quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Luís Filipe Vieira é mesmo arguido e tem termo de identidade e residência / Juiz Rui Rangel suspeito de vender decisões judiciais / Rui Rangel. As 5 polémicas do juiz que quis ser presidente do Benfica e apadrinhou um partido


RUI RANGEL
Luís Filipe Vieira é mesmo arguido e tem termo de identidade e residência

Depois de buscas na Luz, Vieira será arguido por suspeita de tráfico de influências. Rangel é suspeito de tráfico de influências, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Foram constituídos arguidos

Rita Cipriano

Luís Filipe Vieira já foi mesmo constituído arguido e tem como medida de coação termo de identidade e residência. O presidente do Benfica é suspeito de tráfico de influências. O juiz desembargador Rui Rangel é suspeito do mesmo crime, e também de fraude fiscal e branqueamento de capitais, mas ainda não foi constituído arguido.

Apesar de o Observador ter a informação confirmada por várias fontes, fonte oficial do Benfica assegura que Vieira “não foi constituído arguido” e que a “informação de um alegado termo de identidade e residência é absurda”.

Ao que o Observador apurou, informação que foi confirmada por fonte do clube da Luz, Luís Filipe Vieira recusou-se a assinar a notificação do mandado de busca judicial assinado por um juiz de instrução criminal que legitimou buscas à sua residência e ao seu gabinete de trabalho. Mas isso não impede que alguém seja constituído arguido.

A operação LEX levou esta manhã de quinta-feira a 33 buscas, 20 domiciliárias, “três a escritórios de advogados, sete a empresas e três a postos de trabalho”, refere um comunicado emitido ao final da manhã desta terça-feira pela PJ. Entre as buscas domiciliárias realizadas, sabe o Observador, encontram-se as casas do juiz desembargador Rui Rangel, da sua ex-mulher, a juíza desembargadora Fátima Galante e a do presidente do Benfica. Houve também buscas no Estádio da Luz, com especial enfoque no escritório do dirigente Fernando Tavares, vice-presidente para as modalidades.

A operação foi realizada “a nível nacional” através da Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC). As buscas em vários pontos do país envolveram mais de 150 inspetores da PJ. Ao todo são já conhecidos cinco detidos: o advogado Santos Martins, o seu filho, um oficial de justiça, um outro advogado e a mãe de uma filha de Rangel, Rita Figueira.

Em causa estão, segundo a Procuradoria-Geral da República, “suspeitas de crimes de recebimento indevido de vantagem, ou, eventualmente, de corrupção, de branqueamento de capitais, tráfico de influência e de fraude fiscal”. Contudo, o Ministério Público e a PJ estão concentrados no crime de tráfico de influências uma vez que Rui Rangel e Fátima Galante são suspeitos de alegadamente terem tomado decisões “de favor”. Os alegados beneficiários serão diversos empresários cuja identidade o Observador ainda não conseguiu confirmar.

As operações estão a ser acompanhadas por José Souto Moura, conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que está em causa um juiz

Luís Filipe Vieira arguido. Rangel e ex-mulher constituídos arguidos
De acordo com o Correio da Manhã, além das casas de Rui Rangel e da ex-mulher, que já foram constituídos arguidos os inspetores da PJ estão também a fazer buscas no Tribunal da Relação de Lisboa, onde o juiz exerce funções, na casa de Vieira e na SAD do Benfica. O gabinete de Fernando Tavares, vice-presidente do clube para as modalidades, terá sido o principal alvo dos inspetores da PJ. Rangel foi candidato à presidência do clube em 2012 e mantém uma relação de grande proximidade com o vice-presidente dos encarnados (que apoiou a sua candidatura) e também com Luís Filipe Vieira (de quem Tavares é agora, de novo, vice-presidente).

