segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Criação de posto de turismo no Largo do Chafariz de Dentro está a dividir Alfama


“Do falso e efémero ídolo do pseudo desenvolvimento económico através da dependência total do Turismo.”
Dependência total e pseudo “desenvolvimento económico” deste ‘maná’ diário que cai do céu  para este povo Lusitano, ‘perdido no deserto’.
Não é só Portugal físico que está a secar através da alteração do clima e da lenta subida do norte de África a ‘trepar’ pelo Sul de Portugal. A seca através deste “Bezerro de Ouro” do Turismo está a instalar-se nas referências culturais, na Autenticidade, na Identidade, no Património, e irá destruir todas as características que originalmente motivaram a vinda do Turismo. A crescente e galopante “bolha” Imobiliária irá fatalmente rebentar .
O “estoiro” terá então um efeito de cadeia e o cataclismo social terá proporções épicas.
Dançem então. Continuem a dançar e a festejar em volta do Bezerro de Ouro. Do falso e efémero ídolo do pseudo desenvolvimento económico através da dependência total do Turismo.
Não haverá Terra Prometida. Apenas uma escravatura e uma dependência típica dos Povos que perderam a Identidade e a Auto estima. Emigrados de si próprios e Imigrantes servis no seu próprio País.
OVOODOCORVO

Criação de posto de turismo no Largo do Chafariz de Dentro está a dividir Alfama 

POR SAMUEL ALEMÃO • 8 JANEIRO, 2018

 A Junta de Freguesia de Santa Maria Maior vai instalar um posto de informação turística no meio do Largo do Chafariz de Dentro, em Alfama. O projecto faz parte do plano de actividades da autarquia para o próximo mandato e foi falado com a população, segundo o presidente da junta, Miguel Coelho (PS). Mas Fábio Salgado, eleito pelo Bloco de Esquerda para a Assembleia de Freguesia, garante que o tema não chegou a ser levado a discussão pública. O que considera “muito grave”, uma vez que se trata de uma intervenção que terá um impacto urbanístico num largo histórico. Os moradores estão descontentes e não consideram o quiosque uma prioridade. “Não precisamos aqui de um mono a estragar um espaço de vivência local”, queixa-se um. Já o comércio local aplaude a ideia. Estão “cansados” de servirem de posto de informação, dizem.

 Texto: Sofia Cristino

 O Largo do Chafariz de Dentro, em Alfama, é um dos pontos de paragem obrigatórios para as excursões de visitantes que rumam a Lisboa, todas as semanas. É, por isso, habitual encontrarmos muitos grupos de turistas a passarem por ali, ao longo do dia. Enquanto uns ouvem a guia turística a contar a história do chafariz do século XIII – que dá nome ao largo -, outros vão desenhando diferentes trajectórias a bordo de segways. A compor a paisagem estão, também, alguns dos moradores de Alfama, a maioria de mais idade, dispersos pelos três bancos localizados no largo. Os mais jovens ocupam as esplanadas dos cafés, muitos com imagem renovada, numa adaptação ao crescimento acelerado da procura turística que se fez sentir em Lisboa nos últimos quatro anos. Enquanto comentam banalidades do dia-a-dia, observam a cenografia de um espaço que, outrora, só suscitava o interesse dos que lá viviam, que se chegavam a banhar nas águas do chafariz.

 Depois da recente recuperação do chafariz, em outubro de 2017, uma obra que há muito se ansiava, a Junta de Freguesia de Santa Maria Maior quer instalar um posto de informação turística no meio do largo histórico. A decisão parece não ser do conhecimento de todos e as opiniões quanto ao avanço da mesma dividem-se, como pôde verificar O Corvo.

Pedro Rodrigues, 42 anos, morador na Rua do Terreiro do Trigo, não vê qualquer utilidade na instalação do posto informativo. “Não vejo qual é a necessidade de se colocar aqui um quiosque. Não concordo que o instalem no meio do largo, porque é um sítio de encontro e de passagem. Já tem turistas a mais e já chegam aqui com a informação toda que precisam. Provavelmente, estará fechado durante grande parte do tempo útil deste largo. Não precisamos aqui de um mono a estragar”, diz, enquanto toma um café, uma das suas rotinas depois de almoço, no bairro onde vive há oito anos. “Chateia-me que o turismo domine a vivência da nossa freguesia. Não há um equilíbrio. Alfama ainda é uma zona de vivência local”, queixa-se.

