Assaltaram os Correios
Mariana Mortágua
26 Dezembro 2017 às 00:00
Não são apenas as pontuais cartas ao Pai Natal, todo o
correio arrisca hoje atrasos ou extravio. A distribuição não é diária, e o
serviço piorou a olhos vistos desde que se começou a preparar a privatização
dos CTT. Em 2014, o então secretário de Estado do governo PSD/CDS, Sérgio
Monteiro, vangloriava-se da operação: "O exemplo que os CTT dão de uma
empresa 100% colocada no mercado de capitais é um exemplo que deve inspirar
muitos outros grupos empresariais". Os CTT provaram ser uma referência
inspiradora para grupos privados. Mas são também um exemplo de má prestação de
serviço público e, sobretudo, de um negócio ruinoso para a própria empresa,
para o Estado e para o país.
Antes da privatização, o Governo de Passos e Portas garantiu
aos futuros acionistas dos CTT dois brindes: a venda exclusiva dos certificados
de aforro, e uma licença bancária para transformar a imensa rede dos Correios
num banco. A oportunidade não foi desaproveitada e, em dezembro de 2013, 68,5%
do capital dos CTT foi disperso em bolsa, tendo como maiores compradores o
Goldman Sachs, Deutsche Bank e o Unicredit. Apesar de terem sido proprietários
da empresa apenas durante 25 dias de 2013, estes acionistas decidiram para si
uma muito choruda distribuição dos lucros desse ano.
Meses depois, os CTT valiam já em bolsa mais 240 milhões em
relação ao valor da venda. Um verdadeiro Euromilhões para os bancos e fundos
estrangeiros que tinham comprado as ações na primeira fase de privatização. Em 2014,
o Governo da Direita vende os restantes 31,5% por menos 343 milhões que o valor
de mercado do dia anterior.
Os Correios são uma empresa lucrativa. Já eram muito antes
da privatização (500 milhões de lucros entre 2005 e 2013). A diferença é que,
agora, esses lucros não estão a ser entregues ao Estado ou reinvestidos na
empresa, mas estão a ser apropriados pelos seus acionistas. Em 2012, os lucros
foram de 36 milhões, mas 50 milhões foram para os acionistas. Em 2013, de um
lucro de 61 milhões, 60 milhões foram distribuídos. No ano seguinte, foram
distribuídos 70 dos 78 milhões de lucro. Em 2015, entregaram 71 milhões e o
lucro tinha sido 72 milhões. Finalmente, em 2016, pouco tempo antes de a
empresa anunciar que iria dispensar 800 trabalhadores, os acionistas ficaram
com 74 milhões em dividendos. Acontece que, nesse ano, a empresa tinha lucrado
apenas 62 milhões, o que quer dizer que o resto veio das reservas dos CTT.
Estão a descapitalizar a empresa.
Os CTT prestam hoje um serviço pior. Há trabalhadores em
falta e desrespeito pelos existentes. E, agora, a mesma Administração e os
mesmos acionistas que estão a enriquecer com o assalto aos CTT anunciam a
necessidade de dispensar mais 800 pessoas. É uma afronta, que só pode ter uma
resposta, o resgate dos Correios para a esfera pública de onde nunca deviam ter
saído.
Sem comentários:
Enviar um comentário