OPERAÇÃO LEX
Juiz Rui Rangel
suspeito de vender decisões judiciais
Magistrado da
Relação de Lisboa também venderia a influência que alegadamente tinha junto de
colegas.
MARIANA OLIVEIRA
e ANA HENRIQUES 31 de Janeiro de 2018, 6:29
O juiz Rui
Rangel, constituído arguido nesta terça-feira no âmbito da Operação Lex, é
suspeito de vender, a troco de dinheiro, decisões judiciais, mas também de
vender a sua influência no desfecho de processos judiciais que não estavam nas
suas mãos, junto de outros colegas magistrados, apurou o PÚBLICO. Neste
momento, a investigação não recolheu indícios de que os juízes que de facto
tinham os casos entre mãos fossem influenciados por Rui Rangel, que, no
entanto, iludiria quem lhe pagava.
Entre os
“clientes” do juiz do Tribunal da Relação de Lisboa estará o presidente do
Benfica, Luís Filipe Vieira, que terá pago pela influência do juiz na resolução
de um processo fiscal que envolvia o filho e estava pendente nos tribunais
administrativos e fiscais. É por este motivo que Vieira foi constituído arguido
no âmbito desta investigação, que, para já, não parece ter nada a ver com o
clube que dirige.
Igualmente
constituída arguida foi a juíza-desembargadora Fátima Galante, que formalmente
ainda é casada com Rui Rangel, mas de quem este está separado de facto há mais
de década e meia. No entanto, os dois sempre mantiveram boas relações, tendo a
Polícia Judiciária detectado entre ambos inúmeras movimentações em numerário.
Envolvido nos movimentos de dinheiro aparece o advogado José Bernardo Santos
Martins, um dos cinco detidos pela Polícia Judiciária esta terça-feira, que
seria amigo de longa data de Rangel e que a polícia acredita que serviria de
intermediário do juiz. O advogado usaria o seu único filho, também detido esta
terça-feira, para camuflar os beneficiários finais do dinheiro, por vezes
Rangel, por vezes Galante.
Tanto magistrados
próximos de Rangel, como elementos ligados à investigação, notam que Rui Rangel
mantinha um nível de vida faustoso, incompatível com os rendimentos recebidos
na magistratura. O juiz-desembargador vivia num condomínio de luxo, guiava
carros topo de gama e gostava de fazer férias dispendiosas, algumas das quais
acompanhado pelo advogado Santos Martins.
O empresário José
Veiga não está entre os seis arguidos constituídos esta terça-feira, mas a sua
condição de suspeito na Operação Lex deve ser formalizada nos próximos dias. Em
causa, segundo apurou o PÚBLICO, está a alegada compra da influência de Rangel
junto dos colegas da Relação de Lisboa que decidiram, em 2013, em sede de
recurso, o caso da fraude fiscal associada à transferência do jogador João
Pinto para o Sporting. O futebolista viu confirmada a condenação determinada em
primeira instância, mas tanto José Veiga, como outros intervenientes, como Luís
Duque, acabaram por ser absolvidos naquela instância superior.
Nesta terça-feira
a PJ fez cinco detenções, quatro homens e uma mulher, neste caso. Além dos já
referidos, foram detidos mais um advogado e um oficial de justiça da Relação de
Lisboa, bem como a mãe da filha mais nova de Rui Rangel.
O número de
detenções foi divulgado pela PJ num comunicado. "No decurso da operação
foram realizadas trinta e três buscas, sendo vinte domiciliárias, três a
escritórios de advogados, sete a empresas e três a postos de trabalho",
precisa a nota.
Os detidos serão
presente ao Supremo Tribunal de Justiça para primeiro interrogatório judicial e
aplicação das medidas de coacção, o que só deve acontecer nesta quarta-feira.
Só depois deverão ser ouvidos os dois juízes desembargadores.
A residência e o
gabinete de Rui Rangel foram alvo de buscas, no âmbito desta megaoperação da PJ
que envolveu centena e meia de investigadores. As buscas visaram a residência
do presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, e instalações da Benfica SAD.