 Ana Pereira, moradora na Rua dos Remédios, também não concorda com a proposta da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior. “É um equipamento que não serve a população. Já falei com muita gente e ninguém sabia disto, o que também não está certo. Os habitantes deviam ter sido consultados. Por outro lado, a Junta tem espaços vazios nas imediações e, por isso, não se compreende bem porque é que quer construir um novo volume bem no meio do largo que já está, na minha opinião, bastante saturado de actividades turísticas”, considera.

 Alessandro Signorini, morador na Rua do Vigário, também partilha a mesma opinião de Ana. “Parece-me uma forma do bairro ficar, ainda mais, virado para o turismo. Não me parece uma prioridade e vai retirar o charme do largo”, observa.

 Já Alexandra Godinho, proprietária do café Má Fama, defende que é necessário criar mais postos de turismo na freguesia, mas, ressalva, “no meio do largo, não faz sentido”. “Faz falta um posto de informação em Alfama, porque os turistas pedem-nos muitas indicações e são mesmo muitos os que passam por aqui todos os dias. Mas, no meio do largo, não me parece bem, por causa das actividades que são realizadas aqui, como feiras e eventos, e porque também iria dificultar a passagem das ambulâncias”, explica.

 Os comerciantes da Rua dos Remédios concordam com Alexandra Godinho. Magda Costa, proprietária da loja Maria Mesa, que vende loiça e outros utensílios, diz que também não tinha conhecimento da estrutura pensada para o Largo de Chafariz de Dentro, mas que considera a ideia “fenomenal”. “Acho muito bem, porque eu sou o posto de turismo da zona. Quando as papelarias fecham, então, vêm todos aqui pedir informações. Perguntam-me onde há um supermercado, onde é a caixa multibanco, a farmácia, enfim, uma série de coisas. É de mais”, desabafa.

 Alexandra Rebelo, de 51 anos, queixa-se do mesmo. “Penso que um posto de turismo fazia mesmo muita falta, porque acabo por fazer de posto de turismo muitas vezes. Dezenas de pessoas pedem-me informações, todos os dias”, explica. A comprová-lo, surge um turista à porta a perguntar onde é o multibanco mais próximo. “Isto é o meu dia-a-dia”, diz a O Corvo, encolhendo os ombros. “Perguntam-me por restaurantes, se as ruas são tranquilas, se os autocarros são seguros, ou se podem passear à noite. Quando digo que o autocarro é completamente seguro, que só têm de ter atenção às carteiras, ficam muito surpreendidos”, conta.

 Alexandra Rebelo, que estudou Línguas e Literaturas Modernas, pinta quadros sobre Lisboa inteira. Alguns deles vende-os na sua loja, juntamente com outros artefactos, como carteiras feitas à mão. Queixa-se, também, da alegada falta de cuidado da junta em informar os habitantes e comerciantes dos projectos que tem em vista para Alfama. “A junta não nos informa de nada, não existe um pensar do bairro no seu todo. O presidente da junta fala mais com as pessoas idosas e, a maioria delas, têm pouca escolaridade, não têm cultura suficiente para perceberem o que é fundamental para o bairro. O comércio é das coisas mais importantes, não pode estar a pôr-nos de parte”, alerta, ainda.

 A instalação do Posto de Informação Turístico no Largo do Chafariz de Dentro, em frente ao Museu do Fado, consta no documento “Opções do Plano para 2018”, no qual se resumem as actividades da Junta de Freguesia para próximo ano. Segundo Fábio Salgado, eleito pelo Bloco de Esquerda para a Assembleia de Freguesia, a decisão não foi a discussão pública e muitos habitantes não têm conhecimento da mesma. “Não houve nenhum tipo de audição pública pela Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, nem tentaram perceber o que a população pretende para este largo em específico. É muito grave, porque descaracteriza o bairro”, denuncia, em declarações a O Corvo.

 “Ainda surgiu a hipótese de ser instalado numa das lojas da Câmara Municipal de Lisboa ou da freguesia, junto ao largo. É uma alteração urbanística relevante, que não pode ser tratada com superficialidade. Tem de ser debatido com a população e têm de ser dadas alternativas para ser um debate honesto. Há formas de não ter um impacto visual, que afastaria o próprio turismo”, acrescenta.

 O presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, Miguel Coelho (PS), desmente as acusações. “A escolha deste largo para acolher este equipamento resulta, precisamente, de vários apelos recebidos da população de Alfama em sucessivas reuniões que fizemos com a população, argumentando que na origem, este Largo, teve um quiosque instalado no sítio onde agora o queremos colocar”, diz, em depoimento escrito a O Corvo.

