quarta-feira, 16 de abril de 2014

Dany le rouge abandona o Parlamento Europeu com uma última defesa emocionada da Europa federal. UE completa maior projecto de integração europeia desde a criação do euro

“Não tenham medo de enfrentar as estupidezes que a extrema-direita e a extrema-esquerda dizem quando falam da Europa, enfrentem-nos com determinação”.

Dany le rouge abandona o Parlamento Europeu com uma última defesa emocionada da Europa federal
ISABEL ARRIAGA E CUNHA (Estrasburgo) 16/04/2014 – PÚBLICO

O eurodeputado Daniel Cohn-Bendit – Dany le rouge– está longe de ser o único que vai abandonar o Parlamento Europeu (PE) na actual legislatura, que termina esta semana, mas será seguramente aquele que mais falta fará nos próximos cinco anos.

Depois de quatro mandatos durante 20 anos no PE, o eurodeputado franco-alemão – filho de judeus alemães mas que passou grande parte da vida em França, tendo aliás sido candidato pelos partidos ecologistas dos dois países de forma alternada – decidiu que não se recandidatará nas próximas eleições europeias de 22 a 25 de Maio.

A idade – 69 anos – um recente cancro na tiróide e um grande cansaço físico, foram as razões invocadas para justificar uma decisão que é lamentada tanto pelos aliados como pelos adversários.

“Vai fazer falta ao PE na próxima legislatura”, disse-lhe Martin Schulz, presidente do PE, do alto da sua tribuna no final da última intervenção de Dany na sessão plenária do PE, em Estrasburgo. Todos os líderes dos principais grupos parlamentares exprimiram a mesma simpatia e tristeza pela partida de uma figura mítica do PE, orador ímpar que sempre exprimiu as suas convicções com uma rara energia e uma emoção assumida sem pudor.

Baptizado Dany le rouge desde que liderou a revolta estudantil de Maio de 1968 em França – por causa da cor política e do cabelo ruivo – o ainda eurodeputado abraçou nas últimas décadas as causas ecologista e da construção de uma Europa federal, a que dedicou toda a sua energia.

Assumindo-se como uma espécie de “despertador de consciências” no PE, Dany era o único deputado capaz de, sem papas na língua, chamar as coisas pelos nomes, não hesitando por exemplo em acusar de “hipócritas” em pleno debate os parceiros vira-casacas ou chamar “cretinos” aos eleitos da extrema-direita. Provocador inveterado, nunca perdeu a oportunidade de “picar” os responsáveis europeus que discursaram no PE, de Durão Barroso a Tony Blair (ex-primeiro ministro britânico), sempre que os apanhou em contradição com o interesse europeu.

A austeridade imposta à Grécia em troca de ajuda externa motivou um dos seus discursos mais violentos contra os Governos da UE, que considerou “completamente loucos” e “hipócritas” com as exigências de redução brutal das despesas públicas e aumentos de impostos feitos a Atenas, acusando-os mesmo de estarem “a fazer dinheiro à conta da Grécia” com os seus empréstimos.

Na sua última intervenção no PE, durante um debate desta quarta-feira dedicado à invocação do centenário da Primeira Guerra Mundial, Cohn-Bendit, muito comovido, reiterou um vibrante apelo à construção de uma Europa federal enquanto única garantia de “futuro do bem estar social” e de “uma Europa em que os cidadãos poderão viver bem, e em paz”.

Segundo disse, foi o fim dos Estados “hegemónicos” – responsáveis pelas duas guerras mundiais do século XX – que permitiu a emergência da Europa “como a conhecemos hoje”. “O nacionalismo não é apenas a guerra, é o egoísmo. O hegemonismo é o egoísmo. E se temos uma crise política hoje na Europa, é talvez porque há tendências hegemónicas na Europa”, avisou, frisando: “Se continuarmos assim, destruiremos tudo o que construímos”.

Para o ex-revolucionário de 1968, os europeístas têm de ser “felizes” a defender e a impulsionar a ideia europeia.


“O que me preocupa é que os europeus tenham medo de lutar e que se sintam desarmados face às ideologias dos eurocépticos de direita e de esquerda”, lamentou, lançando um apelo. “Não tenham medo de enfrentar as estupidezes que a extrema-direita e a extrema-esquerda dizem quando falam da Europa, enfrentem-nos com determinação”.




UE completa maior projecto de integração europeia desde a criação do euro
ISABEL ARRIAGA E CUNHA (Estrasburgo) 15/04/2014 - PÚBLICO

Os dois primeiros pilares da união bancária europeia estão a postos, mas ainda falta o terceiro.

A União Europeia (UE) completou esta terça-feira o maior projecto de integração desde a criação do euro, com a aprovação formal dos últimos passos de um novo processo que vai alterar profundamente a gestão de futuras crises bancárias de forma a evitar que voltem a rebentar com as finanças públicas dos respectivos países.

O processo ficou concluído com uma votação no Parlamento Europeu (PE) de um pacote legislativo que encerrou dois anos de intensas negociações com os governos da UE para a criação das duas primeiras etapas de uma nova união bancária europeia.