Num comunicado publicado no site oficial ao final da manhã, o clube da Luz publicou um “esclarecimento sobre interpretações totalmente especulativas”, confirmando “a realização de buscas no âmbito de uma investigação que não tem por objeto o clube e que se encontra em segredo de justiça“. “Nada tendo a ver o âmbito do processo com o Sport Lisboa e Benfica, são totalmente especulativas todas as interpretações que envolvam o nome desta instituição”, refere ainda a nota. O advogado do clube, João Correia, fala em “perseguição”.

Sobre Luís Filipe Vieira, que já foi constituído arguido e sujeito a termo de identidade e residência, recaem suspeitas de ter cometido o crime de tráfico de influências. Rui Rangel e a ex-mulher já foram constituídos arguidos e submetidos a um primeiro interrogatório judicial, como previsto no mandado de busca. Vieira também vai ser interrogado.

Souto Moura está a acompanhar operação
A operação está a ser acompanhada pelo antigo procurador-geral da República, José Souto Moura, juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Souto Moura estará a representar o papel de juiz de instrução criminal. Ou seja, é o procurador-geral adjunto que tem o processo no STJ quem terá solicitado a Souto Moura autorização para realizar as buscas domiciliárias e não domiciliárias que estão em curso em diversos pontos do país, uma vez que o caso envolve um juíz desembargador.

A realização de buscas em “vários locais, designadamente no Tribunal da Relação de Lisboa”, foi confirmada ao Observador pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que explicou que “as diligências decorrem no âmbito de um inquérito dirigido pelo Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, com a coadjuvação de magistrados do DCIAP”.

“Este processo teve origem numa certidão extraída da designada Operação ‘Rota do Atlântico'”, adiantou ainda a PGR, o que significa que este processo pode não estar diretamente relacionado com o caso que envolve o empresário José Veiga, mas ter apenas levado à descoberta de evidências que conduziram à sua abertura.

Iniciado em inícios de 2016, o processo “Rota do Atlântico” tem como principais alvos o empresário José Veiga e o sócio Paulo Santana Lopes (irmão de Pedro Santana Lopes), que funcionariam como alegados intermediários num esquema de corrupção envolvendo membros do governo da República do Congo. De acordo com a TVI 24, Veiga e Santana terão atribuído vantagens a governantes congoleses em troca de contratos de obras públicas e de construção civil. O nome de Rangel terá surgido quando a polícia conseguiu identificar os alegados testas-de-ferro do esquema.

Há mais de um ano, o jornal Correio da Manhã revelou que o juiz desembargador era suspeito de ter recebido dinheiro de José Veiga, que teria chegado às mãos de Rangel do filho do advogado José Bernardo Santos Martins, amigo de juiz. Durante buscas ao advogado Santos Martins, as autoridades terão encontrado talões de depósito, sempre abaixo dos 10 mil euros (montante que não é obrigatório declarar), e emails recorrentes de Rui Rangel a pedir dinheiro ao amigo.

A investigação ao juiz foi confirmada em outubro de 2016 pela Procuradoria-Geral da República. Em março do ano passado, o Correio da Manhã noticiou que a Procuradora-Geral da República Joana Marques Vidal tinha mandado reforçar a equipa que investigava Rui Rangel, destacando mais dois magistrados do DCIAP.

Terá sido neste âmbito que o Ministério Público terá extraído uma certidão que foi enviada para Supremo Tribunal de Justiça. A notícia surgiu apenas um mês depois de o Ministério Público ter avançado com um pedido de escusa do juiz, a quem tinha sido atribuído um recurso de José Sócrates na “Operação Marquês”. Em comunicado, a Procuradoria confirmou que o requerimento foi feito por “considerar” que existia um “motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do magistrado judicial”.

Cinco pessoas detidas, incluindo José Bernardo Santos Martins
O advogado Santos Martins está entre os cinco detidos esta terça-feira. Os outros três são um oficial de justiça, um outro advogado, o filho de um dos advogados e a mãe da filha de Rangel, Rita Figueira, soube o Observador.

