sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Câmara retoma projecto polémico dos azulejos na Praça da Figueira

Este bloco Pombalino é juntamente com o do Largo de S.Paulo o Bloco Arquétipo do Pombalino, tal como foi concebido por Carlos Mardel e Eugénio dos Santos na Casa do Risco. Eles constituem dois testemunhos únicos, intactos nas suas tipologias e Volumetrias, da primeira fase da Reconstrução de Lisboa. Eles mereciam sem dúvida uma classificação como Monumentos Nacionais, onde os exteriores e os interiores seriam obrigatóriamente protegidos na íntegra.
OVOODOCORVO / António Sérgio Rosa de Carvalho ( VER artigo/ comentário em baixo )


O futuro incerto do Largo de S. Paulo, arquétipo do pombalino

Em Lisboa, Manuel Salgado empenhou-se na escolha de um modelo de “desenvolvimento” que permite a destruição sistemática de todas as características do pombalino.

ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO
4 de Outubro de 2017, 6:19

No período de transição na Câmara Municipal de Lisboa (CML) de Santana/Carmona para o de Salgado/Costa, houve conversações entre Maria José Nogueira Pinto e Manuel Salgado sobre o futuro da intenção de candidatar a baixa a Património Mundial.

Esta intenção era baseada no valor único da Baixa Pombalina como conjunto Urbano de Reconstrução/Iluminista no Ocidente, processo cuja importância internacional foi ilustrada de forma completa e abrangente, na obra de José Augusto França.

No entanto, a dimensão patrimonial mais importante do pombalino é invisível. Ela é representada pela estrutura anti-sísmica, desenvolvida em série e estandardização de elementos, por engenheiros militares, a chamada “gaiola”. Esta, junto às tipologias de fachadas, com subtis variações, e constituídas pelas guilhotinas, mansardas, portas e famosos telhados duplos de Carlos Mardel, constituem o arquétipo do projecto único, concebido com Eugénio dos Santos na Casa do Risco.

Ao longo do séc. XIX, na concretização deste grandioso plano, o arquétipo de Mardel/Santos foi sendo alterado através de aumento de andares. Mas ele mantém-se inalterado em dois locais: no Rossio, no bloco do lado da Praça da Figueira, e no Largo de S. Paulo, no seu bloco sul, com traseiras partilhadas com o Mercado da Ribeira.

Ora, se o referido bloco no Rossio aguarda, há anos, por um projecto de hotel e encontra-se em estado lastimoso, o referido bloco sul do Largo de S. Paulo tem projecto anunciado por uma promotora imobiliária para a sua transformação, também, num hotel.

Depois de um curto período inicial positivo de descoberta orgânica e espontânea do potencial dos bares “vintage” na Rua Nova do Carvalho, rapidamente, passou-se à comercialização massificada da zona, através da criação da Rua Cor de Rosa, escandalosa transformação da via pública em plataforma contínua de “botellón” ruidoso e orgiástico com autorização entusiástica e colaboradora de José Sá Fernandes.

Este destruidor e colonizador “fenómeno” alastrou rapidamente, invadindo o Largo de S. Paulo com a sua carga diária de intenso ruído nocturno e devastação, e respectiva degradação da envolvente em sobrecarga humana e produtora de toneladas de lixo.

Manuel Salgado, embora continue a afirmar a intenção de candidatura à UNESCO, empenhou-se na escolha deste modelo de “desenvolvimento”, ao permitir a destruição sistemática de todas as características do pombalino, respectivamente a “gaiola” e respectivos interiores, e permitindo a alteração das características exteriores, chegando ao ponto de estimular sistematicamente a substituição das famosas mansardas de Mardel e respectivas janelas por telhados de zinco. Assim, desenvolveu-se um “fachadismo” omnipotente e omnipresente e destruidor de toda a autenticidade e carácter único do pombalino.

A pergunta fundamental agora é: que tipo de intervenção Salgado vai permitir no referido bloco sul do Largo de S. Paulo, que continua intacto nas suas características exteriores e interiores do pombalino (incluindo os silhares de azulejos pombalinos da Fábrica do Rato) e que constitui um dos últimos monumentos-arquétipos do projecto da Casa do Risco da reconstrução pombalina?

Um hotel vai forçosamente trazer exigências de tranquilidade e civilidade na envolvente, e provavelmente isto ilustra uma consciência crescente por parte da CML, de que a zona atingiu um ponto de saturação insustentável e um ponto de ruptura de degradação e decadência.

Mas os novos “moradores” não irão ser, certamente, os “lisboetas”.
Historiador de Arquitectura

Câmara retoma projecto polémico dos azulejos na Praça da Figueira

Colocação de azulejos no quarteirão da Suíça teve luz verde da Cultura, que diz que a acção reforça o carácter pombalino da praça. Mas, tal como na primeira vez que surgiu o projecto, há opiniões díspares.

JOÃO PEDRO PINCHA 26 de Janeiro de 2018, 8:00

Há uma novidade na Praça da Figueira. A fachada do chamado quarteirão da Suíça está a ser coberta de azulejos azuis, brancos e cinzentos. Trata-se de um projecto antigo da Câmara Municipal de Lisboa que agora ressurge, ainda antes de se conhecer o plano de requalificação da autarquia para aquele espaço.

A ideia de revestir toda a praça a azulejos é de 2001, quando o município, então liderado por João Soares, encomendou ao arquitecto Daciano da Costa um projecto de reabilitação daquele local. Esse projecto tinha duas fases, mas só uma foi concluída.

