Para aqueles que
se interessam por estes temas, aqui vai o último artigo, publicado no último
dia do saudoso Local do Público em Novembro de 2012
António Sérgio
Rosa de Carvalho
O papel do
jornalismo no exercício da cidadania
SÉRGIO ROSA DE
CARVALHO 4 de Novembro de 2012, 0:00
Já se tinham
ouvido rumores de uma inevitável crise de sustentabilidade financeira no
PÚBLICO, que veio acentuar e agravar a crise de conteúdos e do jornalismo de
qualidade nesta fase incerta de transição para o digital.
De qualquer
maneira, em ambos os suportes (papel e digital) o desafio de um jornalismo de
qualidade, sério, confrontador e acima de tudo amante da honestidade e fiel à
verdade só se pode basear numa premissa. Ou seja, na busca dos factos
sustentada por critérios rigorosos de investigação, baseada em fontes primárias
ligadas à origem dos acontecimentos e respectivo processo de comparação com os
testemunhos e declarações dos intervenientes.
Ora, perante a
velocidade exigida pelo produto jornalístico no presente e acima de tudo no
digital, perante uma crise financeira determinada pela crise de publicidade
disponível, perante a tendência para produzir com jovens jornalistas
inexperientes pagos em estágios baratos, o jornalista maduro, profissional,
experiente e com quadro de seriedade e ética passa a ser visto como alguém
demasiado lento, dispendioso, e "complicado" nos seus conteúdos
analíticos e reflectidos. Alguém desenquadrado dos ritmos produtivos baseados
no imediato e no efémero.
E acima de tudo
alguém que incomoda.
Ora, incomodar,
questionar, investigar, comparar e expor relatando de forma crítica e
inquiridora os factos constituem a essência do bom jornalismo.
Quando exerce bem
e de forma equilibrada a sua actividade, o jornalista torna-se no maior
guardião e estímulo dinamizador da qualidade da democracia.
E agora, desta
palavra democracia associada a uma insubstituível liberdade de expressão, passo
a uma outra interligada: cidadania.
Com efeito, a
progressiva tendência e tentativa de participação dos cidadãos nos processos de
decisão está ligada a um amadurecimento da própria democracia, a uma crise de
representatividade da própria democracia, mas também às crescentes tensões
vindas da crise e de um novo meio de expressão e comunicação: a Internet.
No entanto, para
não se limitar a uma cacofonia caótica inefectiva e auto-aniquiladora, essa
mesma cidadania participativa necessita de enquadramentos e contextos
condutores.
Ora, esse tem
sido o papel dialéctico e enriquecedor de conteúdos e contextos que o
jornalismo de qualidade da secção Local do PÚBLICO tem garantido.
Daí a minha
profunda preocupação com a ideia de que esta equipa de jornalistas altamente
profissionais, experientes e competentes do Local, que tanto tem representado,
ao longo dos anos, para o país e para Lisboa, seja destruída e dispersa.
Perante a máquina
manipulativa de criação de murmúrios e recados das agências de comunicação ou
de jornalistas perversamente convertidos à "desinformação" e
"neutralização", a democracia empobrece e com ela a nossa capacidade
de discenirmento crítico, e, consequentemente, um perigoso sentimento de
impotência e frustração.
No momento em que
escrevo, desconheço o desfecho deste processo preocupante que o Local do
PÚBLICO atravessa nesta crise.
Mas este
testemunho de reconhecimento e de solidariedade transporta uma outra preocupação
relacionada com a própria cidadania.
A cidadania terá
de garantir a sua própria evolução e consolidação através de um amadurecimento
organizativo, mantendo a sua dinâmica e autenticidade espontânea.
Mas, por agora,
uma grande saudação aos jornalistas verdadeiros, amantes da verdade!
Historiador de arquitectura
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