OPINIÃO
O manicómio
VASCO PULIDO
VALENTE 25/04/2014 / PÚBLICO
Não há limites.
Como Soares provou, quando disse numa conferência qualquer que o dr. Salazar
tinha o mérito de não ter “mexido nos dinheiros públicos”. Não se percebe onde
Soares queria chegar com esta frase absurda. É ela um elogio à tão proclamada
pobreza e honestidade do ditador, que pagou até ao fim um galinheiro em S.
Bento e criava coelhos? Ou um ataque implícito ao regime vigente, e aos
partidos que nos governaram, e que andam hoje a arrastar as suas misérias pelos
tribunais? Não parece. A ideia foi com certeza a de comparar a política
financeira de Salazar com a política financeira da democracia e as contas
certas de Salazar com a dívida e o défice de agora, que arrastaram o país para
a miséria e nos trouxeram uma intervenção estrangeira, ainda longe de acabar.
Mas, se assim
for, Soares reconhece que a crise é o resultado de políticas do Estado de que o
PS e o PSD tomaram a responsabilidade. Para não falar dele próprio. O serviço
de saúde, o sistema de ensino, a Segurança Social, o exército de funcionários
públicos com que os partidos sustentaram as suas clientelas, os milhares de
milhões que se gastaram em betão inútil, o suborno sistemático com que durante
40 anos se pretenderam ganhar votos não entram na categoria das coisas que “nos
caíram em cima”, ou naquela outra mais subtil dos efeitos perversos do
“neoliberalismo” e da progressiva ruína da “Europa”. São todas a consequência
previsível de decisões deliberadas de governos legitimamente eleitos. De que Soares fez parte ou, de Belém, abençoou.
O elogio a Salazar,
de que a audiência gostou, não reflecte espécie de racionalidade. Não passa de
saudades de um tempo em que não havia sarilhos com o défice e a dívida, porque
a PIDE, a censura e a GNR impunham a miséria em que Salazar achava que o país
devia viver. O problema, em 2014, é que a democracia não educou os portugueses
para a submissão: e os políticos correm por aí, estonteados, como aves sem
cabeça. O dr. Soares propõe a violência e apreciaria ver a GNR invadir
(tumultuosamente) a Assembleia da República (uma “bela ideia”, explicou ele). Um
grupo de “notabilidades” (os 74) resolveu sugerir uma bancarrota a prestações,
contando provavelmente com a estupidez do próximo. Meia dúzia de loucos prefere
a revolução (mas que revolução?). E anteontem Soares
ressuscitou Salazar. Portugal
é um manicómio.
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