 “Pode dizer que falou com muita gente, mas, senão o fez publicamente, não vale de nada”, reage Fábio Salgado. “O presidente ainda puxa pelo saudosismo, dizendo que o largo já teve um quiosque. Não faz sentido nenhum fazer essa comparação, porque o quiosque que existiu aqui, há mais de 30 anos, servia os locais, numa altura em que não havia estes cafés todos. É um erro político dedicar um equipamento destes apenas ao turismo”, considera, ainda.

 Na primeira Assembleia de Freguesia deste mandato, altura em que são aprovados o plano de actividades e o orçamento da Junta, Fábio Salgado diz ter ficado surpreendido por não se ter falado no posto de turismo. “Tendo em conta o processo de gentrificação e turistificação que Alfama está a sofrer, questionei o presidente da junta sobre o formato deste posto. A resposta foi clara: vai ser um quiosque no meio do largo. Confrontei-o, ainda, com o facto de não ter colocado este assunto no seu programa eleitoral, de não ter feito consulta pública sobre uma alteração urbanística de tal nível e, portanto, de não ter legitimidade para o fazer. O projecto pode não ser novo, mas não foi debatido. Até mesmo durante a sua aprovação, só foi debatido porque o Bloco de Esquerda questionou”, informa.

 Miguel Coelho, por seu turno, explica que a proposta já vem do mandato anterior, quando se candidatou pela primeira vez à Junta de Freguesia de Santa Maria Maior. “A instalação do quiosque para informações úteis aos visitantes da freguesia em Alfama, no Largo Chafariz de Dentro, resulta de um compromisso eleitoral assumido há quatro anos. A sua implementação não foi feita durante o anterior mandato, como aliás constou dos Planos de Atividade, que foram aprovados em reuniões das Assembleia de Freguesia de então, porque, entretanto, a CML iniciou as obras de recuperação do Chafariz, o que, considerámos então prioritário”, diz.

 Para além do interesse urbanístico em recuperar para o Largo “um elemento arquitectónico que o marcou durante anos”, Miguel Coelho diz que o objetivo da instalação deste quiosque “é poder apoiar os pequenos comerciantes, os pequenos empreendedores turísticos do bairro, como será o caso dos ‘mediadores turísticos de bairro’, que podem, assim, preparar visitas locais com conhecimento de causa, e também a divulgação de inúmeras iniciativas culturais que são promovidas por associações e coletividades locais”, explica. “São razões que, em nosso entender, mais do que justificam este projeto”, reforça.

 Fábio Salgado, por outro lado, diz que “é uma falácia dizer que um posto de turismo ajuda os pequenos comerciantes”. “Os pequenos comerciantes nem têm capacidade para fazer folhetos. Os postos de turismo, por definição, são depósitos de mapas e folhetos de grandes empresas turísticas. Pode ser importante, mas não serve o pequeno comércio”, argumenta. Além disso, refere, “a freguesia já tem vários postos de turismo, como os do Terreiro do Paço, Restauradores, Martim Moniz e Santa Apolónia”. “O Museu de Fado também serve de posto de turismo, tem actividade prática de posto de turismo”, afirma.



Segundo Miguel Coelho, o custo da instalação do quiosque deverá rondar os cinquenta mil euros. Quanto aos postos de trabalho que o posto de turismo poderá vir a criar, disse que “ainda é prematuro indicar quantas pessoas ficarão afectas a esta estrutura”.

 Para o eleito pelo BE na Assembleia de Freguesia, “Alfama está a ser despida de equipamentos que sirvam quem cá mora (como os bancos, talhos ou cafés) e não deve ser a autarquia a criar mais equipamentos exclusivos para o turismo”.

 “Numa zona que está a sofrer um processo de grande turistificação, é um equipamento que vem promover ainda mais essa turistificação, vem dar ainda mais ar de Disneyland a Alfama, numa das principais entradas de Alfama. Com um quiosque, a população vê-se impedida de usufruir do largo, que deveria ser para as pessoas. Um largo tem de ser um largo, por isso é que se chama largo. Com as esplanadas que já existem e com a quantidade abundante de gente que ali passa, não há espaço para um quiosque”, considera, em declarações a O Corvo.


 Fábio Salgado alerta, ainda, para a quantidade de eventos que decorrem no Largo de Chafariz de Dentro, como o Caixa Alfama, de concertos de fado, festivais de folclore, feiras, entre outros, que, segundo o deputado eleito pelo BE, deixarão de se realizar nas mesmas condições com o quiosque ali instalado. “A dinâmica do largo mudou muito. É um largo de passagem de milhares de pessoas, é um largo de festivais de folclore, sessões de fado, feiras regionais, etc. O quiosque pode impossibilitar tudo isto”, conclui.

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