Câmara de Lisboa diz que quer
Alojamento Local a servir como uma ajuda ao sustento das famílias e não dos
negócios de milhões
POR SAMUEL ALEMÃO • 10 JANEIRO, 2018 •
A autarquia da capital garante que pretende travar o número
de unidades de Alojamento Local, mas, ao mesmo tempo, preservar as que servem
de sustento económico a muitas famílias. Aumentar o parque habitacional
público, incentivar o arrendamento de longa duração e apostar numa “verdadeira
regulação do mercado” são outros dos objectivos da vereadora da habitação,
apresentados esta segunda-feira, numa conferência. Helena Roseta, presidente da
Assembleia Municipal de Lisboa, continua empenhada em mudar a política de
habitação da cidade, e diz que que brevemente será do conhecimento público o
ante-projecto do documento que propõe alterações à constituição. A secretária
de Estado da Habitação, Ana Pinho, diz que uma das grandes metas do Governo é
mudar o objecto “casa” para as pessoas. “Temos de nos centrar nas famílias”,
apela.
Texto: Sofia Cristino
Fotografias: David Clifford (Arquivo)
Depois de anunciar a
decisão de aumentar o parque habitacional público, através do Programa de Renda
Acessível, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) anuncia estar, agora, empenhada
em diminuir o número de unidades de Alojamento Local (AL) que não constituam,
essencialmente, uma forma de contributo para o sustento económico de jovens e
famílias. Quem o diz é Paula Marques, vereadora da Habitação. E para que isso
aconteça, pede mudanças legislativas, definindo quotas para as diferentes
tipologias de AL.
“Para além da oferta
pública, que devemos aumentar, facilitava muito aos municípios que pudéssemos
definir quotas para viabilizar ou travar as unidades de Alojamento Local, sem
serem as de complemento económico das famílias. Se não definirmos o que é o AL,
e distinguirmos as pequenas das grandes unidades hoteleiras, não conseguimos
vencer esta batalha. Faremos tudo para que haja uma forte cooperação desde o
Governo aos municípios, organizações locais e moradores”, apelou a autarca,
falando esta segunda-feira (8 de janeiro), no debate “Fórum da Habitação:
Ausências Passadas, Presenças Futuras”, no Instituto de Ciências Sociais, da
Universidade de Lisboa.
A vereadora diz, ainda, que tem de “haver uma política
fiscal direccionada aos proprietários para serem incentivados a fazerem
arrendamento de longa duração” e “uma verdadeira regulação do mercado”. “A
oferta pública de habitação, seja ela através da reabilitação ou de nova
construção, é fundamental e tem de ser aumentada. Mas, a intervenção no que já
existe, também. Temos de encontrar forma de as pessoas não saírem de suas
casas, porque, senão, há uma transferência da habitação privada para a
habitação pública, e os edifícios ficam desabitados”, explica a autarca.
Paula Marques alerta
para os distintos quadros de carência habitacional existentes na cidade de
Lisboa, os quais, segundo a vereadora, vão muito para além de “situações de
exclusão social e vulnerabilidade”. “Os núcleos históricos dominados pela
habitação privada, cujas condições de salubridade são muito precárias,
constituem uma situação de graves carências de habitabilidade. A pressão que o
centro histórico de Lisboa está a sofrer, devido à especulação imobiliária e do
turismo, e a crescente procura pela cidade de Lisboa também provocam uma grave
carência habitacional. Queremos vencer a precarização dos contratos. Há, ainda,
uma necessidade de responder a um novo segmento, a classe média”, sublinha.
Mais de 500 cidadãos deram contributos para a nova geração
de políticas de habitação, um programa de apoio às “graves carências
habitacionais”, com o qual o Governo pretende criar o programa “Primeiro
Direito”. O documento esteve em consulta pública de 16 de outubro a 16 de
dezembro de 2017, tendo recebido 244 contributos, através do Portal do Governo
e 320 no âmbito das cinco sessões públicas organizadas pelo executivo.
O “Primeiro Direito”,
em conjunto com o programa “Porta de Entrada”, vai substituir o Programa
Especial de Realojamento (PER) e o Programa de Financiamento para Acesso à
Habitação (PROHABITA). Pretende-se, com este documento, apresentar novas
soluções habitacionais para as famílias. A secretária de Estado da Habitação,
Ana Pinho, diz que quer ter “um draft [rascunho] do Primeiro Direito”, até ao
final do mês de janeiro e lembra que o compromisso assumido foi o de apresentar
o programa até ao final do primeiro trimestre deste ano.
“Ter um único
documento nacional é um desafio extraordinário, porque os territórios são
diferentes. As áreas periféricas não estão cosidas com o resto da cidade”. É,
também, um dos grandes objectivos do Governo mudar o objecto “casa” para as
pessoas. “Temos de nos centrar nas famílias. Com quem tem graves carências
habitacionais, normalmente, não está tudo bem nas outras dimensões da vida,
como as habilitações literárias e a saúde. Estas e outras valências têm de ser
logo integradas no processo de sinalização, as pessoas têm de ser acompanhadas,
antes do apoio à habitação. A habitação deve ser ponto base do desenvolvimento
das pessoas e não apenas um tecto”, afirma.