Aqui, segundo o Correio da Manhã, os polícias terão estado no gabinete do
vice-presidente Fernando Tavares. O Benfica reagiu logo de manhã garantindo,
num comunicado publicado online, que o clube "nada tem a ver" com
este processo.
A
Procuradoria-Geral da República precisou que o inquérito investiga
"suspeitas de crimes de recebimento indevido de vantagem, ou eventualmente
de corrupção, de branqueamento de capitais, tráfico de influência e de fraude
fiscal". Na nota confirma-se igualmente que esta investigação nasceu de um
outro processo, o Rota do Atlântico que também se mantém actualmente em
investigação, centrado na actividade do empresário José Veiga.
A operação desta
terça-feira foi acompanhada pelo antigo Procurador-Geral da República, José
Souto Moura, actualmente juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, a
quem cabe o papel de juiz de instrução neste caso. Como um dos suspeitos é um
juiz desembargador, a investigação teve de ser conduzida pelo Ministério
Público (MP) junto do Supremo Tribunal de Justiça. O inquérito a Rui Rangel
está a ser dirigido pelo coordenador do
MP neste tribunal, o procurador geral-adjunto Paulo Sousa, que tem estado a
investigar o caso com a ajuda de diversos procuradores do Departamento Central
de Investigação e Acção Penal, que investiga a Rota do Atlântico.
A lei impede a
detenção neste momento quer de Rui Rangel quer de Fátima Galante. Segundo o
Estatuto dos Magistrados Judiciais, os juízes não podem ser presos ou detidos
sequer preventivamente antes de haver uma data marcada para o seu julgamento.
Rui Rangel só poderia ser detido se tivesse sido apanhado em flagrante por
crime punível com mais de três anos de cadeia.
Porém, não é
líquido que não possa ser submetido a prisão domiciliária, se Souto Moura
entender que a medida se mostra necessária para evitar uma eventual fuga ou
mesmo destruição de provas. É que quando o estatuto dos magistrados foi
aprovado, em 1985, faltavam três anos para surgir em Portugal a detenção
caseira com pulseira electrónica, razão pela qual as normas que regem a
actuação dos juízes são omissas em relação à aplicação de uma medida de coacção
deste género.
Ainda de acordo
com o mesmo estatuto, quaisquer buscas a magistrados judiciais, seja na sua
casa ou no seu local de trabalho, têm de ser dirigidas pelo juiz competente -
ou seja, de uma hierarquia superior à do suspeito - e também acompanhadas por um representante do
Conselho Superior da Magistratura.
Não podendo ser
presos neste momento, pelo menos na cadeia, Rui Rangel e Fátima Galante podem,
no entanto, ver-lhes ser decretada por Souto Moura a suspensão preventiva das
funções de juízes. Medida que, de resto, também pode ser tomada pelo Conselho
Superior da Magistratura no âmbito de eventuais processos disciplinares abertos
na sequência dos acontecimentos desta terça-feira.
Questionado pelo
PÚBLICO sobre se tenciona tomar tal tipo de providência na sequência de os
juízes em causa terem sido constituídos arguidos, aquele órgão disciplinar da
magistratura não deu qualquer resposta sobre o assunto, tendo apenas referido
que ainda tem pendente um inquérito que abriu a Rui Rangel em Outubro de 2016,
depois de este ter sido implicado na operação Rota do Atlântico.
RUI RANGEL
Rui Rangel. As 5
polémicas do juiz que quis ser presidente do Benfica e apadrinhou um partido
Miguel Santos
Carrapatoso
30/1/2018, 21:22
Candidatou-se à presidência
do Benfica, ajudou a pensar um partido, foi penhorado e acusado de plágio. A
Operação Marquês devolveu-o às primeiras páginas. Rui Rangel, um juiz mediático
e controverso.
