sexta-feira, 18 de abril de 2014

Arquitectura. Faculdade de Lisboa suspeita de desviar 10 milhões de fundos europeus / Auditoria do Tribunal de Contas arrasa gestão da Faculdade de Arquitectura.


 Arquitectura. Faculdade de Lisboa suspeita de desviar 10 milhões de fundos europeus
Por Sílvia Caneco
publicado em 19 Abr 2014 in (jornal) i online

Verbas destinadas a estudantes terão sido canalizadas para adjudicar obras. O i teve acesso a documentos que apontam também para suspeitas de assinatura de contratos ilegais com professores entre 2009 e 2012
A direcção da Faculdade de Arquitectura (FA) da Universidade de Lisboa é suspeita de ter desviado fundos europeus no valor de 10 milhões de euros que estavam destinados a projectos com alunos e investigadores. Essas verbas seriam intocáveis, mas, ao que o i averiguou, a direcção da instituição tê-las-á usado para adjudicar empreitadas de obras públicas. Há ainda a suspeita de que essas adjudicações terão sido feitas por ajuste directo quase sempre às mesmas entidades e sem concurso público, ao contrário do que manda a lei quando em causa estão negócios de um montante elevado.

Estas são algumas suspeitas que estarão a ser analisadas pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ, num inquérito dirigido pela 9.a secção do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa. A denúncia terá partido do próprio reitor da universidade, na sequência de uma queixa que lhe terá sido transmitida pelo conselho de gestão, indignado com a gestão do presidente da FA, Pinto Duarte. O i tentou contactar António Cruz Serra e os vice-reitores, mas não obteve resposta.

Em causa estão suspeitas de corrupção e participação económica em negócio. Apesar de o inquérito estar ainda numa fase inicial - uma dezena de inspectores da PJ fez buscas às instalações da faculdade a 10 de Março -, um dos principais suspeitos será Nélson Soeiro, inspector principal da Inspecção-Geral da Agricultura e Pescas, que em Outubro de 2010 passou a exercer o cargo de director financeiro da FA de Lisboa, por despacho assinado pelo então presidente, Manuel Couceiro da Costa.

O i teve também acesso a uma série de documentos que apontam para outras irregularidades: a faculdade terá assinado, entre 2009 e 2012, contratos por tempo indeterminado para professores auxiliares antes de estes completarem um período experimental de cinco anos, ao contrário do que obriga o Estatuto da Carreira Docente Universitária.

As passagens dos docentes a professores auxiliares por tempo indeterminado terão trazido à faculdade - que em 2010 tinha um passivo superior a 1,3 milhões de euros - despesas acrescidas por docente de valor superior a 10800 euros anuais. Em 2011, recorde-se, segundo uma auditoria do Tribunal de Contas, a instituição foi obrigada a pagar à Caixa Geral de Aposentações mais de 620 mil euros por não ter entregue o desconto das quotas relativas aos funcionários. O dinheiro dessas retenções, explicava a auditoria, teria sido canalizado "indevidamente" para pagamento de despesas. Do leque de professores que supostamente terão conseguido a passagem antes do fim do período experimental estão cinco docentes que ocuparam cargos em órgãos consultivos ou de gestão na FA.

LICENÇAS Ao que o i averiguou, ao reitor terão já chegado outras denúncias. Entre 2009 e 2011, a direcção da FA da Universidade de Lisboa terá assinado despachos a dar dispensas de serviço e licenças sabáticas sem que alegadamente fosse exigido aos professores contemplados prova de aproveitamento do período de 12 meses em que terão continuado a receber do Estado sem estarem ao serviço.

O i teve ainda acesso a documentos que mostram que uma docente com licença sabática no ano lectivo 2009/2010 terá recebido o reembolso de dormidas num hotel em Belo Horizonte, no Brasil, em Março e Junho de 2010, em alegada violação da Lei dos Compromissos.

O inquérito do DIAP de Lisboa já motivou um abaixo-assinado de apoio à actual direcção da FA. A carta, datada de 11 de Abril, sublinha que "não há provas de facto que sustentem as acusações e as dúvidas sobre a capacidade do presidente em continuar à frente da escola" e que, quer o presidente, quer o novo Conselho de Gestão (três membros do Conselho anterior renunciaram aos cargos depois das buscas), "estão convictos sobre a boa saúde financeira da Escola".

A investigação também já teve outros danos colaterais: o reitor da Universidade de Lisboa publicou um despacho, a 2 de Abril, a reduzir as competências do presidente da Faculdade de Arquitectura. O reitor renovou a delegação de algumas competências, mas excluiu um ponto: despesas e compras. O presidente da FA já não poderá autorizar actos de natureza semelhante aos que estão a ser investigados pelo Ministério Público: não pode "autorizar a contratação, o procedimento, a adjudicação e as despesas inerentes a empreitadas de obras públicas" ou "locação e aquisição de bens e serviços" de um determinado valor.


Auditoria do Tribunal de Contas arrasa gestão da Faculdade de Arquitectura
Por Sílvia Caneco
publicado em 19 Abr 2014 in (jornal) i online

Foram detectados reembolsos ilegais de despesas e descontos à CGA que não tinham sido feitos

Nos últimos anos, a Faculdade de Arquitectura - que passou a integrar a Universidade de Lisboa depois da fusão desta com a Universidade Técnica - foi alvo de duas auditorias do Tribunal de Contas (TdC). Nenhuma delas foi animadora. Infracções financeiras, contas desequilibradas, gestão caótica e desorganizada. A última, referente aos actos de gestão de 2010, apontava mesmo para descontos de trabalhadores que não tinham sido feitos e tinham sido canalizados "indevidamente" para pagar outras despesas. Dois anos depois, em 2012, os problemas financeiros levaram a faculdade a admitir que os salários estavam em risco.

No ano de 2010, diz a auditoria do TdC, aquela instituição de ensino "não entregou o desconto das quotas retidas aos trabalhadores" para a Caixa Geral de Aposentações (CGA) e "utilizou indevidamente o valor daquelas retenções, no montante de 231 761,21 euros, para pagamento de despesas".

Só em 2011, a faculdade teve de pagar à CGA "627 727,21 euros de dívida acumulada, dos quais 347 640,53 euros de contribuições do organismo, 231 761,21 euros relativos aos descontos dos trabalhadores e 48 325,47 euros de juros de mora". Para saldar esta dívida à CGA, a instituição terá utilizado "parte da receita consignada a projectos de investigação, entre 2009 e 2011, no montante de 577 429,19 euros". Pelo atraso na entrega das contribuições, no espaço de três anos foi preciso pagar juros de mora superiores a 64 mil euros. O incumprimento levou a atrasos nos pedidos de aposentação de trabalhadores, tendo a faculdade de suportar os vencimentos.

A auditoria detectou ainda uma omissão de dívida a terceiros no valor de 135 900 euros, reembolsos ilegais de despesas contraídas pelos investigadores da faculdade, num valor próximo dos 29 mil euros, e irregularidades em despesas relacionadas com subsídios de férias e de Natal: uma "despesa ilegal no montante de 11 628 euros", em 2004, e "pagamentos ilegais e indevidos, entre 2005 e 2010, no mesmo montante, processados no âmbito de um contrato de prestação de serviços" com um avençado.


A direcção da faculdade foi ainda alvo de crítica por não "controlar" a origem e a natureza dos rendimentos de dez docentes em acumulação de funções.

Sem comentários: