terça-feira, 30 de janeiro de 2018

As redes sociais e o discurso público
Que a degradação do discurso público ocorra precisamente no momento em que temos mais ferramentas para comunicar é uma ironia histórica apreciável.

DIOGO QUEIROZ DE ANDRADE
29 de Janeiro de 2018, 6:49

Transferir para o Facebook os desabafos que se têm no café tornam esses mesmos desabafos em poderosas ferramentas de acção social que muitas vezes regressam para nos assombrar. A audiência é potencialmente global e perene, porque o que se coloca na Internet fica lá para sempre e disponível para qualquer um. E esperar que o que dizemos não tenha consequências é de uma irresponsabilidade própria de crianças mimadas.

O mesmo não é dizer que não se tenha direito à liberdade de expressão. Essa está bastante bem consagrada na lei, com os limites que lhe são reconhecidos, aplicando-se da mesma forma quer se trate de um depoimento na televisão, de um grito na via pública ou de um post nas redes sociais.

Vem isto a propósito na notícia que publicamos hoje sobre as consequências profissionais da utilização das redes sociais. Sim, parece óbvio que contratos de trabalho a limitar a actuação na Internet são atentados à liberdade de expressão. Mas também é lógico que um funcionário deva ser impedido de difamar nas redes sociais a empresa onde trabalha.

No plano mais lato, saber se são estas plataformas que pioram o nosso comportamento ou se elas apenas se limitam a amplificar a nossa mesquinhez comum é uma questão filosófica interessante, que não desvia do essencial: dispensamos maior estupidificação da discussão política. Ler uns posts no Facebook não pode substituir um bom livro, atirar umas larachas no Twitter ou numa caixa de comentários não substitui um debate de ideias. Que a degradação do discurso público ocorra precisamente no momento em que temos mais ferramentas para comunicar é uma ironia histórica apreciável — e reveladora da nossa qualidade enquanto povo e das nossas prioridades enquanto indivíduos.

Esta cultura em que todos temos opinião sobre tudo, em que dispensamos os especialistas porque a opinião de cada um vale exactamente o mesmo, é perfeita para degradar o nível geral da discussão pública. A partilha é o Santo Graal dos tempos modernos, estimulada pelas plataformas da época. E fazemo-lo simplesmente porque isso permite a estas plataformas recolher mais dados sobre nós, de forma a que possam vender esses mesmos dados a anunciantes. A nossa irritação comum é a engrenagem feliz de uma máquina de fazer dinheiro para os gigantes de Silicon Valley, que de vez em quando lá se lembram de espalhar centros de excelência e call-centers um pouco por todo o mundo.

O que faço nas redes sociais é da conta do patrão?

Contratos de trabalho com cláusulas a limitar o que fazemos na Net — há quem diga que a tendência será essa. CGTP e UGT estão contra. Não há números, mas advogados e investigadores garantem que processos disciplinares e despedimentos por causa das redes sociais não param de aumentar.

SUSANA PINHEIRO 29 de Janeiro de 2018, 7:00

Dois trabalhadores foram despedidos depois de terem colocado comentários “depreciativos” na página de Facebook da empresa onde trabalhavam. Um outro funcionário, que fazia likes na página da empresa concorrente, foi sujeito a uma sanção disciplinar. Casos deste tipo estão a aumentar, dizem advogados e investigadores em Direito do Trabalho.

“Há sete anos não existia nenhum caso de despedimento de trabalhadores por causa dos seus comportamentos nas redes sociais. Desde então, têm vindo a aumentar”, diz o advogado Eduardo Castro Marques.

O despedimento costuma ser a última cartada da entidade patronal quando aplica procedimentos disciplinares. Foi o que aconteceu aos dois trabalhadores do sector da construção civil que “postavam” comentários pouco favoráveis na página de Facebook da empresa onde trabalhavam, como este: “Não respeitam os direitos e os horários dos trabalhadores.” Também a avaliaram negativamente no local destinado à classificação. Foram despedidos por justa causa, mas não impugnaram o despedimento. Está em fase de inquérito um processo criminal contra ambos por ofensa à empresa.

Este não é caso único, bem longe disso. O despedimento surge quando já não há confiança e “há desgaste imediato da relação laboral entre patrão e funcionário”, refere Pedro Sousa Lobo, de outra sociedade de advogados, que também tem cada vez mais empresas a queixarem-se de situações relacionadas com a prática de crimes de difamação ou com a divulgação de dados que estão abrangidos pelo sigilo comercial ou que colocam em causa o seu bom-nome e credibilidade. Ainda assim, a maior parte das situações resolve-se por acordo e não de uma forma litigiosa.