“Os detidos irão ser presentes à autoridade judiciária competente para primeiro interrogatório judicial e aplicação das medidas de coação tidas por adequadas”, refere a nota divulgada ao início da tarde. Entretanto, as buscas terminaram por hoje e os inspectores da PJ e magistrados do MP já saíram da casa de Rui Rangel.


OPERAÇÃO LEX
Juiz Rui Rangel suspeito de vender decisões judiciais

Magistrado da Relação de Lisboa também venderia a influência que alegadamente tinha junto de colegas.

MARIANA OLIVEIRA e ANA HENRIQUES 31 de Janeiro de 2018, 6:29

O juiz Rui Rangel, constituído arguido nesta terça-feira no âmbito da Operação Lex, é suspeito de vender, a troco de dinheiro, decisões judiciais, mas também de vender a sua influência no desfecho de processos judiciais que não estavam nas suas mãos, junto de outros colegas magistrados, apurou o PÚBLICO. Neste momento, a investigação não recolheu indícios de que os juízes que de facto tinham os casos entre mãos fossem influenciados por Rui Rangel, que, no entanto, iludiria quem lhe pagava.

Entre os “clientes” do juiz do Tribunal da Relação de Lisboa estará o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, que terá pago pela influência do juiz na resolução de um processo fiscal que envolvia o filho e estava pendente nos tribunais administrativos e fiscais. É por este motivo que Vieira foi constituído arguido no âmbito desta investigação, que, para já, não parece ter nada a ver com o clube que dirige.

Igualmente constituída arguida foi a juíza-desembargadora Fátima Galante, que formalmente ainda é casada com Rui Rangel, mas de quem este está separado de facto há mais de década e meia. No entanto, os dois sempre mantiveram boas relações, tendo a Polícia Judiciária detectado entre ambos inúmeras movimentações em numerário. Envolvido nos movimentos de dinheiro aparece o advogado José Bernardo Santos Martins, um dos cinco detidos pela Polícia Judiciária esta terça-feira, que seria amigo de longa data de Rangel e que a polícia acredita que serviria de intermediário do juiz. O advogado usaria o seu único filho, também detido esta terça-feira, para camuflar os beneficiários finais do dinheiro, por vezes Rangel, por vezes Galante.

Tanto magistrados próximos de Rangel, como elementos ligados à investigação, notam que Rui Rangel mantinha um nível de vida faustoso, incompatível com os rendimentos recebidos na magistratura. O juiz-desembargador vivia num condomínio de luxo, guiava carros topo de gama e gostava de fazer férias dispendiosas, algumas das quais acompanhado pelo advogado Santos Martins.

O empresário José Veiga não está entre os seis arguidos constituídos esta terça-feira, mas a sua condição de suspeito na Operação Lex deve ser formalizada nos próximos dias. Em causa, segundo apurou o PÚBLICO, está a alegada compra da influência de Rangel junto dos colegas da Relação de Lisboa que decidiram, em 2013, em sede de recurso, o caso da fraude fiscal associada à transferência do jogador João Pinto para o Sporting. O futebolista viu confirmada a condenação determinada em primeira instância, mas tanto José Veiga, como outros intervenientes, como Luís Duque, acabaram por ser absolvidos naquela instância superior.

Nesta terça-feira a PJ fez cinco detenções, quatro homens e uma mulher, neste caso. Além dos já referidos, foram detidos mais um advogado e um oficial de justiça da Relação de Lisboa, bem como a mãe da filha mais nova de Rui Rangel.

O número de detenções foi divulgado pela PJ num comunicado. "No decurso da operação foram realizadas trinta e três buscas, sendo vinte domiciliárias, três a escritórios de advogados, sete a empresas e três a postos de trabalho", precisa a nota.

Os detidos serão presente ao Supremo Tribunal de Justiça para primeiro interrogatório judicial e aplicação das medidas de coacção, o que só deve acontecer nesta quarta-feira. Só depois deverão ser ouvidos os dois juízes desembargadores.