Os cem mil azulejos então produzidos para a praça nunca chegaram a ser colocados e foram arrumados num armazém em Alcântara. Em 2004, já com Carmona Rodrigues ao leme da câmara, o projecto ressurgiu, mas concluiu-se que eram precisos outros azulejos, uma vez que os primeiros não deixavam respirar as paredes. Mais uma vez, nada aconteceu.

Agora, o quarteirão da Suíça está a ter obras de recuperação das fachadas e dos telhados e a autarquia aproveitou para avançar com a aplicação dos azulejos. Há pelo menos um ano que o assunto está a ser trabalhado na câmara, que enviou o processo para a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) em Abril passado. Segundo o Plano de Pormenor de Salvaguarda da Baixa Pombalina, qualquer intervenção neste quarteirão tem de ser autorizada pela DGPC, que pediu parecer à Secção de Património Arquitectónico e Arqueológico (SPAA) do Conselho Nacional de Cultura.

Esta entidade pronunciou-se em Setembro. No parecer, a que o PÚBLICO teve acesso, confirma-se que a câmara “pretende implementar a 2.ª fase do projecto de reabilitação da Praça da Figueira através de uma intervenção nas fachadas dos edifícios com a colocação de azulejos segundo proposta do mestre Daciano Costa”. Por isso, apesar de o quarteirão ser propriedade privada, as obras contam “com apoio da câmara municipal no fornecimento dos azulejos”, lê-se.

Os membros da SPAA aprovam o projecto atendendo “às características unitárias e significado urbanístico da Praça da Figueira”, que é “distinto da intencionalidade da Praça do Comércio e do Rossio”, e também tendo em conta a “excepcionalidade da proposta do mestre Daciano Costa”.

“Os membros da SPAA consideram que a proposta em causa contribui para o reforço das características pombalinas da Praça da Figueira”, lê-se na conclusão do parecer, que, no entanto, chumba a aplicação de azulejos nas fachadas laterais do quarteirão. O documento tem a assinatura de Paula Araújo da Silva, directora-geral do património cultural.

Projecto sem consenso
O quarteirão da Suíça – assim chamado por se situar nele a Pastelaria Suíça – pertence à Sociedade Hoteleira Seoane. O PÚBLICO contactou esta empresa, mas as questões enviadas ficaram sem resposta. Igualmente por responder ficaram as perguntas enviadas ao atelier Daciano da Costa, actualmente gerido pela arquitecta Ana Costa. A câmara confirma este processo, acrescentando que a colocação de azulejos segue a proposta de Daciano da Costa, que requalificou a praça.    

O parecer da SPAA, de Setembro, lembra que em 2004 a aplicação dos azulejos nas fachadas da praça não foi consensual. O presidente do então Instituto Português do Património Arquitectónico (Ippar, que deu origem à DGPC) pediu opinião ao conselho consultivo e de lá vieram três apreciações díspares: “apenas um dos pareceres [era] concordante com a proposta”.

E também em 2017, quando chegou à DGPC, o assunto levantou dúvidas. Numa informação técnica de Julho lê-se que o Plano de Pormenor de Salvaguarda da Baixa Pombalina “prevê a salvaguarda dos revestimentos primitivos das fachadas” e que as deste quarteirão “se encontravam rebocadas e pintadas”. Assim, o documento termina com uma pergunta: “A alteração do revestimento de fachada do edifício (…) actualmente (e primitivamente) rebocada e pintada, para novo revestimento azulejar, é exemplo valorizador a repercutir no conjunto de interesse público?”

A câmara terá prestado esclarecimentos, porque foi “tendo presente o entendimento do município sobre a referida intervenção” que os membros da SPAA deram luz verde ao projecto.

"Nova paleta de cores"
A aplicação destes azulejos antecipou-se às obras que a autarquia quer fazer na Praça da Figueira no âmbito do programa Uma Praça em Cada Bairro. Ainda não se conhece projecto para essa intervenção, mas no site da câmara está expressa a intenção de “elaborar um estudo de fachadas para a envolvente edificada da rua, que através de uma nova paleta de cores/cenografia permita reforçar o valor arquitectónico da praça pombalina e reforce a sua identificação, com incidência nos rés-do-chão comerciais”.

O quarteirão da Suíça está há muitos anos em avançado estado de degradação e praticamente devoluto do primeiro andar para cima. No ano passado, o vereador do Urbanismo revelou ao Diário de Notícias e à TSF que a câmara tinha intimado os donos do prédio a fazer obras. “Levantaram a licença para fazer as obras de recuperação do telhado e das fachadas há duas semanas”, disse Manuel Salgado, que não se referiu nem a azulejos nem à reabilitação da restante praça. Cerca de um ano antes, Salgado dissera que essa reabilitação só se faria depois de “lançado um concurso de ideias”, que ainda não aconteceu.


A intenção da Sociedade Hoteleira Seoane era fazer do quarteirão um hotel, para o qual existe “um projecto aprovado há muitos anos”, disse Manuel Salgado na mesma entrevista. “Mas não me parece que seja a melhor solução para aquele local fazer mais um hotel”, acrescentou. Seja essa ou não a ideia actual dos proprietários, pelo menos dois espaços comerciais abandonam o edifício este ano – os contratos de arrendamento não foram renovados.

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