“Há cada vez mais processos laborais relacionados com as redes sociais e a um nítido incremento de infracções disciplinares” relacionados com elas, diz também Nuno Cerejeira Namora, especialista em direito laboral. As chamadas sanções conservatórias vão da simples repreensão à suspensão de trabalho, dias de férias ou de salário.

O secretário-geral CGTP, Arménio Carlos, garante que “as intimidações e repreensões nas empresas estão a aumentar”. Sempre que pode, diz, “a empresa procura retaliar, perseguindo o trabalhador através do Facebook para depois lhe levantar um processo disciplinar, o que promove o desgaste para que se vá embora”.

A CGTP já acompanhou e resolveu alguns casos de sanções e despedimento por comportamentos nas redes sociais. Para o sindicalista, é ponto assente que as questões laborais não se tratam nas redes sociais. Resolvem-se, sim, com os delegados sindicais e sindicatos, e negoceiam-se com a entidade patronal. “Apelamos aos trabalhadores que tenham cuidado com o que colocam nas redes sociais, que evitem comentários sobre a empresa, para que isso não constitua pretexto para lhes levantarem processos disciplinares”, diz Arménio Carlos.

Patrão vigiava empregadas
Também Carlos Alves, secretário executivo e coordenador do gabinete jurídico da UGT, fala na necessidade de ter alguma cautela. “Já tivemos casos reportados por trabalhadores de situações em que são vítimas de assédio moral por colocarem determinados conteúdos no Facebook, porque a empresa entendeu que havia perda de confiança. E tiveram represálias, como ficar numa cadeira virado para a parede, o que é grave.” Para Carlos Alves, “a generalidade dos casos são excesso de zelo da parte das empresas e certos despedimentos podem ser abusivos”. Já Ana Avoila, coordenadora da Frente Comum de Sindicatos da Função Pública, não tem conhecimento de casos de processos disciplinares no sector.

As pessoas esquecem-se que estão numa rede social pública, prossegue o advogado Nuno Cerejeira Namora, e “manifestam-se de forma desadequada e prejudicial para a própria relação laboral que mantêm”, descurando “os deveres laborais que dela emanam” — deveres que não ficam suspensos quando se ausentam do emprego ou quando estão fora do seu horário de trabalho. Publicam fotografias de ambientes laborais e de colegas, exemplifica, “ou, pior, cometem crimes de difamação através destes meios”. E “costuma-se dizer que uma vez na Internet, fica para sempre”. Facilmente são apanhadas.

Há empregados que também se queixam. Sempre que chegavam ao escritório, conta Eduardo Castro Marques, três funcionárias eram frequentemente confrontadas com comentários do patrão sobre a sua vida privada, nomeadamente sobre convívios que marcavam através do Facebook. Ficaram em pânico quando descobriram que ele as vigiava através de um programa que tinha instalado nos computadores. Meteram uma providência cautelar para impedi-lo de usá-lo e queixaram-se dele ao tribunal. Acabaram por desistir do processo, mas despediram-se alegando “desgaste psicológico”.

Vida privada vs. vida laboral
Duarte Abrunhosa e Sousa, advogado e investigador do Centro de Investigação Jurídico-Económica (CIJE) da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, estudou várias decisões dos tribunais portugueses nesta matéria. Nota que muitos trabalhadores, quando ofendem a entidade patronal numa rede social, não pensam na velocidade com que a informação se transmite. O impacto é de tal forma que se pode “tornar viral”, alerta.

No caso do funcionário que fazia likes na página de Facebook da concorrência e ainda partilhava os posts de produtos na sua página pessoal em vez dos da empresa onde trabalhava, foi-lhe aplicada uma repreensão por escrito, registada no cadastro disciplinar. A entidade patronal entendeu que, ao promover os produtos concorrentes, o seu comportamento “podia configurar uma actividade concorrencial”, afirma Eduardo Castro Marques, que tinha este caso em mãos. Para o advogado, estes casos trazem à luz do dia “um grande desafio jurídico que é saber se será ou não legítimo o empregador poder condicionar, regulamentar, exigir que haja uma adequação da vida privada do empregado nas redes sociais em função do contrato de trabalho”.

O que coloca outra questão: qual é a fronteira entre a vida privada do trabalhador e a sua vida laboral? Explica Maria Regina Rendinha, investigadora de Direito do Trabalho no CIJE: “Como se conclui pela amostra das decisões dos tribunais de Relação já existentes, a discussão em torno das redes sociais tem-se reconduzido, sobretudo, à questão de definir até que ponto actuações e comportamentos que, em princípio, seriam da esfera privada do trabalhador, podem ser tomados em conta no âmbito laboral.”

