Satisfeitos com a
vinda da Amazon para Portugal !?
Mais ‘adeuses’ a
este tipo de Livrarias, referências do Património Cultural e da Identidade
Local perspectivam-se ...
OVOODOCORVO
O adeus à
Leitura é (mais) um alerta para um ofício “em extinção”
Livraria
histórica do Porto vai fechar portas a meses de completar 50 anos. Lá dentro,
escreveu-se parte da história da cidade — e do país
MARIANA CORREIA
PINTO 26 de Janeiro de 2018, 20:34
Estava ainda em
processo de digestão da despedida da sua biblioteca e acervo de arte decretada
por “necessidade” quando, esta semana, uma outra notícia chegava para o
entristecer. Fernando Fernandes soube por um jornalista do fim da Leitura, a
livraria que fundou em 1958, ainda sob o nome de Divulgação, e que por quase 50
anos foi “espaço de resistência” e lugar de culto para quem gostava de livros.
Desde 1999 que o “poeta do livro” está afastado do histórico espaço na baixa do
Porto, mas a tristeza não se amansou por isso. “Está ali muito trabalho
acumulado e agora fica destruído de um dia para o outro.”
Como noticiava o
Jornal de Notícias desta sexta-feira, a livraria — incorporada no grupo
Civilização em 2005 — decretou insolvência a 15 de Janeiro. Os quatro
trabalhadores, com salários em atraso há coisa de um ano, esperam agora
contacto do administrador de insolvência. Ao que o PÚBLICO apurou, a decisão
vinha sendo arrastada há vários anos e “questões logísticas e de falta de
liquidez” acabaram por decretar o veredicto final, que Pedro Moura Bessa,
presidente da Administração do grupo editorial Civilização, não quis comentar.
Uma certa
nostalgia, de um tempo que em breve deixará de ter rasto, vem crescendo nos
últimos tempos em Fernando Fernandes. “As livrarias estão todas a desaparecer”,
diz em tom de lamento. E para essa morte anunciada parece não haver antídoto
possível. As “novas tecnologias” carregam alguma culpa, mas há raízes mais
profundas no problema: “Isto está ligado ao desaparecimento de muitos
livreiros, verdadeiros amantes de livros. O que existe agora, com raras
excepções, são vendedores de livros.”
Muitos dos que
vão parar ao sector “estão de passagem” — às vezes entre uma licenciatura e um
mestrado, a fintar o desemprego nas suas áreas de formação — e “não sabem nada
de nada”. Ainda há dias, o “sr. livro” pediu à mulher que aproveitasse uma
saída de casa para comprar um exemplar que queria ler. Mas, no regresso, chegou
com a indicação de que a obra não estava disponível. Fernando Fernandes pôs-se
a caminho do espaço e, em pouco tempo, ele mesmo descobriu o que queria nas
estantes. “É inadmissível que isto aconteça, muitas vezes é mesmo
desinteresse”, lamenta.
Por não ver uma
“renovação” no sector, di-lo sem hesitar, ainda que repleto de mágoa: “Livreiro
é uma profissão em extinção.” Ao longo dos anos, antes de se reformar, integrou
várias iniciativas que procuravam salvar o ofício, criando “a figura do
livreiro”, conta. “Tentamos tudo, até criar um mestrado. Mas não houve
sucesso.”
Muita da história
da Leitura “está ainda por contar”, diz a aguçar o apetite para uma conversa
que facilmente daria... um livro: “O que ali se passou conta parte da história
da cidade.” No arquivo fotográfico guardado nas gavetas lá de casa, Fernandes
guarda dezenas de imagens dos muitos nomes da literatura portuguesa que
passaram pela sua casa, noutros tempos com duas entradas: a Rua José Falcão (a
que ainda se mantém) e a Rua de Ceuta.
Aquilino Ribeiro,
José Cardoso Pires, Virgílio Ferreira, Mário Sacramento, Ferreira de Castro.
“Foram tantos”, comenta a puxar pela memória. Do autor de A Selva guarda, por
exemplo, uma fotografia “tirada na garagem daquilo que veio a ser o [cinema]
Nun’Álvares”. E de Aquilino e outros lembra-se bem das imensas filas que se
formavam Rua de Ceuta abaixo para as sessões de lançamento dos livros. “Por
esses anos, [década de 60], a Associação de Jornalistas [e Homens de Letras do
Porto] fazia, depois das apresentações, colóquios dirigidos pelo Óscar Lopes.”
À livraria de
Fernando Fernandes chegavam centenas de livros importados, numa altura em que a
censura era fantasma constante. E ali ia quem buscava o que não se podia ler.
Um dia, recorda, entrou-lhe pela porta um jornalista do Jornal de Notícias a
pedir-lhe livros do García Lorca. Ele fitou-o e pediu-lhe que aguardasse uns
minutos: “Fui ao sítio secreto e rapei de lá dois ou três livros do Lorca, um
deles o Romanceiro Gitano”, conta. Foi como um acontecimento para aquele
cliente. “Contou-me depois que, em homenagem àquele momento, passou a comprar
um livro nesse dia todos os anos.” No fundo, resume, fazer parte daqueles meios
“era uma forma de ser anti-salazarista”.
Mas também houve
histórias de amor. Homens “entre os 35 e os 45 anos, idades de separação”
depois do enamoramento amansado, confidenciavam-lhe as suas relações para lhe
pedir ajuda depois: “Queriam que escolhesse o livro perfeito para oferecerem às
mulheres.” “É óbvio que isto dá muito trabalho”, comenta, “mas não é essa
também a magia da profissão?”
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