quinta-feira, 17 de abril de 2014

Deputados só devem ser deputados? PSD, CDS e PS chumbaram exclusividade dos deputados, mas o debate não acaba aqui


EDITORIAL
Deputados só devem ser deputados?
DIRECÇÃO EDITORIAL PÚBLICO 17/04/2014 -
É um mau argumento dizer que não se discute a exclusividade por causa das eleições europeias.

O Bloco e o PCP apresentaram dois diplomas no Parlamento, um para tornar obrigatório o regime de exclusividade dos deputados e outro para alargar o regime de incompatibilidades dos titulares de cargos políticos. Ambos foram chumbados, mas não pelas melhores razões.

Os temas são complexos, mas o facto de o serem não deveria inibir os deputados de os discutirem. E o argumento de que o timing para a discussão não é propício porque se aproximam as eleições europeias é questionável. É bom recordar que o país vai ter eleições todos os anos, até 2016.

Faz sentido o argumento daqueles que defendem que um advogado ou um consultor de uma empresa privada não possa estar de manhã a fazer leis e à tarde estar a aplicá-las em benefício dos seus clientes. Também faz pouco sentido que um ministro quando deixa de exercer essas funções possa vir a ser contratado por empresas com as quais teve relações enquanto governante. Daí a pertinência da proposta do PCP de alargar o "período de nojo" de três para cinco anos.

Naturalmente que a discussão deve ser feita com equilíbrio para que os melhores e os mais capazes, e quem tenha uma carreira feita fora da política, não fiquem inibidos de dar o seu contributo como parlamentares. Poderíamos chegar a um ponto de ter um Parlamento cheio de deputados “exclusivos”, e não necessariamente os mais competentes.

A discussão deveria ser feita o quanto antes. E aqueles que argumentam que esse tema só deveria ser debatido no âmbito de uma reforma estrutural do sistema político (que incluísse, por exemplo, o voto preferencial ou a redução do número de deputados) estão apenas a adiar um debate que, com certeza, ajudaria a credibilizar o sistema político aos olhos daqueles que os elegem.

PSD, CDS e PS chumbaram exclusividade dos deputados, mas o debate não acaba aqui
ÁLVARO VIEIRA e LUSA 17/04/2014 – PÚBLICO

Direita e PS viram oportunismo eleitoral nos projectos de PS e BE. Mas há parlamentares do PSD que querem reabrir discussão adiante, com propostas novas.

Apesar de terem votado ao lado da bancada do PSD, que juntamente com o CDS e com o PS reprovaram os projectos do BE e do PCP que preconizavam a exclusividade obrigatória para os deputados e o alargamento das incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, vários deputados sociais-democratas apresentaram ontem declarações de voto em que manifestaram adesão a alguns dos objectivos daquelas propostas e que até sugerem outras medidas, inéditas, em nome do mesmo tipo de preocupações.

É sobretudo o caso da declaração de voto subscrita pelos deputados Cristóvão Norte e Duarte Marques, ex-líder da JSD, na qual se propõe a reabertura da discussão sobre o limite de mandatos dos parlamentares, uma questão cara aos autarcas que já estão sujeitos a esse regime e que há muito se dizem discriminados e que merece a oposição do PCP, que vê nesta regra um condicionamento injustificado à liberdade de escolha dos eleitores. “A limitação de mandatos já aplicada aos presidentes de câmara deveria ser alargada aos outros titulares de cargos políticos, como deputados, eurodeputados e vereadores”, escreveram na declaração de voto.

Outra medida sugerida é o aprofundamento do “fosso remuneratório” entre os deputados que exercem a actividade parlamentar em exclusividade ou não. “A diferença actual, de 200, 300 euros, não faz sentido nenhum”, disse Duarte Marques ao PÚBLICO.

A outro nível, a declaração de voto em causa também defende uma alteração ao regime de financiamento dos partidos políticos, que passaria por reservar uma percentagem da subvenção pública a que têm direito ao investimento, “por estes, na formação política dos seus quadros”. A este respeito, Duarte Marques recorda que, enquanto líder da JSD, conseguiu que o PSD introduzisse nos seus estatutos a obrigatoriedade de reservar 5% destas receitas à formação de quadros, que concretiza através das Universidades de Verão, da Europa e iniciativas semelhantes.