A investigadora entende que “a necessidade desta definição tornou-se ainda mais premente após o acórdão Barbulescu 2017, que demonstrou a dificuldade de estabelecer com nitidez a fronteira entre comportamentos extralaborais e comportamentos laborais”. Maria Regina Rendinha refere-se à decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) de aceitar que as empresas possam aceder a correspondência privada dos funcionários mas só no caso de estes serem previamente avisados disso. Esta decisão surgiu na sequência do recurso para aquela instância de um engenheiro romeno, Bogdan Barbulescu, que foi despedido em 2007 sob o argumento de utilizar o correio electrónico de trabalho para uso pessoal. Este engenheiro recorreu para a Grande Câmara do TEDH, depois de, em 2016, este mesmo tribunal ter considerado legítimo que a entidade patronal monitorizasse mensagens electrónicas dos seus trabalhadores enviadas durante o horário de trabalho sem o seu conhecimento.

De baixa e num concerto?
E, com isto, surge outra questão premente: “Podem os comportamentos dos trabalhadores nas redes sociais vir a ter influência no seu contrato de trabalho?”, questiona Eduardo Castro Marques. Para o advogado, não será de estranhar que muitas empresas passem a incluir nos contratos individuais de trabalho cláusulas que limitem a actividade dos trabalhadores nas redes sociais e estabeleçam regras para o uso das mesmas, mesmo quando não estão a trabalhar. “Caberá aos tribunais apreciarem a validade dessas cláusulas, ou seja, se são legais ou ilegais”, afirma. A acontecer, CGTP e UGT prometem não baixar os braços por entenderem que viola a lei e condiciona a liberdade dos trabalhadores.

“É ilegal e sem qualquer sentido”, defende o secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, no que é secundado pelo secretário executivo da UGT, Carlos Alves, que considera a “cláusula abusiva”. O porta-voz da CGTP mostra-se preocupado porque, “a partir do momento em que for introduzida uma alínea em que o trabalhador não pode fazer comentários sobre a empresa nas redes sociais, mesmo que não sejam depreciativos, ele pode na mesma ser intimidado pela empresa”.

Certo é que já hoje as publicações podem acabar por ser uma armadilha, como sucedeu a um empregado que surgiu numa fotografia publicada nas redes sociais num concerto, quando estava de baixa médica. O empregador denunciou-o à junta médica e ele ficou sem a baixa, conta Eduardo Castro Marques. Há ainda o caso de uma ex-funcionária que, alegadamente por vingança por ter sido despedida quando a empresa decretou a extinção do seu posto de trabalho, recorreu a perfis falsos no Facebook para difamar o patrão. “Existe denúncia criminal na Polícia Judiciária e está uma acção laboral pendente.”


Eduardo Castro Marques lembra-se do seu primeiro caso, há seis anos. Foi “o primeiro ‘processo de Facebook’ em Portugal e decorreu no Tribunal de Trabalho da Maia”, relacionado com uma impugnação de despedimento. Um professor tinha publicado, no mural do Facebook, uma fotografia que tirou a outro docente, sentado em cima de uma pilha de cadernos de trabalho e com ar de enfado, folheando um deles. A directora do colégio entendeu que a fotografia, que acabaria por ser partilhada inúmeras vezes na rede social, colocava em causa a imagem que um professor do ensino secundário deve ter perante pais e alunos, e conduziu um processo disciplinar que culminou com o despedimento dos dois professores. O colégio pagou-lhes depois uma indemnização compensatória.


Redes sociais “não podem ser usadas impunemente”

A experiência de vários casos laborais já julgados em tribunais portugueses mostra que “as redes sociais não são um espaço sem lei ou castigo”.

SUSANA PINHEIRO 29 de Janeiro de 2018, 7:00

“Não podemos usar impunemente as redes sociais em contexto de trabalho. Tem de ter consequências”, defende o advogado Duarte Abrunhosa e Sousa, investigador do Centro de Investigação Jurídico-Económica da Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Não se pode colocar nas redes sociais o que se quer sem haver responsabilização porque, alerta, “não há diferença entre falar publicamente num espaço com meia centena de pessoas ou escrever um post no Facebook para todos os amigos”.