A residência e o gabinete de Rui Rangel foram alvo de buscas, no âmbito desta megaoperação da PJ que envolveu centena e meia de investigadores. As buscas visaram a residência do presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, e instalações da Benfica SAD. Aqui, segundo o Correio da Manhã, os polícias terão estado no gabinete do vice-presidente Fernando Tavares. O Benfica reagiu logo de manhã garantindo, num comunicado publicado online, que o clube "nada tem a ver" com este processo.

A Procuradoria-Geral da República precisou que o inquérito investiga "suspeitas de crimes de recebimento indevido de vantagem, ou eventualmente de corrupção, de branqueamento de capitais, tráfico de influência e de fraude fiscal". Na nota confirma-se igualmente que esta investigação nasceu de um outro processo, o Rota do Atlântico que também se mantém actualmente em investigação, centrado na actividade do empresário José Veiga.

A operação desta terça-feira foi acompanhada pelo antigo Procurador-Geral da República, José Souto Moura, actualmente juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, a quem cabe o papel de juiz de instrução neste caso. Como um dos suspeitos é um juiz desembargador, a investigação teve de ser conduzida pelo Ministério Público (MP) junto do Supremo Tribunal de Justiça. O inquérito a Rui Rangel está a ser  dirigido pelo coordenador do MP neste tribunal, o procurador geral-adjunto Paulo Sousa, que tem estado a investigar o caso com a ajuda de diversos procuradores do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, que investiga a Rota do Atlântico.

A lei impede a detenção neste momento quer de Rui Rangel quer de Fátima Galante. Segundo o Estatuto dos Magistrados Judiciais, os juízes não podem ser presos ou detidos sequer preventivamente antes de haver uma data marcada para o seu julgamento. Rui Rangel só poderia ser detido se tivesse sido apanhado em flagrante por crime punível com mais de três anos de cadeia.

Porém, não é líquido que não possa ser submetido a prisão domiciliária, se Souto Moura entender que a medida se mostra necessária para evitar uma eventual fuga ou mesmo destruição de provas. É que quando o estatuto dos magistrados foi aprovado, em 1985, faltavam três anos para surgir em Portugal a detenção caseira com pulseira electrónica, razão pela qual as normas que regem a actuação dos juízes são omissas em relação à aplicação de uma medida de coacção deste género.

Ainda de acordo com o mesmo estatuto, quaisquer buscas a magistrados judiciais, seja na sua casa ou no seu local de trabalho, têm de ser dirigidas pelo juiz competente - ou seja, de uma hierarquia superior à do suspeito -  e também acompanhadas por um representante do Conselho Superior da Magistratura.

Não podendo ser presos neste momento, pelo menos na cadeia, Rui Rangel e Fátima Galante podem, no entanto, ver-lhes ser decretada por Souto Moura a suspensão preventiva das funções de juízes. Medida que, de resto, também pode ser tomada pelo Conselho Superior da Magistratura no âmbito de eventuais processos disciplinares abertos na sequência dos acontecimentos desta terça-feira.


Questionado pelo PÚBLICO sobre se tenciona tomar tal tipo de providência na sequência de os juízes em causa terem sido constituídos arguidos, aquele órgão disciplinar da magistratura não deu qualquer resposta sobre o assunto, tendo apenas referido que ainda tem pendente um inquérito que abriu a Rui Rangel em Outubro de 2016, depois de este ter sido implicado na operação Rota do Atlântico.



RUI RANGEL
Rui Rangel. As 5 polémicas do juiz que quis ser presidente do Benfica e apadrinhou um partido

Miguel Santos Carrapatoso
30/1/2018, 21:22

Candidatou-se à presidência do Benfica, ajudou a pensar um partido, foi penhorado e acusado de plágio. A Operação Marquês devolveu-o às primeiras páginas. Rui Rangel, um juiz mediático e controverso.