O documento também defende a concretização do “voto preferencial” na eleição dos deputados - ou seja, a possibilidade de os eleitores escolherem especificamente os deputados que querem ver no Parlamento. Os signatários da declaração consideram que esta possibilidade “não bule com um sistema pluripartidário que enriquece a democracia e assegura que os eleitores tenham uma relação de maior proximidade e escrutínio perante aqueles mandataram para os representar”. “Em países como a Itália e a Áustria, os eleitores já votam em partidos e nos deputados que preferem”, exemplifica Duarte Marques.

Além deste parlamentar e de Cristóvão Norte, outros deputados sociais-democratas apresentaram declarações de voto, após votarem contra os projectos do PCP e do BE, como Conceição Ruão, Eduardo Teixeira, Manuela Tender, Graça Mota, Mendes Bota. Este último defende há muito a exclusividade dos deputados e, na legislatura anterior, chegou a insurgir-se, em termos que causaram mal-estar na bancada do PSD, contra a existência de deputados que acumulam a actividade parlamentar com a colaboração com sociedades de advogados que prestam serviços ao Estado ou defendem interesses contrários ao Estado – algo particularmente visado pelos projectos do BE e do PCP.

Do lado do PS, também os deputados António Cardoso e Rui Paulo Figueiredo – que o PÚBLICO tentou ouvir – anunciaram que apresentariam declarações de voto.

Seja como for, todos estes deputados seguiram a tendência de voto das respectivas bancadas contra os projectos do BE e do PCP. A rejeição dos diplomas foi justificada desde logo com o argumento do timing. PSD, CDS e PS associaram estas iniciativas a preocupações eleitoralistas, ditadas pela proximidade das europeias de 25 de Maio. Depois, o PDS, através de Fernando Negrão, reiterou aquilo que o próprio já havia dito ao PÚBLICO: argumentou que as iniciativas "não surgem no melhor momento, nem servem de pretexto para discutir e reformar o sistema político."Estes dois projectos de lei referem-se a uma só árvore e não cuidam de toda a floresta quando a relação entre o povo português e sistema político que o governa é cada vez mais distante", disse, apontando a necessidade de adoptar a eleição por ciclos uninominais e a diminuição do número de deputados, além de rever as regras de financiamento dos partidos políticos.

A declaração de voto de Duarte Marques subscreve algumas destas ideias: defende a eliminação de 50 lugares no Parlamento e a aplicação dessa poupança no aumento da remuneração dos restantes 180, de modo a "convocar os melhores para o desempenho destas funções".

O socialista José Magalhães lembrou que uma proposta de reforço do regime de incompatibilidades dos titulares de cargos políticos fora aprovada na generalidade, mas "naufragou na especialidade", considerando que essa sim foi "debatida na altura certa, no início ou no fim de uma legislatura". "Porquê fazer esse debate agora? Este e outros, que envolvem todo o sistema político, merecem discussão mas não em cima de eleições. Eu até daria qualquer coisa para o primeiro-ministro não estar em exclusividade, para estar em parte incerta, em part-time e não empobrecer o país ou o inexistente secretário de Estado da Cultura. É uma inexistência política, mas em exclusividade", ironizou.

A parlamentar democrata-cristã Teresa Anjinho criticou o facto de se tratar de iniciativas legislativas já apresentadas anteriormente, declarando que estarão destinadas ao "mesmo desfecho formal, em nome da coerência, por parte do CDS". "Nunca nos furtámos nem nos furtaremos a discutir estas matérias. Aquilo que nos move não é a demagogia populista, mas a defesa do estado de direito e das instituições democráticas. O exercício de funções públicas deve pautar-se pelo rigor e princípios da transparência e da fiscalização", defendeu.

O bloquista Pedro Filipe Soares contrapôs que as críticas de eleitoralismo foram usadas para "evitar discutir o essencial" e o facto de os outros partidos argumentarem estar em causa liberdades e garantias não colhe, uma vez que "já existem restrições e incompatibilidades aprovadas".


"O mandato de deputado deve ser a actividade principal e não secundária ou subordinada a outros interesses. O PCP traz soluções concretas para resolver situações obscuras", atestou ainda o comunista João Oliveira, que citou exemplos de deputados socialistas sobre os quais tinha dúvidas, como António Vitorino ou Vitalino Canas, quando instado a fazê-lo pelo deputado "rosa" José Magalhães. O PEV votou ao lado do PCP e do BE.

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