Estas foram algumas das conclusões a que Duarte Abrunhosa e Sousa chegou na sua investigação, feita a partir de acórdãos judiciais, sobre o impacto das redes sociais no mundo do trabalho em Portugal. O também consultor de uma grande empresa nacional apoiou-se em quatro acórdãos relacionados com acções de impugnação judicial de despedimentos julgadas nos tribunais da Relação do Porto, Lisboa, Évora e Guimarães. No caso da decisão da Relação do Porto, de 2014, por exemplo, é referido que “o recurso ao Facebook para insultar o empregador não tem associada uma expectativa de privacidade”. O patrão alegava que o despedimento era lícito, porque o trabalhador tinha publicado posts num grupo do Facebook comentando a organização e vida interna da empresa onde trabalhava.

Também um acórdão da Relação de Lisboa, do mesmo ano, concluiu que a comunicação do funcionário em questão “saiu da esfera privada e entrou na pública” quando apelou à partilha da sua publicação com conteúdo ofensivo e difamatório no Facebook.

Duarte Abrunhosa e Sousa analisou ainda a decisão do Tribunal da Relação de Évora, de 30 de Janeiro de 2014, que considerou ser uma violação grave a divulgação difamatória, por parte de um trabalhador, de mensagens no Facebook que “feriam a honra e o bom-nome do legal representante da entidade patronal e demais membros da mesa administrativa”, dando por isso razão ao seu despedimento por justa causa.

Já o acórdão da Relação de Guimarães relativo a um trabalhador que foi despedido apenas por usar o Facebook durante o seu horário normal de trabalho considerou essa sanção desproporcional. “O uso abusivo da rede social durante o horário de trabalho pode ser motivo de sanção. Mas só se o trabalhador reincidir é que lhe será aplicado outro procedimento disciplinar”, resume o advogado Pedro Sousa Lobo.

Também a investigadora Maria Regina Rendinha se apoia em vários acórdãos que reconhecem que “as redes sociais não são um espaço sem lei ou castigo”. E refere que “a sensibilização para as implicações jurídico-laborais das redes sociais começa a evidenciar-se também na jurisprudência”.

Há ainda situações em que uma empresa pode ter graves prejuízos. Foi o caso de uma empresa municipal, que viu conteúdos que colocava na página de Facebook serem retirados por um colaborador que tinha dispensado mas que continuava a ter privilégios de administrador na conta da empresa na rede social. “Apresentámos queixa-crime pelos crimes de sabotagem e dano informático, e acesso ilegítimo”, contou o advogado Miguel Marques Oliveira, que acompanhou este processo.


Facebook reveals privacy principles for first time, helps users control access
Videos will coach users to how to manage data as the company admits ‘not everyone wants to share everything with everyone’

Reuters
Mon 29 Jan 2018 05.50 GMT

New EU privacy laws have forced Facebook to help users better manage their accounts.
Facebook has published its privacy principles for the first time and will roll out educational videos to help users control who has access to their information.

As the company prepares for the impact of new European Union data protection laws, it announced on Monday that users will be shown how to manage the data that Facebook uses to show them ads, how to delete old posts, and what happens to the data when they delete their account.

Facebook, which has more than two billion users worldwide, said it had never before published the principles, which are its rules on how the company handles users’ information.

The announcements on Monday by Erin Egan, chief privacy officer at Facebook, are a sign of its efforts to get ready before the European Union’s general data protection regulation (GDPR) enters into force on 25 May, marking the biggest overhaul of personal data privacy rules since the birth of the internet.

Under GDPR, companies will be required to report data breaches within 72 hours, as well as to allow customers to export their data and delete it.

Facebook’s privacy principles, which are separate from the user terms and conditions that are agreed when someone opens an account, range from giving users control of their privacy, to building privacy features into Facebook products from the outset, to users owning the information they share.

“We recognise that people use Facebook to connect, but not everyone wants to share everything with everyone – including with us. It’s important that you have choices when it comes to how your data is used,” Egan wrote in a blog post.

Also among the company’s privacy principles will be help for users to understand how their data is used, keeping that information secure, constantly improving new controls, and being accountable to regulators.

“We put products through rigorous data security testing. We also meet with regulators, legislators and privacy experts around the world to get input on our data practices and policies,” the blog post said.

The company’s chief operating officer, Sheryl Sandberg, announced last week that Facebook would be creating a new privacy centre which would put the social network’s settings in one place.

The GDPR drastically increases the level of fines for companies found to be in breach of data protection law, potentially rising as high as 4% of global annual turnover or €20m, whichever is higher.

Facebook has faced probes from EU regulators over its use of user data and tracking of online activities. As of Monday, users will be reminded by their news feeds to take a “privacy checkup”, Egan wrote in the blog, to ensure they are comfortable about what data they are sharing, and with whom.

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