Bloco e PCP dão
ao PS aquilo que o PSD nunca dará
É bastante mais
fácil governar sem a chinfrineira diária dos bloquistas e dos comunistas.
João Miguel
Tavares
27 de Janeiro de
2018, 6:22
António Costa
declarou publicamente, sem qualquer ambiguidade, que o Bloco e o PCP têm sido
óptimos parceiros do Governo, e que “quando se está bem acompanhado não se muda
de companhia”. Que é como quem diz: “Vá para o fim da fila, caro Rui Rio, que
estes senhores estão primeiro.” É uma declaração de amor que não espanta nem um
bocadinho. As chatices ocasionais que Bloco e PCP possam ter dado ao PS ao
longo dos últimos dois anos são mais do que compensadas pela melhor prenda que
qualquer governo já recebeu desde o 25 de Abril: quatro anos de paz social e
sindicatos a ronronar.
Inventou-se uma
intimidade ideológica entre o PS e os partidos à sua esquerda para camuflar uma
constatação muito prática: é bastante mais fácil governar sem a chinfrineira
diária dos bloquistas e dos comunistas, e com a CGTP limitada a ocasionais
provas de vida para justificar os salários de Arménio Carlos e Mário Nogueira.
Claro que poderíamos colocar a hipótese de PSD e CDS ocuparem o território da
extrema-esquerda, assumindo-se como novos paladinos do descontentamento social.
Mas isso é mais fácil de dizer do que de fazer. Não só os dois partidos estão
ainda marcados pela austeridade da era Passos Coelho, como os automatismos da
gritaria não nascem de geração espontânea. O protesto tem as suas rotinas, que
a extrema-esquerda pratica há pelo menos 40 anos, se não quisermos recuar até à
publicação dos primeiros escritos de Karl Marx.
Desde a
implantação da democracia desenvolveu-se uma forma específica de protestar e
uma forma específica de noticiar esses protestos: 1) greve marcada pelos
sindicatos, 2) directos matinais em local combinado previamente com as
estruturas sindicais, 3) perguntas a manifestantes colocados em redor das
câmaras, 4) fim do directo com depoimento do presidente do sindicato, que
consegue o pleno: após falar para a TVI, diz o mesmo à SIC, e depois à RTP.
Segue-se o anúncio da percentagem da paralisação, entre 90 e 100%. Em casos de
maior dimensão, marcha-se em direcção ao Parlamento para o número da escadaria,
com mais ou menos empurrões. A esquerda faz isto desde 1974, e fá-lo como
ninguém.
E, no entanto,
António Costa conseguiu que ela deixasse de o fazer em 2016 e 2017 — a tal paz
social. Só se ele fosse doido é que trocava isto pelos consensos estruturais de
Rui Rio, até porque é cada vez mais evidente que os desejos reformistas de
Costa são muito modestos. Não é que ele seja adepto de um país parado — justiça
lhe seja feita: mudou Lisboa como poucos —, mas é certamente adepto de que o
país se mexa fazendo o menor barulho possível. António Costa é um político
especial por duas razões. Em primeiro lugar, porque só ele viu e acreditou numa
legislatura de quatro anos apoiada pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP (é certo
que estava em causa a sua cabeça, o que tende a aguçar os instintos de
sobrevivência, mas o mérito é dele). Em segundo lugar, porque percebeu com Passos
Coelho que o excesso de verdade em política é um caminho para o desastre.
Vivemos há dois
anos num clima de pura dissimulação que tem feito maravilhas pelo PS nas
sondagens. A esquerda finge que a página de austeridade foi virada. As pessoas
fingem que têm mais dinheiro no bolso no final do mês. O país finge que os seus
problemas foram resolvidos. E o sol brilha lá fora. É natural que Rui Rio se
queira juntar a esta dança. É ainda mais natural que António Costa não tenha
qualquer interesse em trocar de par.
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