Preferiu sempre os holofotes mediáticos do que a reserva dos gabinetes da Justiça. E foi muitas vezes criticado por isso. Em 2012, candidatou-se contra Luís Filipe Vieira à presidência do Benfica, que então considerou o grande responsável pelo divórcio do clube da Luz com os “sócios, a democracia e a liberdade”. Quatro anos depois, sairia em sua defesa, descrevendo-o como “grande e incontestável líder do Benfica”. Na política, apadrinhou o nascimento do “Nós, Cidadãos”, que teve pouco mais de 21 mil votos nas legislativas de 2015. Criticou abertamente colegas de profissão, dizendo que eram a “classe menos confiável em Portugal”. Como desembargador da Relação acabou com o segredo de justiça interno na Operação Marquês, criticou o juiz Carlos Alexandre e o procurador Rosário Teixeira e acabou afastado do processo que tem José Sócrates como principal arguido por dúvidas sobre a imparcialidade depois de ter dado ao ex-primeiro-ministro a sua única vitória judicial. Esta terça-feira, foi alvo de buscas e constituído arguido por suspeitas de ter tentado influenciar decisões judiciais a troco pagamentos milionários.

O caso da então mulher, Fátima Galante, que agora volta a ser arguida

Juiz há mais de 30 anos, com uma vida pública preenchida, a Rui Rangel não lhe faltam polémicas. A primeira em que se viu envolvido nem o teve como principal protagonista. Logo em 1996, a juíza Fátima Galante (então mulher de Rangel) e o solicitador Hernâni Patuleia foram envolvidos num caso de corrupção, depois de terem sido implicados num esquema de alegado favorecimento a uma das partes em disputa num processo judicial. Galante acabaria por ver a acusação de corrupção passiva arquivada pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Patuleia, esse, foi condenado por corrupção ativa na forma tentada a três anos de prisão com pena suspensa.

Em outubro de 1998, num artigo de opinião publicado no Diário de Notícias, o jornalista Emídio Rangel (então diretor de informação da SIC e irmão de Rui) saudava o arquivamento do inquérito que envolvia a cunhada e acusava os advogados Gouveia Gomes Fernandes e Freitas e Costa (que representavam uma das partes no mesmo processo) de implicar Fátima Galante no alegado esquema de corrupção para obter ganhos de causa junto da Polícia Judiciária. Na resposta, os dois juristas, que revelaram aos investigadores as tentativas de extorsão de Patuleia em troca de uma decisão favorável de Galante, acusavam os tribunais de favorecerem a mulher de Rui Rangel por se tratar de uma magistrada judicial.

A juíza acabaria por interpor um processo contra os advogados por ofensa à sua reputação e ainda contra o semanário O Independente (entretanto extinto). A justiça portuguesa deu razão à queixosa, mas, em 2011, o Estado português seria condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a compensar os advogados em 41.500 euros por violação da liberdade de imprensa.

O nome de Fátima Galante, entretanto divorciada de Rui Rangel, salta agora novamente para a ribalta. Entre as 20 buscas domiciliárias realizadas esta segunda-feira no âmbito da Operação Lex, sabe o Observador, encontram-se as casas do juiz desembargador Rui Rangel, da sua ex-mulher, a juíza desembargadora Fátima Galante. A magistrada foi constituída arguida na Operação LEX.

[Os talões, o seguro e os emails a pedir dinheiro. Veja no vídeo alguns indícios contra Rui Rangel e as polémicas do juiz]

Eliseu Bumba, os livros jurídicos e a “porta do cavalo”
Esta não é a primeira vez que Rui Rangel se vê envolvido em processos judiciais. Em novembro de 2015, os procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) participaram ao Conselho Superior da Magistratura (CSM), o órgão de gestão e disciplina dos juízes, um negócio que terá envolvido Rui Rangel e um dos principais arguidos no processo Vistos Gold. Como explicava aqui o Observador, Rangel terá negociado com Bumba, secretário do Consulado-Geral de Angola em Portugal e empresário, a produção de livros jurídicos, o que pode constituir uma violação do regime de exclusividade a que estão sujeitos os juízes.

