portuguesa.
Muitos dos frequentadores da casa reuniam-se
nas imediações e assistiam, impotentes, à acção de despejo. Não era este o
desfecho esperado, alegam, pois tinham proposto à câmara municipal a realização
de um “concurso público autónomo” de arrendamento. Os deputados do Bloco de
Esquerda (BE) na Assembleia Municipal de Lisboa (AML), presentes no local,
falam numa “acção despropositada” e “demonstrativa de autoritarismo”, em
relação à integral legalidade da qual dizem ter dúvidas. O edifício poderá vir
a ser demolido, no âmbito do projecto de construção do Jardim do Caracol da
Penha, vencedor do Orçamento Participativo de Lisboa 2016-2017. Obra ainda sem
data para começar.
Quando o prédio, património municipal, foi
ocupado, a 15 de setembro de 2017, estava em curso a campanha eleitoral para as
eleições autárquicas. Com os problemas da habitação no centro do debate, o
colectivo entendeu ser aquele um bom momento para chamar a atenção para a
questão, forçando então a entrada num prédio municipal que se encontrava vago
há muitos anos e a sofrer um acelerado processo de degradação. Ao longo dos
últimos três meses, o imóvel ocupado foi palco de diversas actividade
sócio-culturais e de debates, organizadas por um grupo agregado sob a designação
Assembleia de Ocupação de Lisboa (AOLX).
As questões relacionadas com a dificuldade em
encontrar habitação em Lisboa a valores aceitáveis, como o sejam os processos
especulativos associados à enorme demanda por parte de investidores estrangeiros
e à cada vez maior pressão turística, fizeram parte das frequentes discussões.
A ocupação era uma forma de alertar para a necessidade urgente de respostas
políticas para tão grave problema. Mas, apesar da forma pouco ortodoxa do
processo, os ocupantes sempre se disseram “dispostos a dialogar” com a CML.
E voltaram a fazê-lo nesta terça-feira, já sem
possibilidade de entrarem no prédio e mantidos a uma distância de segurança,
atrás das barreiras policiais. “Logo a 15 de setembro, notificámos a CML, a polícia
municipal, a PSP e a Procuradoria Geral da República, entre outras entidades,
da acção que estávamos a desenvolver. Mantivemos sempre a disponibilidade para
dialogar com o presidente da câmara, a quem enviámos uma carta explicando a
nossa posição. Ainda há pouco dias, havíamos reiterado a nossa disponibilidade
para dialogar, mas nunca obtivémos resposta”, diz a O Corvo um dos membros do
colectivo AOLX, Pedro Rita, lamentando que a autarquia da capital “tenha
“optado pela força e pela violência e não pelo diálogo”.
Isto numa altura em que, assegura, estaria a
ser ultimada uma proposta concreta à Câmara de Lisboa para a realização de “um
concurso público autónono” para a atribuição daqueles seis fogos a quem deles
necessitasse, com “rendas justas”. De acordo com os planos dos activistas
urbanos, cada apartamento seria arrendado por 80 euros mensais. Uma experiência
em relação à qual a autarquia da capital, dona do imóvel, não se terá mostrado
seduzida. Por isso, decidiu avançar com a acção de desocupação e limpeza do
imóvel.
Tiago Ivo Cruz, deputado municipal do Bloco de
Esquerda, esteve presente no local e, após dialogar com uma responsável
municipal, disse aos jornalistas não ter dúvidas tratar-se de uma acção
“despropositada e desproporcionada” e uma “acção demonstrativa de
autoritarismo”. “Alegam que estam a cumprir um despacho do vereador, mas nada
disto foi discutido. As pessoas não foram notificadas e nós também fomos
apanhados desprevenidos”, garante o eleito bloquista, lembrando as condições
específicas em que a ocupação foi realizada, no final do verão passado: “Não
foi uma ocupação violenta, não se destruiu património nem houve violência
contra ninguém. Estamos a falar de um local que serviu de palco para
actividades sócio-culturais”. Tiago Ivo Cruz assegura que o BE vai interpelar a
CML sobre a questão, garantindo ainda que uma boa solução para um caso como
este passaria por a “realização de uma hasta pública” para atribuição de
habitação a custos controlados.
Também Rita Silva, da Associação Habita,
esteve no local e disse a O Corvo ter dúvidas sobre a legalidade daquela acção
de despejo. Admitindo que a ocupação terá ocorrido à margem da lei, alega,
contudo, ser este um caso claro de utilidade “sócio-cultural” e de óbvia
legitimidade da ocupação, tendo em conta os graves problemas habitacionais da
cidade. “A CML tem muitas casas vazias e se a sua função social não está a ser
cumprida, com o património deixado a degradar-se, sem que se perceba a vontade
da autarquia em dar-lhe uso, podemos falar num processo legítimo. Estamos a
falar de um espaço que tinha uma actividade sócio-cultural e podia ser parte da
solução. Se calhar, deveria ter havido um diálogo, para se tentar encontrar uma
solução. Mas a Câmara de Lisboa preferiu esta solução”, diz.
Texto: Samuel Alemão
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