Preferiu sempre
os holofotes mediáticos do que a reserva dos gabinetes da Justiça. E foi muitas
vezes criticado por isso. Em 2012, candidatou-se contra Luís Filipe Vieira à
presidência do Benfica, que então considerou o grande responsável pelo divórcio
do clube da Luz com os “sócios, a democracia e a liberdade”. Quatro anos
depois, sairia em sua defesa, descrevendo-o como “grande e incontestável líder
do Benfica”. Na política, apadrinhou o nascimento do “Nós, Cidadãos”, que teve
pouco mais de 21 mil votos nas legislativas de 2015. Criticou abertamente
colegas de profissão, dizendo que eram a “classe menos confiável em Portugal”.
Como desembargador da Relação acabou com o segredo de justiça interno na
Operação Marquês, criticou o juiz Carlos Alexandre e o procurador Rosário
Teixeira e acabou afastado do processo que tem José Sócrates como principal
arguido por dúvidas sobre a imparcialidade depois de ter dado ao
ex-primeiro-ministro a sua única vitória judicial. Esta terça-feira, foi alvo
de buscas e constituído arguido por suspeitas de ter tentado influenciar
decisões judiciais a troco pagamentos milionários.
O caso da então
mulher, Fátima Galante, que agora volta a ser arguida
Juiz há mais de
30 anos, com uma vida pública preenchida, a Rui Rangel não lhe faltam
polémicas. A primeira em que se viu envolvido nem o teve como principal
protagonista. Logo em 1996, a juíza Fátima Galante (então mulher de Rangel) e o
solicitador Hernâni Patuleia foram envolvidos num caso de corrupção, depois de
terem sido implicados num esquema de alegado favorecimento a uma das partes em
disputa num processo judicial. Galante acabaria por ver a acusação de corrupção
passiva arquivada pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Patuleia, esse, foi
condenado por corrupção ativa na forma tentada a três anos de prisão com pena
suspensa.
Em outubro de
1998, num artigo de opinião publicado no Diário de Notícias, o jornalista
Emídio Rangel (então diretor de informação da SIC e irmão de Rui) saudava o
arquivamento do inquérito que envolvia a cunhada e acusava os advogados Gouveia
Gomes Fernandes e Freitas e Costa (que representavam uma das partes no mesmo
processo) de implicar Fátima Galante no alegado esquema de corrupção para obter
ganhos de causa junto da Polícia Judiciária. Na resposta, os dois juristas, que
revelaram aos investigadores as tentativas de extorsão de Patuleia em troca de
uma decisão favorável de Galante, acusavam os tribunais de favorecerem a mulher
de Rui Rangel por se tratar de uma magistrada judicial.
A juíza acabaria
por interpor um processo contra os advogados por ofensa à sua reputação e ainda
contra o semanário O Independente (entretanto extinto). A justiça portuguesa
deu razão à queixosa, mas, em 2011, o Estado português seria condenado pelo
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a compensar os advogados em 41.500 euros
por violação da liberdade de imprensa.
O nome de Fátima
Galante, entretanto divorciada de Rui Rangel, salta agora novamente para a
ribalta. Entre as 20 buscas domiciliárias realizadas esta segunda-feira no
âmbito da Operação Lex, sabe o Observador, encontram-se as casas do juiz
desembargador Rui Rangel, da sua ex-mulher, a juíza desembargadora Fátima
Galante. A magistrada foi constituída arguida na Operação LEX.
[Os talões, o
seguro e os emails a pedir dinheiro. Veja no vídeo alguns indícios contra Rui
Rangel e as polémicas do juiz]
Eliseu Bumba, os
livros jurídicos e a “porta do cavalo”
Esta não é a
primeira vez que Rui Rangel se vê envolvido em processos judiciais. Em novembro
de 2015, os procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal
(DCIAP) participaram ao Conselho Superior da Magistratura (CSM), o órgão de
gestão e disciplina dos juízes, um negócio que terá envolvido Rui Rangel e um
dos principais arguidos no processo Vistos Gold. Como explicava aqui o
Observador, Rangel terá negociado com Bumba, secretário do Consulado-Geral de
Angola em Portugal e empresário, a produção de livros jurídicos, o que pode
constituir uma violação do regime de exclusividade a que estão sujeitos os juízes.
