Silva Carvalho pôs em causa
segurança nacional, considera juíza que leva a julgamento antigo espião
ANA HENRIQUES
11/04/2014 - PÚBLICO
Tribunal de Instrução Criminal leva a julgamento cinco envolvidos no caso
das secretas, incluindo dois que o Ministério Público queria ver ilibados.
O antigo director
do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) Jorge Silva Carvalho
pôs em causa a segurança nacional quando passou segredos de Estado ao grupo
Ongoing, considera a juíza que decidiu nesta sexta-feira levar a julgamento não
só o antigo espião como outros implicados no chamado caso das secretas.
O caso remonta ao
Verão de 2010, altura em que Silva Carvalho estava de saída do SIED, onde havia
trabalhado perto de duas décadas, para ingressar no grupo privado de
telecomunicações, media e tecnologia, a ganhar mais do dobro do que auferia na
função pública.
Segundo a juíza
de instrução criminal, foi com o objectivo de assegurar um bom salário no novo
emprego, e também de afirmar a sua supremacia, que o director do SIED pediu a
subordinados seus para lhe arranjarem informações sobre dois empresários russos
com quem a Ongoing planeava encetar negócios.
Quando o
relatório dos serviços secretos lhe chegou, Silva Carvalho reencaminhou-o, com
a menção de “top top secret”, para Vasco Rato. O politólogo e ex-dirigente do
PSD já se tinha tornado, nessa altura, presidente de uma das sociedades da
Ongoing, além de membro da maçonaria, tal como Silva Carvalho e outros
dirigentes do grupo privado.
Ao passar para
fora dos serviços secretos informação recolhida por estes, Silva Carvalho pôs
em causa a segurança do Estado e as relações diplomáticas entre Portugal e a Rússia, bem como a segurança de missões e recursos
humanos no estrangeiro, entendeu a juíza, sublinhando que, como director do
SIED, o agora arguido tinha especial obrigação de proteger o segredo de Estado.
Mas nem só para
grandes negócios servia a estreita relação entre as secretas e a Ongoing. A
magistrada dá também conta de como um produtor de vinhos da Madeira, Humberto
Jardim, foi igualmente investigado pelo SIED. Motivo? Ter sido casado com a
mulher do dirigente Ongoing para os negócios em África
O Tribunal de
Instrução Criminal subscreve a tese do Ministério Público de que a contratação
de Silva Carvalho para a Ongoing dificilmente teria acontecido se este não
tivesse no currículo perto de 20 anos de secretas, com todo o poder e contactos
inerentes a essa função. Vai, no entanto, mais longe e acusou também, embora de
crimes menos graves do que o ex-espião -
que irá responder por violação do segredo de Estado, corrupção passiva e
abuso de poder – duas pessoas que a procuradora Teresa Almeida tentou fazer
ilibar: um operacional do SIED que vivia com uma empregada da Optimus e a sua companheira.
Silva Carvalho
queria à viva força descobrir quem é que passava informações ao jornalista Nuno
Simas, que então trabalhava no PÚBLICO,
sobre o descontentamento que se vivia nos serviços secretos. A tarefa
coube ao operacional Nuno Dias, que se socorreu de Gisela Teixeira, com quem
morava, para aceder à lista dos registos de chamadas do jornalista.
A juíza não
acolheu a tese da procuradora, de que nenhum dos dois tinha noção de estar a
cometer um crime, e pronunciou o espião por acesso ilegítimo agravado e a
companheira por violação do segredo profissional e ainda acesso indevido a
dados pessoais. Afinal, observou, não é suposto os serviços secretos deitarem
mão de companheiros, cônjuges ou outros familiares para levarem a cabo missões
sigilosas. Ignora-se se o Ministério Público irá recorrer da decisão da
magistrada.
No banco dos réus
irá também sentar-se o presidente da Ongoing,
Nuno
Vasconcellos, suspeito de corrupção activa, e outro antigo director do SIED,
João Luís. Vasconcellos alegou perante o Tribunal de Instrução Criminal que nem
sempre lê o correio electrónico que lhe chega, algum do qual está a ser usado
para o incriminar: quando acha os
e-mails muito extensos pede aos seus subordinados para lhos lerem ou resumirem.
Nas buscas feitas
pelas autoridades à casa de Silva Carvalho, já em Outubro de 2011, um ano
depois de ter saído do SIED, foram encontradas listagens em papel dos membros
do SIED e dos telefones das suas delegações fora do país, contrariando as
normas de segurança para informação classificada.
Foi também por
esta altura, com o aproximar das eleições legislativas, que terá movido
influências junto de dirigentes partidários para voltar às antigas lides, desta
vez como secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa –
já o escândalo relacionado com a espionagem do jornalista havia rebentado. A
proximidade que continuava a manter com os serviços secretos fazia com que
fossem permeáveis aos seus pedidos, concluiu a juíza de instrução criminal.
Acabou por não
conseguir os seus intentos, mas numa recente decisão o Supremo Tribunal
Administrativo ordenou ao primeiro-ministro que o reintegrasse na Presidência
de Conselho de Ministros, pagando-lhe retroactivos desde Janeiro de 2012.
Levantar ou não o
segredo de Estado
Quer o advogado
de Silva Carvalho quer o do operacional das secretas, João Luís, têm insistido
na necessidade de o primeiro-ministro levantar o segredo de Estado que impende
sobre vários documentos estes arguidos querem apresentar em tribunal. Alegam
que é a única forma de se poderem defender em condições. Mas Passos Coelho não
o fez e recusou-se também a dispensá-los do sigilo profissional a que estão
obrigados.
O representante
legal do operacional do SIED, Paulo Simões Caldas, criticou ontem o facto de a
lei conferir ao primeiro-ministro, e só a ele, este "poder
discricionário", quando o Ministério Público "revelou identidades e
moradas" dos espiões implicados neste processo - apesar de competir ao
Estado a protecção da sua identidade.
“O segredo de
Estado é um segredo de polichinelo que toda a gente viola sem consequências”,
observou. Os dois advogados não se mostraram surpreendidos por os seus clientes
se irem agora sentar no banco dos réus. Lembram que os seus clientes sempre
manifestaram intenção de ir a julgamento depois de terem sido constituídos
arguidos.
Já o defensor do
presidente da Ongoing, Francisco Proença de Carvalho, mostrou-se desiludido com
este desfecho: “Tínhamos a convicção de que podíamos ganhar na instrução, pois
não existe prova que sustente a acusação. Contudo, sentimos a máxima confiança
na absolvição”, disse o advogado, criticando a “pressão que existe nos meios
judiciais para decisões condenatórias” neste tipo de processos.
Sem comentários:
Enviar um comentário