Câmara retoma
projecto polémico dos azulejos na Praça da Figueira
Colocação de
azulejos no quarteirão da Suíça teve luz verde da Cultura, que diz que a acção
reforça o carácter pombalino da praça. Mas, tal como na primeira vez que surgiu
o projecto, há opiniões díspares.
JOÃO PEDRO PINCHA
26 de Janeiro de 2018, 8:00
Há uma novidade
na Praça da Figueira. A fachada do chamado quarteirão da Suíça está a ser
coberta de azulejos azuis, brancos e cinzentos. Trata-se de um projecto antigo
da Câmara Municipal de Lisboa que agora ressurge, ainda antes de se conhecer o
plano de requalificação da autarquia para aquele espaço.
A ideia de
revestir toda a praça a azulejos é de 2001, quando o município, então liderado
por João Soares, encomendou ao arquitecto Daciano da Costa um projecto de
reabilitação daquele local. Esse projecto tinha duas fases, mas só uma foi
concluída.
Os cem mil
azulejos então produzidos para a praça nunca chegaram a ser colocados e foram
arrumados num armazém em Alcântara. Em 2004, já com Carmona Rodrigues ao leme
da câmara, o projecto ressurgiu, mas concluiu-se que eram precisos outros
azulejos, uma vez que os primeiros não deixavam respirar as paredes. Mais uma
vez, nada aconteceu.
Agora, o
quarteirão da Suíça está a ter obras de recuperação das fachadas e dos telhados
e a autarquia aproveitou para avançar com a aplicação dos azulejos. Há pelo
menos um ano que o assunto está a ser trabalhado na câmara, que enviou o
processo para a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) em Abril passado.
Segundo o Plano de Pormenor de Salvaguarda da Baixa Pombalina, qualquer
intervenção neste quarteirão tem de ser autorizada pela DGPC, que pediu parecer
à Secção de Património Arquitectónico e Arqueológico (SPAA) do Conselho
Nacional de Cultura.
Esta entidade
pronunciou-se em Setembro. No parecer, a que o PÚBLICO teve acesso, confirma-se
que a câmara “pretende implementar a 2.ª fase do projecto de reabilitação da
Praça da Figueira através de uma intervenção nas fachadas dos edifícios com a
colocação de azulejos segundo proposta do mestre Daciano Costa”. Por isso,
apesar de o quarteirão ser propriedade privada, as obras contam “com apoio da
câmara municipal no fornecimento dos azulejos”, lê-se.
Os membros da
SPAA aprovam o projecto atendendo “às características unitárias e significado
urbanístico da Praça da Figueira”, que é “distinto da intencionalidade da Praça
do Comércio e do Rossio”, e também tendo em conta a “excepcionalidade da
proposta do mestre Daciano Costa”.
“Os membros da
SPAA consideram que a proposta em causa contribui para o reforço das
características pombalinas da Praça da Figueira”, lê-se na conclusão do
parecer, que, no entanto, chumba a aplicação de azulejos nas fachadas laterais
do quarteirão. O documento tem a assinatura de Paula Araújo da Silva,
directora-geral do património cultural.
Projecto sem
consenso
O quarteirão da
Suíça – assim chamado por se situar nele a Pastelaria Suíça – pertence à
Sociedade Hoteleira Seoane. O PÚBLICO contactou esta empresa, mas as questões
enviadas ficaram sem resposta. Igualmente por responder ficaram as perguntas
enviadas ao atelier Daciano da Costa, actualmente gerido pela arquitecta Ana
Costa. A câmara confirma este processo, acrescentando que a colocação de
azulejos segue a proposta de Daciano da Costa, que requalificou a praça.
O parecer da
SPAA, de Setembro, lembra que em 2004 a aplicação dos azulejos nas fachadas da
praça não foi consensual. O presidente do então Instituto Português do
Património Arquitectónico (Ippar, que deu origem à DGPC) pediu opinião ao
conselho consultivo e de lá vieram três apreciações díspares: “apenas um dos
pareceres [era] concordante com a proposta”.
E também em 2017,
quando chegou à DGPC, o assunto levantou dúvidas. Numa informação técnica de
Julho lê-se que o Plano de Pormenor de Salvaguarda da Baixa Pombalina “prevê a
salvaguarda dos revestimentos primitivos das fachadas” e que as deste
quarteirão “se encontravam rebocadas e pintadas”. Assim, o documento termina
com uma pergunta: “A alteração do revestimento de fachada do edifício (…)
actualmente (e primitivamente) rebocada e pintada, para novo revestimento
azulejar, é exemplo valorizador a repercutir no conjunto de interesse público?”
A câmara terá
prestado esclarecimentos, porque foi “tendo presente o entendimento do
município sobre a referida intervenção” que os membros da SPAA deram luz verde
ao projecto.
"Nova paleta
de cores"
A aplicação
destes azulejos antecipou-se às obras que a autarquia quer fazer na Praça da
Figueira no âmbito do programa Uma Praça em Cada Bairro. Ainda não se conhece
projecto para essa intervenção, mas no site da câmara está expressa a intenção
de “elaborar um estudo de fachadas para a envolvente edificada da rua, que
através de uma nova paleta de cores/cenografia permita reforçar o valor
arquitectónico da praça pombalina e reforce a sua identificação, com incidência
nos rés-do-chão comerciais”.
O quarteirão da
Suíça está há muitos anos em avançado estado de degradação e praticamente
devoluto do primeiro andar para cima. No ano passado, o vereador do Urbanismo
revelou ao Diário de Notícias e à TSF que a câmara tinha intimado os donos do
prédio a fazer obras. “Levantaram a licença para fazer as obras de recuperação
do telhado e das fachadas há duas semanas”, disse Manuel Salgado, que não se
referiu nem a azulejos nem à reabilitação da restante praça. Cerca de um ano
antes, Salgado dissera que essa reabilitação só se faria depois de “lançado um
concurso de ideias”, que ainda não aconteceu.
A intenção da
Sociedade Hoteleira Seoane era fazer do quarteirão um hotel, para o qual existe
“um projecto aprovado há muitos anos”, disse Manuel Salgado na mesma
entrevista. “Mas não me parece que seja a melhor solução para aquele local
fazer mais um hotel”, acrescentou. Seja essa ou não a ideia actual dos
proprietários, pelo menos dois espaços comerciais abandonam o edifício este ano
– os contratos de arrendamento não foram renovados.
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