Em novembro de
2013, Rui Rangel viajou entre Lisboa e Luanda juntamente com o filho. A
despesa, na ordem dos 8.400 euros, acreditam os investigadores, terá sido
suportada por Eliseu Bumba — algo que Rui Rangel sempre refutou. As suspeitas
nasceram depois de António Figueiredo, ex-presidente do Instituto dos Registos
do Notariado e um dos principais arguidos no processo, ter admitido aos
procuradores que Rangel tinha negociado com Eliseu Bumba a elaboração de
Códigos Jurídicos. No processo, há mesmo uma escuta em que Figueiredo se queixa
ao juiz Antero Luís de que Rangel estaria a “receber pela porta do cavalo“.
Como escreveu o
Observador, com base no despacho de acusação a que teve então acesso, António
Figueiredo “teve conhecimento que o juiz desembargador Rui Rangel teria
negociado com Eliseu Bumba a elaboração de códigos jurídicos, percecionando-o
como um seu concorrente uma vez que, pelo trabalho daquele, via defraudadas
algumas expectativas que tinha em obter elevados ganhos monetários”.
A investigação do
Ministério Público terá ainda apurado que um livro da Coimbra Editora
intitulado “Código de Registo Civil Anotado e Legislação Complementar”, pago
pela instituição Merap, liderada por Bumba, terá sido “afinal escrito pelo juiz
desembargador Rui Rangel”. Rangel fez inclusivamente a apresentação pública do
livro em Luanda, no dia 20 de junho de 2014. Na presença de Rui Mangueira,
ministro da Justiça de Angola, e dos “formais co-autores da obra: Isabel
Almeida e Eliseu Bumba”.
Segundo a
acusação do Ministério Público, Bumba e Rui Rangel conheceram-se em 2013,
quando o desembargador da Relação de Lisboa terá ministrado formação a juízes
do Tribunal Constitucional de Angola através da Merap, empresa de Bumba.
As ligações ao
universo benfiquista
As ligações ao
Benfica também lhe valeram alguns dissabores. Em 2012, quando anunciou a
candidatura ao cargo de presidente do Benfica, a decisão causou mal-estar entre
os magistrados do Tribunal da Relação de Lisboa que há muito defendem que
nenhum magistrado desempenhe cargos desportivos. Na época, o Conselho Superior
da Magistratura chegou a sugerir ao juiz que suspendesse o exercício das suas
funções, enquanto decorresse a campanha eleitoral do clube. Rangel não o fez.
O caso levantava
ainda mais reservas porque, à época dos factos, Rangel tinha em mãos um
processo que envolvia 29 elementos da claque dos No Name Boys, condenados em
2010 por tráfico de estupefacientes, posse de arma ilegal, ofensa qualificada à
integridade física, entre outros crimes. O juiz desembargador acabou por pedir
escusa já durante o período de campanha, pedido que acabaria negado depois de
Rangel ter perdido as eleições.
A guerra contra
Luís Filipe Vieira foi igualmente dura. Rangel, que terá contado com o apoio do
ex-empresário de futebol e ex-dirigente benfiquista José Veiga, fez campanha
exigindo uma auditoria às contas dos encarnados, alegando que havia “pessoas à
volta do Benfica” que tinham ficado “mais ricas”, enquanto o clube ficava “mais
pobre”. Sob a liderança de Vieira, dizia Rangel, o Benfica divorciara-se “dos
sócios, da democracia e da liberdade”.
Numa resposta
particularmente violenta, o presidente encarnado acusou Rangel de “não perceber
nada da realidade do Benfica” e de “envergonhar a magistratura”. O juiz
acabaria por perder por uma larga margem, recebendo apenas 13% dos votos.
Quatro anos depois, já em 2016, Rangel não só teceu rasgados elogios a Luís
Filipe Vieira, o “grande e incontestável líder do Benfica”, como apoiou
publicamente a recandidatura do atual presidente do Benfica.
Os três — Rangel,
Veiga e Vieira — surgem agora num triângulo cujas ligações estão ainda por
esclarecer. A Operação Lex, que envolve Rui Rangel, nasceu de uma certidão
retirada da operação Rota do Atlântico, iniciada no início de 2016 e que tem em
José Veiga e Paulo Santana Lopes (irmão de Pedro Santana Lopes) os dois
principais arguidos.
