EDITORIAL
As mãos invisíveis de Vladimir Putin
DIRECÇÃO
EDITORIAL / PÚBLICO 16/04/2014 -
Para Putin, a Ucrânia e o gás é jogar à defesa. Apoiar partidos
eurocépticos já é jogar ao ataque.
É o próprio Putin
que, numa conversa telefónica com a chanceler alemã, reconheceu que a Ucrânia
está “à beira de uma guerra civil”. E tem razão. Já são dez as cidades onde os
edifícios governamentais foram ocupados por pró-russos. E, quando o Exército
ucraniano se preparava para recuperar zonas e edifícios controlados por
rebeldes pró-russos, estes apoderaram-se de seis blindados na cidade de
Kramatorsk. E já há relatos de soldados ucranianos que terão desertado. Kremlin
já não esconde ao que vem. Serguei Lavrov mostrou a porta da federalização como
a única saída possível para a crise.
Putin não se
limita a querer usar a Ucrânia como uma espécie de Estado tampão para aquilo
que crê serem as pretensões expansionistas do Ocidente a leste. É bom recordar
que foi a intenção de a Ucrânia assinar um acordo de associação com a União
Europeia que desencadeou toda a crise. Na conversa com Merkel, Putin voltou a
lembrar a importância de estabilizar a economia ucraniana para manter o
fornecimento de gás russo à Europa. Um assunto ao qual
Berlim é particularmente sensível.
Mas Putin não se
contenta em querer preservar o que acha que deve ser a sua zona de influência. A
recepção de braços abertos no Parlamento de Moscovo de Marine Le Pen, a líder
do partido de extrema-direita francês Frente Nacional, é apenas mais um exemplo
da estratégia do Presidente russo de aumentar as afinidades com vários partidos
de extrema-direita na Europa. Apoiar os eurocépticos a ocidente já não é uma
estratégia de defesa de Putin. É ganhar aliados e passar ao ataque. É ganhar apoios
dentro da própria União para impedir que os europeus se atrevam a transpor um
novo “muro” a leste que Putin concebeu e que quer transformar numa espécie de
barricada geopolítica.
Marine Le Pen e outros líderes da
extrema-direita seguem a mensagem de Putin
CLARA BARATA
16/04/2014 - 19:04
O Kremlin está a tentar influenciar a política da União Europeia através
dos partidos extremistas, dizem cientistas políticos.
Marine Le Pen, a
líder do partido de extrema-direita francês Frente Nacional, é uma política
europeia bem cotada na Rússia. Ainda no último sábado, 12 de Abril, foi
recebida de braços abertos no Parlamento de Moscovo, onde de resto não poupou
elogios, defendendo a federalização da Ucrânia, tal como defende o Kremlin: “É
o projecto mais lógico. O mais respeitoso seria organizar uma federação, que
permitiria uma certa autonomia das regiões”.
Serguei
Narichkin, o presidente da Duma (a câmara baixa do Parlamento), e um dos 33
visados pelas sanções da União Europeia por causa do processo de anexação da
Crimeia na Rússia, foi quem convidou Le Pen, relatava a correspondente em
Moscovo do jornal Le Monde. “Temos muito em comum nas nossas posições sobre a
forma de resolver a crise da Ucrânia”, afirmou este ex-oficial do KGB e depois
do FSB, e um próximo de Vladimir Putin.
A Frente Nacional
(FN) tem boas relações com a Rússia Unida, o partido que apoia Vladimir Putin –
a prová-lo estão as frequentes deslocações a Moscovo de líderes do partido de
Marine Le Pen, diz o Le Monde. Mas Marine Le Pen não está sozinha entre os
novos dirigentes dos partidos de extrema-direita europeia a procurarem as boas
graças russas.
Acontece com o
Jobbik húngaro, o Aurora Dourada grego e as várias formações nacionalistas de
extrema-direita e racistas que surgiram nos países que formavam o Bloco de
Leste. Mas Moscovo está também a investir na Europa Ocidental, e nos partidos
de extrema-direita que se estão a juntar para fazer uma aliança nas eleições
europeias de Maio. O político holandês Geert Wilders, a Liga Norte italiana e o
Vlaams Belang na Bélgica têm-se associado ao discurso do Kremlin.
Putin, escreveu
na revista Foreign Affairs em Março Mitchell A. Orenstein, professor na
Northeastern University em Boston (EUA) e especialista na Europa Central e de
Leste, tem uma estratégia de intervenção na política da União Europeia
utilizando partidos de extrema-direita, com cujas ideias o Kremlin encontra
afinidades.
A primeira, e
mais importante afinidade é mesmo a do desejo de desconstruir a União Europeia,
e acabar com o risco de esta se expandir cada vez mais para Leste. Putin
“espera que ao apoiar partidos marginais consiga desestabilizar os seus
inimigos e instalar em Bruxelas políticos que se concentrem em desmantelar a
UE, em vez de a alargar”, diz Orenstein.
“A Rússia
gostaria de desestabilizar a cena política europeia, e estes partidos são todos
anti-União Europeia”, comentou à revista alemã Der Spiegel Peter Kreko, do
think tank húngaro Political Capital.
Pode ser
surpreendente a associação de Moscovo à extrema-direita europeia, quando
Moscovo não se cansa de martelar a ideia de que os “fascistas” estão em Kiev.
Mas por trás da insistência russa em não deixar a Ucrânia afastar-se da sua
influência está o conceito da Eurásia como uma espécie de espaço vital de
Moscovo. Por trás deste conceito estão teóricos: homens como Aleksandr Dugin,
um cientista político que já liderou um partido neonazi e que faz parte do
círculo mais íntimo de Putin. De acordo com o Global Post, Dugin manteve correspondência
com o líder do partido neonazi grego Aurora Dourada, Nikolaos Michaloliakos,
que foi preso no ano passado.
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