Por Sílvia Caneco
publicado em 19
Abr 2014 in
(jornal) i online
Verbas destinadas
a estudantes terão sido canalizadas para adjudicar obras. O i teve acesso a
documentos que apontam também para suspeitas de assinatura de contratos ilegais
com professores entre 2009 e 2012
A direcção da
Faculdade de Arquitectura (FA) da Universidade de Lisboa é suspeita de ter
desviado fundos europeus no valor de 10 milhões de euros que estavam destinados
a projectos com alunos e investigadores. Essas verbas seriam intocáveis, mas,
ao que o i averiguou, a direcção da instituição tê-las-á usado para adjudicar
empreitadas de obras públicas. Há ainda a suspeita de que essas adjudicações
terão sido feitas por ajuste directo quase sempre às mesmas entidades e sem
concurso público, ao contrário do que manda a lei quando em causa estão negócios
de um montante elevado.
Estas são algumas
suspeitas que estarão a ser analisadas pela Unidade Nacional de Combate à
Corrupção da PJ, num inquérito dirigido pela 9.a secção do Departamento de
Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa. A denúncia terá partido do próprio
reitor da universidade, na sequência de uma queixa que lhe terá sido
transmitida pelo conselho de gestão, indignado com a gestão do presidente da
FA, Pinto Duarte. O i tentou contactar António Cruz Serra e os vice-reitores,
mas não obteve resposta.
Em causa estão
suspeitas de corrupção e participação económica em negócio. Apesar de o
inquérito estar ainda numa fase inicial - uma dezena de inspectores da PJ fez
buscas às instalações da faculdade a 10 de Março -, um dos principais suspeitos
será Nélson Soeiro, inspector principal da Inspecção-Geral da Agricultura e
Pescas, que em Outubro de 2010 passou a exercer o cargo de director financeiro
da FA de Lisboa, por despacho assinado pelo então presidente, Manuel Couceiro
da Costa.
O i teve também
acesso a uma série de documentos que apontam para outras irregularidades: a
faculdade terá assinado, entre 2009 e 2012, contratos por tempo indeterminado
para professores auxiliares antes de estes completarem um período experimental
de cinco anos, ao contrário do que obriga o Estatuto da Carreira Docente
Universitária.
As passagens dos
docentes a professores auxiliares por tempo indeterminado terão trazido à
faculdade - que em 2010 tinha um passivo superior a 1,3 milhões de euros -
despesas acrescidas por docente de valor superior a 10800 euros anuais. Em
2011, recorde-se, segundo uma auditoria do Tribunal de Contas, a instituição
foi obrigada a pagar à Caixa Geral de Aposentações mais de 620 mil euros por
não ter entregue o desconto das quotas relativas aos funcionários. O dinheiro
dessas retenções, explicava a auditoria, teria sido canalizado
"indevidamente" para pagamento de despesas. Do leque de professores
que supostamente terão conseguido a passagem antes do fim do período
experimental estão cinco docentes que ocuparam cargos em órgãos consultivos ou
de gestão na FA.
LICENÇAS Ao que o
i averiguou, ao reitor terão já chegado outras denúncias. Entre 2009 e 2011, a direcção da FA da
Universidade de Lisboa terá assinado despachos a dar dispensas de serviço e
licenças sabáticas sem que alegadamente fosse exigido aos professores
contemplados prova de aproveitamento do período de 12 meses em que terão
continuado a receber do Estado sem estarem ao serviço.
O i teve ainda
acesso a documentos que mostram que uma docente com licença sabática no ano
lectivo 2009/2010 terá recebido o reembolso de dormidas num hotel em Belo
Horizonte, no Brasil, em Março e Junho de 2010, em alegada violação da Lei dos
Compromissos.
O inquérito do
DIAP de Lisboa já motivou um abaixo-assinado de apoio à actual direcção da FA. A
carta, datada de 11 de Abril, sublinha que "não há provas de facto que
sustentem as acusações e as dúvidas sobre a capacidade do presidente em
continuar à frente da escola" e que, quer o presidente, quer o novo
Conselho de Gestão (três membros do Conselho anterior renunciaram aos cargos
depois das buscas), "estão convictos sobre a boa saúde financeira da
Escola".
A investigação
também já teve outros danos colaterais: o reitor da Universidade de Lisboa
publicou um despacho, a 2 de Abril, a reduzir as competências do presidente da
Faculdade de Arquitectura. O reitor renovou a delegação de algumas
competências, mas excluiu um ponto: despesas e compras. O presidente da FA já
não poderá autorizar actos de natureza semelhante aos que estão a ser
investigados pelo Ministério Público: não pode "autorizar a contratação, o
procedimento, a adjudicação e as despesas inerentes a empreitadas de obras
públicas" ou "locação e aquisição de bens e serviços" de um
determinado valor.
Auditoria do Tribunal de Contas
arrasa gestão da Faculdade de Arquitectura
Por Sílvia Caneco
publicado em 19
Abr 2014 in
(jornal) i online
Foram detectados reembolsos ilegais de despesas e descontos à CGA que não
tinham sido feitos
Nos últimos anos,
a Faculdade de Arquitectura - que passou a integrar a Universidade de Lisboa
depois da fusão desta com a Universidade Técnica - foi alvo de duas auditorias
do Tribunal de Contas (TdC). Nenhuma delas foi animadora. Infracções
financeiras, contas desequilibradas, gestão caótica e desorganizada. A última,
referente aos actos de gestão de 2010, apontava mesmo para descontos de
trabalhadores que não tinham sido feitos e tinham sido canalizados
"indevidamente" para pagar outras despesas. Dois anos depois, em
2012, os problemas financeiros levaram a faculdade a admitir que os salários
estavam em risco.
No ano de 2010,
diz a auditoria do TdC, aquela instituição de ensino "não entregou o
desconto das quotas retidas aos trabalhadores" para a Caixa Geral de
Aposentações (CGA) e "utilizou indevidamente o valor daquelas retenções,
no montante de 231 761,21 euros, para pagamento de despesas".
Só em 2011, a faculdade teve de
pagar à CGA "627 727,21 euros de dívida acumulada, dos quais 347 640,53
euros de contribuições do organismo, 231 761,21 euros relativos aos descontos
dos trabalhadores e 48 325,47 euros de juros de mora". Para saldar esta
dívida à CGA, a instituição terá utilizado "parte da receita consignada a
projectos de investigação, entre 2009 e 2011, no montante de 577 429,19
euros". Pelo atraso na entrega das contribuições, no espaço de três anos
foi preciso pagar juros de mora superiores a 64 mil euros. O incumprimento
levou a atrasos nos pedidos de aposentação de trabalhadores, tendo a faculdade
de suportar os vencimentos.
A auditoria
detectou ainda uma omissão de dívida a terceiros no valor de 135 900 euros,
reembolsos ilegais de despesas contraídas pelos investigadores da faculdade,
num valor próximo dos 29 mil euros, e irregularidades em despesas relacionadas
com subsídios de férias e de Natal: uma "despesa ilegal no montante de 11
628 euros", em 2004, e "pagamentos ilegais e indevidos, entre 2005 e
2010, no mesmo montante, processados no âmbito de um contrato de prestação de serviços"
com um avençado.
A direcção da
faculdade foi ainda alvo de crítica por não "controlar" a origem e a
natureza dos rendimentos de dez docentes em acumulação de funções.
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