Segundo a investigação,
os dois — Veiga e Paulo Santana Lopes — funcionariam como alegados
intermediários num esquema de corrupção envolvendo membros do Governo da
República do Congo. Os suspeitos terão atribuído vantagens a governantes
congoleses em troca de contratos de obras públicas e de construção civil. O
nome de Rangel terá surgido quando a polícia conseguiu identificar os alegados
testas-de-ferro do esquema. O juiz desembargador é suspeito de ter recebido
dinheiro de José Veiga, que teria chegado às mãos de Rangel através do filho do
advogado José Bernardo Santos Martins, amigo do juiz. Durante buscas ao
advogado Santos Martins, as autoridades terão encontrado talões de depósito,
sempre abaixo dos 10 mil euros (montante que não é obrigatório declarar), e
e-mails recorrentes de Rui Rangel a pedir dinheiro ao amigo.
Santos Martins e
o filho foram também alvo das buscas desta terça-feira.
Esta terça-feira,
Luís Filipe Vieira foi constituído arguido no âmbito da Operação Lex que
envolve precisamente Rui Rangel. O presidente do Benfica tem como medida de
coação o termo de identidade e residência, sendo suspeito de tráfico de
influências, e deve ser interrogado nos próximos dias.
A decisão surge
depois de os investigadores terem feito buscas no Estádio da Luz, com especial
enfoque no escritório do dirigente Fernando Tavares, vice-presidente para as
modalidades dos encarnados — amigo pessoal de Rui Rangel, membro da lista de
Rangel patrocinada por Veiga e derrotada nas eleições de 2012. Outro dos
críticos de Vieira nessa altura — chegou a dizer ao Expresso que Vieira se
achava “dono” do clube — e que acabou por ser a grande surpresa nas listas de
Vieira quando esta se recandidatou em 2016.
Fernando Tavares,
vice-presidente do Benfica com a pasta das modalidades, também foi constituído
arguido, de acordo com informação avançada pela TVI 24 e que foi confirmada
pelo Observador. Tavares, que foi apoiante de Rui Rangel em 2012 quando o juiz
se candidatou à liderança do Benfica contra Luís Filipe Vieira, será suspeito
do mesmo crime do líder benfiquista: tráfico de influência.
As críticas à
“classe menos confiável do país” e a dívida da operação estética
O excesso de
protagonismo mediático de Rui Rangel valeu-lhe críticas entre magistrados. As
ligações ao Benfica, o facto de ter apadrinhado a formação de um partido
político (o Nós, Cidadãos) ou de ter fundado a Associação Juízes pela Cidadania
(AJpC), que nunca se coibiu de propor publicamente reformas na Justiça, foram
sempre olhados com reserva por muitos magistrados. Chegou a ter espaços de
comentário e debate no Correio da Manhã e na RTP, experiências que lhe valeram
o rótulo (depreciativo) de juiz comentador e algumas infrações disciplinares.
As pequenas
polémicas que orbitaram em torno de Rangel ajudaram a alimentar “alguns
anticorpos” que gerou entre a classe, como o próprio chegou a admitir em
declarações ao jornal i. Em 2014, foi alvo de uma penhora por falta de
pagamento a uma empresa de reparação de automóveis. Antes, já tinha sido
condenado por falta de pagamento a uma clínica de estética Perfect Shape, num
litígio que envolvia uma dívida por tratamentos de modelação corporal para
redução do abdómen.
Habituado às
críticas dos pares, Rui Rangel acabou por perder a paciência em 2015, depois de
o Correio da Manhã ter avançado que o juiz desembargador se arriscava a ser
alvo de um processo disciplinar do Conselho Superior da Magistratura por ter,
alegadamente, plagiado outros magistrados e um professor universitário no
acórdão em que de terminou o fim do segredo de justiça na Operação Marquês.