Em novembro de 2013, Rui Rangel viajou entre Lisboa e Luanda juntamente com o filho. A despesa, na ordem dos 8.400 euros, acreditam os investigadores, terá sido suportada por Eliseu Bumba — algo que Rui Rangel sempre refutou. As suspeitas nasceram depois de António Figueiredo, ex-presidente do Instituto dos Registos do Notariado e um dos principais arguidos no processo, ter admitido aos procuradores que Rangel tinha negociado com Eliseu Bumba a elaboração de Códigos Jurídicos. No processo, há mesmo uma escuta em que Figueiredo se queixa ao juiz Antero Luís de que Rangel estaria a “receber pela porta do cavalo“.

Como escreveu o Observador, com base no despacho de acusação a que teve então acesso, António Figueiredo “teve conhecimento que o juiz desembargador Rui Rangel teria negociado com Eliseu Bumba a elaboração de códigos jurídicos, percecionando-o como um seu concorrente uma vez que, pelo trabalho daquele, via defraudadas algumas expectativas que tinha em obter elevados ganhos monetários”.

A investigação do Ministério Público terá ainda apurado que um livro da Coimbra Editora intitulado “Código de Registo Civil Anotado e Legislação Complementar”, pago pela instituição Merap, liderada por Bumba, terá sido “afinal escrito pelo juiz desembargador Rui Rangel”. Rangel fez inclusivamente a apresentação pública do livro em Luanda, no dia 20 de junho de 2014. Na presença de Rui Mangueira, ministro da Justiça de Angola, e dos “formais co-autores da obra: Isabel Almeida e Eliseu Bumba”.

Segundo a acusação do Ministério Público, Bumba e Rui Rangel conheceram-se em 2013, quando o desembargador da Relação de Lisboa terá ministrado formação a juízes do Tribunal Constitucional de Angola através da Merap, empresa de Bumba.

As ligações ao universo benfiquista
As ligações ao Benfica também lhe valeram alguns dissabores. Em 2012, quando anunciou a candidatura ao cargo de presidente do Benfica, a decisão causou mal-estar entre os magistrados do Tribunal da Relação de Lisboa que há muito defendem que nenhum magistrado desempenhe cargos desportivos. Na época, o Conselho Superior da Magistratura chegou a sugerir ao juiz que suspendesse o exercício das suas funções, enquanto decorresse a campanha eleitoral do clube. Rangel não o fez.

O caso levantava ainda mais reservas porque, à época dos factos, Rangel tinha em mãos um processo que envolvia 29 elementos da claque dos No Name Boys, condenados em 2010 por tráfico de estupefacientes, posse de arma ilegal, ofensa qualificada à integridade física, entre outros crimes. O juiz desembargador acabou por pedir escusa já durante o período de campanha, pedido que acabaria negado depois de Rangel ter perdido as eleições.

A guerra contra Luís Filipe Vieira foi igualmente dura. Rangel, que terá contado com o apoio do ex-empresário de futebol e ex-dirigente benfiquista José Veiga, fez campanha exigindo uma auditoria às contas dos encarnados, alegando que havia “pessoas à volta do Benfica” que tinham ficado “mais ricas”, enquanto o clube ficava “mais pobre”. Sob a liderança de Vieira, dizia Rangel, o Benfica divorciara-se “dos sócios, da democracia e da liberdade”.

Numa resposta particularmente violenta, o presidente encarnado acusou Rangel de “não perceber nada da realidade do Benfica” e de “envergonhar a magistratura”. O juiz acabaria por perder por uma larga margem, recebendo apenas 13% dos votos. Quatro anos depois, já em 2016, Rangel não só teceu rasgados elogios a Luís Filipe Vieira, o “grande e incontestável líder do Benfica”, como apoiou publicamente a recandidatura do atual presidente do Benfica.

Os três — Rangel, Veiga e Vieira — surgem agora num triângulo cujas ligações estão ainda por esclarecer. A Operação Lex, que envolve Rui Rangel, nasceu de uma certidão retirada da operação Rota do Atlântico, iniciada no início de 2016 e que tem em José Veiga e Paulo Santana Lopes (irmão de Pedro Santana Lopes) os dois principais arguidos.

Segundo a investigação, os dois — Veiga e Paulo Santana Lopes — funcionariam como alegados intermediários num esquema de corrupção envolvendo membros do Governo da República do Congo. Os suspeitos terão atribuído vantagens a governantes congoleses em troca de contratos de obras públicas e de construção civil. O nome de Rangel terá surgido quando a polícia conseguiu identificar os alegados testas-de-ferro do esquema. O juiz desembargador é suspeito de ter recebido dinheiro de José Veiga, que teria chegado às mãos de Rangel através do filho do advogado José Bernardo Santos Martins, amigo do juiz. Durante buscas ao advogado Santos Martins, as autoridades terão encontrado talões de depósito, sempre abaixo dos 10 mil euros (montante que não é obrigatório declarar), e e-mails recorrentes de Rui Rangel a pedir dinheiro ao amigo.

Santos Martins e o filho foram também alvo das buscas desta terça-feira.

Esta terça-feira, Luís Filipe Vieira foi constituído arguido no âmbito da Operação Lex que envolve precisamente Rui Rangel. O presidente do Benfica tem como medida de coação o termo de identidade e residência, sendo suspeito de tráfico de influências, e deve ser interrogado nos próximos dias.

A decisão surge depois de os investigadores terem feito buscas no Estádio da Luz, com especial enfoque no escritório do dirigente Fernando Tavares, vice-presidente para as modalidades dos encarnados — amigo pessoal de Rui Rangel, membro da lista de Rangel patrocinada por Veiga e derrotada nas eleições de 2012. Outro dos críticos de Vieira nessa altura — chegou a dizer ao Expresso que Vieira se achava “dono” do clube — e que acabou por ser a grande surpresa nas listas de Vieira quando esta se recandidatou em 2016.

Fernando Tavares, vice-presidente do Benfica com a pasta das modalidades, também foi constituído arguido, de acordo com informação avançada pela TVI 24 e que foi confirmada pelo Observador. Tavares, que foi apoiante de Rui Rangel em 2012 quando o juiz se candidatou à liderança do Benfica contra Luís Filipe Vieira, será suspeito do mesmo crime do líder benfiquista: tráfico de influência.

As críticas à “classe menos confiável do país” e a dívida da operação estética
O excesso de protagonismo mediático de Rui Rangel valeu-lhe críticas entre magistrados. As ligações ao Benfica, o facto de ter apadrinhado a formação de um partido político (o Nós, Cidadãos) ou de ter fundado a Associação Juízes pela Cidadania (AJpC), que nunca se coibiu de propor publicamente reformas na Justiça, foram sempre olhados com reserva por muitos magistrados. Chegou a ter espaços de comentário e debate no Correio da Manhã e na RTP, experiências que lhe valeram o rótulo (depreciativo) de juiz comentador e algumas infrações disciplinares.

As pequenas polémicas que orbitaram em torno de Rangel ajudaram a alimentar “alguns anticorpos” que gerou entre a classe, como o próprio chegou a admitir em declarações ao jornal i. Em 2014, foi alvo de uma penhora por falta de pagamento a uma empresa de reparação de automóveis. Antes, já tinha sido condenado por falta de pagamento a uma clínica de estética Perfect Shape, num litígio que envolvia uma dívida por tratamentos de modelação corporal para redução do abdómen.