Mesmo se os críticos consideram as novas regras complexas e insuficientes, a verdade é que a nova união bancária vai operar uma verdadeira revolução na gestão do sector financeiro: os poderes de supervisão (vigilância) dos bancos e de decisão sobre a liquidação dos que estiverem em risco de falir, a par do financiamento dos respectivos custos, vão ser transferidos da responsabilidade nacional, como era o caso até agora, para o nível europeu, que centralizará todo o processo.

Isto significa que o que aconteceu na crise financeira de 2008/2009, em que cada país da UE socorreu de forma isolada os seus bancos falidos, com sérios custos para os seus cidadãos em termos de políticas de austeridade para reduzir as dívidas assumidas, vai passar a ser feito de forma colectiva e com base nas mesmas regras.

“A união bancária não é uma bala de prata que vai resolver tudo (...), mas esperamos que crie um verdadeiro mercado que permita que o crédito às pequenas e médias empresas seja concedido de forma mais fácil e a taxas mais competitivas do que tem sido desde a crise”, afirmou Elisa Ferreira, eurodeputada socialista portuguesa, que pilotou as negociações com os governos em nome do PE.

Isto porque, frisou, “nos Estados que são vistos como mais frágeis os seus bancos absorvem a fragilidade do país, porque se pensa que têm menor probabilidade de serem salvos, porque o seu país não é tão forte como outros. Por essa razão, estes bancos têm maior dificuldade em obter eles próprios crédito e conceder crédito suficiente ou em condições aceitáveis para a economia”, justificou.

O primeiro passo da união bancária foi dado há um ano com a decisão dos governos de transferir para o Banco Central Europeu (BCE) a responsabilidade pela supervisão dos principais bancos, que passarão a ser vigiados com base em regras comuns. Este passo permitirá acabar com a tendência habitual dos supervisores nacionais de esconder os “podres” dos “seus” bancos, o que continua a pesar sobre a credibilidade do sistema bancário europeu.

Se e quando o BCE decretar que um banco está em riso de falir, entra em cena o segundo pilar da união bancária – o processo de “resolução” (liquidação ou reestruturação da instituição) – que foi formalmente aprovado esta terça-feira pelo PE depois de longos meses de negociações com os governos da UE.

A partir do sinal de alarme do BCE, um “conselho de resolução” formado pelos reguladores nacionais dos países onde o banco a liquidar opera, mais cinco personalidades permanentes, terá a responsabilidade de aprovar um plano para a resolução da instituição.

Os custos deste processo serão antes de mais assumidos pelos accionistas e outros credores do banco em causa e, em última análise, pelos depositantes com mais de 100 mil euros. A contribuição destas entidades deverá ser equivalente a pelo menos 8% do valor de todas as actividades do banco.

A partir deste montante, a “resolução” poderá ser financiada a partir de um fundo alimentado pelos próprios bancos até um montante a rondar os 55 mil milhões de euros.

Este fundo, que inicialmente deveria demorar dez anos a ser constituído e que só se tornaria plenamente “europeu” no final do período, demorará afinal apenas oito anos a construir e terá 70% das suas dotações financeiras “mutualizadas” ao fim de três. Isso significa que cada país deixará de ficar limitado aos fundos do seu compartimento nacional e poderá ir buscar ao “bolo” comum os meios necessários.

O PE também conseguiu simplificar o processo de decisão de liquidação dos bancos e, sobretudo, limitar o poder de intervenção política dos governos. As decisões do conselho de supervisão serão de cariz sobretudo técnico e poderão incluir o encerramento de um banco mesmo contra a vontade do país onde opera, podendo os governos apenas intervir em casos excepcionais.

“O que o PE queria era assegurar que todos os bancos fossem tratados da mesma forma, independentemente dos países em que operam e que este processo não reflectisse os jogos de poder dos diferentes países”, justificou Elisa Ferreira. Isto, porque “diferentes Estados-membros têm diferentes capacidades de resolver os seus problemas consoante o seu poder político”. “Se estamos realmente num mercado interno, não podemos pensar na base de compartimentos nacionais e de poderes nacionais a defender os seus próprios bancos, porque seria uma subversão total de um sistema único para gerir bancos no interior de uma moeda única”, insistiu.

Com a nova união bancária, toda a operação de liquidação ou reestruturação de um banco falido passará a ser paga pelos próprios bancos, frisa a deputada portuguesa. “Estamos convencidos de que os contribuintes nunca mais serão chamados a salvar bancos [, a menos que haja] uma crise gigantesca [, porque] temos os poderes, temos as instituições e temos os textos legais para reduzir ao mínimo uma situação que esperamos que nunca ocorra”, vincou.

Para a próxima legislatura do PE, que arranca em Julho, faltará avançar com o terceiro pilar da união bancária: a criação de um sistema comum europeu de garantia de depósitos bancários inferiores a 100 mil euros.
Segundo Elisa Ferreira, no entanto, as instituições europeias também terão de decidir sobre a oportunidade de dividir os grandes bancos sistémicos em unidades mais pequenas, com uma separação das actividades de risco das actividades de depósitos e de crédito, de modo a evitar que a eventual falência de um grande banco deite abaixo o sistema financeiro.


“A questão é: seremos nós politicamente capazes de avançar com este passo suplementar na próxima legislatura? Esta é a questão que permanece”, defende a eurodeputada.

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