Alexandra Gesta,
presidente do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), concorda
com Ana Pinho. “A casa não é só um tecto, é o lugar onde vivemos. Há famílias
desestruturadas e devastadas psicologicamente. Vivemos num sistema capitalista
selvagem. Não podemos esquecer-nos que a saúde mental está a ser descurada e
tem direito a ter um bocadinho de mais atenção. Eu lutarei para que tudo que se
faça nesse sentido”, promete.
Leonor Duarte, uma
das representantes do movimento “Morar em Lisboa”, alerta para o mesmo. “Todos
os arrendatários da cidade de Lisboa estão com medo de ficar sem casa. Há aqui
uma questão de saúde mental também e ninguém fala nisso. Se a política urbana
da cidade de Lisboa e se a política do Governo não se articularem com a
Secretaria de Estado, e senão houver uma verdadeira regulação do mercado,
estaremos sempre como o cão que corre atrás da cauda”, disse.
Rita Silva,
presidente da associação Habita, alerta para as “várias dimensões do sector da
habitação que não estão a ser incluídas no plano do Governo”. “Por mais que se
procure fazer mais, não vale de muito, se não houver regulação do mercado. É
preciso alterar o regime dos vistos Gold e do Estatuto do Residente. Temos um
mercado virado para o mercado estrangeiro, que não é necessariamente o
turístico, o que incentiva à especulação. A sinalização também não pode ficar
nas mãos da autarquia. Tem de haver outra força para além das autarquias”,
sugere.
O debate em torno das
políticas de habitação voltou a entrar em força na agenda política portuguesa,
numa altura em que, aos problemas antigos no sector habitacional, se juntam
novos desafios, como a criação de novas políticas que respondam, não só a necessidades
já sentidas, mas, também, a realidades sociais que hoje afectam diferentes
faixas etárias. O direito à habitação, plasmado na Constituição da República
Portuguesa, voltou a ser visto como uma prioridade nacional, depois de trazidas
a público centenas de situações de despejo e do preço por metro quadrado ter
aumentado na capital portuguesa de uma forma nunca antes vista, expulsando
muitos moradores para as zonas periféricas.
Segundo a presidente
da Assembleia Municipal de Lisboa e deputada na Assembleia da República, Helena
Roseta (PS) – que se encontra a trabalhar no ante-projecto da nova lei de bases
da habitação -, “a liberalização dos arrendamentos, a precarização dos
contratos e a subida vertiginosa das rendas está a deixar a população sem qualquer
protecção”. Roseta fala, ainda, de vários mitos que têm de ser desmistificados
como o de que “já não existem barracas”.
“Há muitas famílias a
precisarem de habitação urgente, a viverem em situações muito precárias. As
condições de habitação é uma das primeiras causas das doenças físicas e
mentais. Em 2015, um terço das habitações tinha infiltrações, com muita
humidade”, diagnostica.
A presidente da
Assembleia da Municipal de Lisboa afirma, também, que é necessário ter em
consideração que “as famílias são muito diferentes”. “Há uma mudança de
estrutura familiar que exige outras necessidades a nível da habitação. Há
famílias com pais numerosos, com filhos de dois casamentos, por exemplo. E
precisam de casas maiores para receberem todos os filhos, esse é outro problema
que não é falado”, denuncia.
“O poder local tem de
fazer frente a pressões globais de mercados planetários. Temos de repensar a
agenda e o investimento público. Cento e tal milhões de euros são para a
habitação e seis mil e tal milhões para educação. É uma discrepância enorme. As
pessoas têm de saber o que o Estado anda a fazer com o dinheiro público”,
assevera.
A deputada
socialista, que está a rever – juntamente com o grupo parlamentar do PS – o
artigo 65º da constituição, o qual consagra o direito à habitação, anunciou que
o ante-projecto de uma nova lei de bases da habitação será apresentado
brevemente.
“Estou a trabalhar na
fase final do ante-projecto e vamos pô-lo cá fora, em breve, para discussão,
para dar às pessoas a oportunidade de dizerem o que querem. Tivemos duas mil
respostas ao inquérito online que fizemos sobre habitação e estamos a lê-las com
atenção, para sermos o mais fiéis possíveis à realidade. O artigo 65º da
Constituição não é mudado há muito tempo e o meu objectivo é dar-lhe outra
normativa. Por exemplo, nenhuma lei diz o que é renda acessível e isto tem de
ficar claro. É um bocado megalómano tentar fazer isto sozinha, mas, já que
estou aqui, vou tentar”, afirma.
“Há muitas políticas
de habitação e temos de fazer um bom mix das políticas que precisamos. Para
isso, é fundamental o feedback das pessoas para afinar as políticas, corrigi-las
e reavaliá-las. A questão dos vistos Gold é uma matéria dura, mas temos que a
trabalhar. Vai ser muito difícil, porque é muito complexa”, admite, ainda.
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