Habituado às críticas dos pares, Rui Rangel acabou por perder a paciência em 2015, depois de o Correio da Manhã ter avançado que o juiz desembargador se arriscava a ser alvo de um processo disciplinar do Conselho Superior da Magistratura por ter, alegadamente, plagiado outros magistrados e um professor universitário no acórdão em que de terminou o fim do segredo de justiça na Operação Marquês. Dessa vez, ouvido pelo jornal i, Rangel atirou-se à classe:

“Não faço parte do grupo de juízes cinzentões que acham que estão fechados numa redoma de vidro. Os juízes, infelizmente, não sabem ser membros de um poder soberano, agem com mentalidade de funcionários públicos. São a classe menos confiável em Portugal“, criticava então Rui Rangel. Agora, terá de se defender não apenas perante a classe.

As críticas a Carlos Alexandre, a decisão a favor de Sócrates e o impedimento final
A polémica mais recente em que apareceu envolvido o juiz desembargador da Relação de Lisboa surgiu no âmbito do inquérito judicial ao ex-primeiro-ministro José Sócrates. Como comentador na TVI24 num painel sobre a Operação Marquês, em junho de 2015, o juiz tinha falado da manutenção da medida de prisão preventiva sobre Sócrates, como esta tinha sido decidida pelo juiz Carlos Alexandre, para dizer que o pior que podia acontecer era a Justiça reagir “epidermicamente, de forma vingativa, só porque o arguido usou de um direito e de prerrogativa legal”.

A intervenção foi ouvida no meio judicial como uma crítica direta à decisão de Carlos Alexandre e Rangel foi mesmo alvo de uma pena disciplinar (de quinze dias), “por violação do dever de reserva”, aplicada pelo Conselho Superior de Magistratura, pelas declarações feitas na televisão. Foi também à luz destas declarações que acabou por ser visto, poucos meses depois, o acórdão de Rangel sobre o pedido da defesa de José Sócrates para ter acesso total às provas recolhidas e ao processo.

Em setembro de 2015, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu pelo levantamento do segredo de Justiça interno do processo Operação Marquês. Rui Rangel foi o juiz-desembargador que, a par com Francisco Carmelo, decidiu dar aos arguidos total acesso ao processo. O acórdão era especialmente crítico para o procurador Rosário Teixeira e o juiz Carlos Alexandre, recusando que os arguidos fossem “vítimas de truques”, ao não terem o acesso que pretendiam, e falava mesmo numa “autoestrada do segredo de justiça” que desprotege “ de forma grave os interesses e garantias da defesa do arguido”. O texto da decisão ainda fazia referência ao “tanto tempo” que já levava a investigação ao ex-primeiro-ministro. O Ministério Público tentou anular a decisão que considerava inconstitucional, mas o recurso foi apreciado pelo próprio Rui Rangel que manteve a sua posição, não admitindo o pedido.

Dois anos depois, novo caso, no mesmo processo. Em abril de 2017, José Sócrates requereu a nulidade do inquérito de que estava a ser alvo. A defesa do ex-primeiro-ministro queixava-se de prazos que “não podem estar sujeitos às estratégias, à discricionariedade e à arbitrariedade das polícias ou dos senhores procuradores” e de que existiam “sucessivas violações do segredo de justiça permitidas ou promovidas pelos responsáveis do inquérito” que estavam a viciar o inquérito. O requerimento apareceu pouco depois de a Procuradora-geral da República decidir prolongar o prazo para a conclusão do inquérito.

Aqui voltou a entrar Rui Rangel, já que o recurso interposto por José Sócrates seria apreciado, no Tribunal da Relação, pelo juiz desembargador. Mas o Ministério Público pediu escusa de Rangel, por “considerar existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do magistrado judicial”. O pedido foi aceite pelo Supremo Tribunal de Justiça que determinou que “fica o juiz desembargador Rui Manuel de Freitas Rangel impedido de intervir no processo NUIPC 122/13.8TELSB (Operação Marquês) do Tribunal Central de Instrução Criminal”.

Agora, aos 62 anos (nasceu em Angola a 12 de março de 1955), dos quais 35 de magistratura (estudou Direito em Lisboa, é magistrado desde 82 e há 13 anos juiz desembargador), volta a estar envolvido num processo que pode ser o mias complicado e polémico da carreira.

Artigo alterado às 00h05m

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