Dessa vez, ouvido pelo jornal i, Rangel atirou-se à classe:
“Não faço parte
do grupo de juízes cinzentões que acham que estão fechados numa redoma de vidro.
Os juízes, infelizmente, não sabem ser membros de um poder soberano, agem com
mentalidade de funcionários públicos. São a classe menos confiável em
Portugal“, criticava então Rui Rangel. Agora, terá de se defender não apenas
perante a classe.
As críticas a
Carlos Alexandre, a decisão a favor de Sócrates e o impedimento final
A polémica mais
recente em que apareceu envolvido o juiz desembargador da Relação de Lisboa
surgiu no âmbito do inquérito judicial ao ex-primeiro-ministro José Sócrates.
Como comentador na TVI24 num painel sobre a Operação Marquês, em junho de 2015,
o juiz tinha falado da manutenção da medida de prisão preventiva sobre
Sócrates, como esta tinha sido decidida pelo juiz Carlos Alexandre, para dizer
que o pior que podia acontecer era a Justiça reagir “epidermicamente, de forma
vingativa, só porque o arguido usou de um direito e de prerrogativa legal”.
A intervenção foi
ouvida no meio judicial como uma crítica direta à decisão de Carlos Alexandre e
Rangel foi mesmo alvo de uma pena disciplinar (de quinze dias), “por violação
do dever de reserva”, aplicada pelo Conselho Superior de Magistratura, pelas
declarações feitas na televisão. Foi também à luz destas declarações que acabou
por ser visto, poucos meses depois, o acórdão de Rangel sobre o pedido da
defesa de José Sócrates para ter acesso total às provas recolhidas e ao
processo.
Em setembro de
2015, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu pelo levantamento do segredo de
Justiça interno do processo Operação Marquês. Rui Rangel foi o juiz-desembargador
que, a par com Francisco Carmelo, decidiu dar aos arguidos total acesso ao
processo. O acórdão era especialmente crítico para o procurador Rosário
Teixeira e o juiz Carlos Alexandre, recusando que os arguidos fossem “vítimas
de truques”, ao não terem o acesso que pretendiam, e falava mesmo numa
“autoestrada do segredo de justiça” que desprotege “ de forma grave os
interesses e garantias da defesa do arguido”. O texto da decisão ainda fazia
referência ao “tanto tempo” que já levava a investigação ao
ex-primeiro-ministro. O Ministério Público tentou anular a decisão que
considerava inconstitucional, mas o recurso foi apreciado pelo próprio Rui
Rangel que manteve a sua posição, não admitindo o pedido.
Dois anos depois,
novo caso, no mesmo processo. Em abril de 2017, José Sócrates requereu a
nulidade do inquérito de que estava a ser alvo. A defesa do
ex-primeiro-ministro queixava-se de prazos que “não podem estar sujeitos às
estratégias, à discricionariedade e à arbitrariedade das polícias ou dos
senhores procuradores” e de que existiam “sucessivas violações do segredo de
justiça permitidas ou promovidas pelos responsáveis do inquérito” que estavam a
viciar o inquérito. O requerimento apareceu pouco depois de a Procuradora-geral
da República decidir prolongar o prazo para a conclusão do inquérito.
Aqui voltou a
entrar Rui Rangel, já que o recurso interposto por José Sócrates seria
apreciado, no Tribunal da Relação, pelo juiz desembargador. Mas o Ministério
Público pediu escusa de Rangel, por “considerar existir motivo sério e grave,
adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do magistrado judicial”. O
pedido foi aceite pelo Supremo Tribunal de Justiça que determinou que “fica o
juiz desembargador Rui Manuel de Freitas Rangel impedido de intervir no
processo NUIPC 122/13.8TELSB (Operação Marquês) do Tribunal Central de
Instrução Criminal”.
Agora, aos 62
anos (nasceu em Angola a 12 de março de 1955), dos quais 35 de magistratura
(estudou Direito em Lisboa, é magistrado desde 82 e há 13 anos juiz
desembargador), volta a estar envolvido num processo que pode ser o mias
complicado e polémico da carreira.
Artigo alterado às 00h05m
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