Vasco Pulido Valente "Não
devemos nada aos capitães de Abril. Zero"
Por Ana Sá Lopes
in (jornal) i online
publicado em 25
Abr 2014 / http://www.ionline.pt/artigos/portugal/vasco-pulido-valente-nao-devemos-nada-aos-capitaes-abril-zero-0/pag/-1
O historiador
passa o dia a ler, quatro, cinco, seis, às vezes sete horas. Agora raramente
sai de casa. As divergências políticas afastaram-no de amigos como Mário
Soares, que critica violentamente, "por incitar à violência sabendo
perfeitamente o que está a dizer". A sua mulher, Margarida Penedo,
arquitecta, remodelou a casa onde Vasco Pulido Valente passou a infância, na
Avenida de Paris, onde hoje vivem. É numa morada que servia de "casa
segura" nos tempos da ditadura aos amigos comunistas dos pais de Vasco
Pulido Valente que decorre esta entrevista.
No 25 de Abril
estava em Lisboa. Quando vê aquilo tudo na rua o que é que pensa?
Pensei que ia ser
um fiasco como o 16 de Março. Tinha estado na véspera a jantar na casa do João
Bénard, que era em Sintra. E ele, que estava dentro do segredo, disse-me:
"Não contas a ninguém, mas amanhã vai haver uma revolução, uma insurreição
militar, e desta vez ganhamos." Eu disse que eram loucos, não iam ganhar
nada. Estive lá até às cinco, seis da manhã a conversar e por minutos não me
cruzei com as chaimites do Salgueiro Maia no Marquês de Pombal!
Depois alguém o
acorda de manhã...
Fui acordado de
manhã e depois fui com a Maria Filomena Mónica para a rua. Fomos ao Largo do
Carmo, andámos por ali. Ela queria ir à PIDE, mas eu disse que era melhor não
irmos, não sabia quais seriam as reacções. Aquilo devia ter sido um ponto
estratégico se o Movimento das Forças Armadas tivesse sido conduzido por alguém
com alguma inteligência e sabedoria política. Depois fui almoçar a um
restaurante pegado ao elevador da Glória. A seguir voltei para o carro e
consegui ouvir - porque se ouvia nas telefonias dos carros - a banda de rádio
da GNR. Ouviam-se as conversas deles. E eles estavam a dizer uns aos outros que
estava tudo acabado. E há uma frase que eu nunca mais esqueci. O comandante a
dizer: "É melhor acabarmos com isto senão isto ainda vai dar uma
chatice."
Estava a dizer
que a sede da PIDE devia ter sido um ponto estratégico se aquilo tivesse sido
conduzido por alguém com alguma cabeça. Mas o 25 de Abril foi um sucesso. Acha
mesmo que não tiveram cabeça?
Aquilo não tinha
uma cabeça política e acabou por se reduzir ao plano operacional do Otelo, que
também não tinha uma cabeça política. Basta ler a entrevista do Vasco Lourenço
ao "Expresso", no sábado. Essas pessoas não sabiam o que iam fazer
depois, o plano não preparava o futuro, como é evidente.
Entregaram o
poder à Junta de Salvação Nacional...
O poder ficou
divididíssimo, toda a gente tinha poder, ninguém tinha poder. Se entregaram o
poder a alguém foi a conselheiros que se apresentaram, a maior parte do PCP e
outros tantos indivíduos de extrema-esquerda, as brigadas revolucionárias.
Mas Spínola é
feito Presidente da República...
Não se percebe
muito bem por quem é feito, de que maneira é feito. Ainda não se percebeu muito
bem. Há uma grande pulverização do poder, em que a grande força verdadeiramente
organizada e disciplinada se conseguiu impor.
Estamos a falar
do PCP. Vasco Pulido Valente vai esperar Álvaro Cunhal ao aeroporto logo a
seguir. Porque decidiu fazer isso?
Por duas razões.
Eu tinha combinado com a Maria Filomena Mónica, com quem eu vivia na altura,
que se ela fosse esperar o Soares eu ia esperar o Cunhal. E os meus pais, que
conheciam o dito Cunhal da juventude, embora nenhum deles já fosse PC nessa
altura, foram-no esperar e disseram que gostariam muito que eu fosse também. E
eu fui ver o Cunhal. E foi a primeira vez que eu tive uma
"intimation" do que se ia seguir. Parte daquilo foi uma cópia da
chegada do Lenine à estação da Finlândia.
Mas o PCP tem
outra teoria sobre isso: a chaimite estava lá porque o Jaime Neves a mandou.
Diz o PCP. E a
menina que estava em cima da chaimite e lhe deu as flores também foi enviada
pelo Jaime Neves? E o discurso em si? Tinha sido tudo planeado.
Aqui há dias
escreveu uma crónica extraordinária no "Público" sobre como era a
vida da classe média, média- -alta antes do 25 de Abril, sempre concentrada na
poupança, em que ir ao cinema ou ao café era um acontecimento. No entanto, o
Vasco vinha de uma família privilegiada.
Não éramos da
classe média-alta.
O seu pai era
engenheiro.
O meu pai era
engenheiro, mas não havia muito dinheiro em casa.
Quando é que se
lembra de começar a ter consciência política? Os seus pais eram politizados...
Os meus pais
saíram do PCP quando foram as grandes purgas na Hungria, em que os soviéticos
mataram as grandes elites nacionalistas, nos anos 50. Cortaram com o partido,
mas continuaram a colaborar, porque eram amigos das pessoas, tinham contactos. A
minha mãe levava os filhos deles aos médicos amigos do meu avô, que eram de
confiança. Às vezes ficavam de noite cá em casa, quando precisavam. Era uma
casa segura. O meu pai guardava-lhes o dinheiro, porque não podiam pôr o
dinheiro no banco nem andar com ele no bolso. E quando eram precisos transportes
também os transportava. O meu pai tinha um carro, o que nessa altura era
considerado um luxo. Eram raras as pessoas que tinham carro. O carro não era do
meu pai, era da companhia de que ele era director. Não se tratava de serem
militantes do PC, eram pessoas de quem eles eram amigos. A Cândida Ventura, o
Octávio Pato. Tratavam deles como amigos, não como comunistas.
Porque é que a
ditadura dura tanto, tanto?
Porque é uma
ditadura conservadora, não toca nos interesses instalados. Foi por isso que
Salazar recusou sempre o desenvolvimento económico. Nos discursos oficiais
sempre disse que "a pobreza é a grande liberdade".
Mas tinha de
haver apoio popular.
Não, não havia.
Mas como aguenta
tanto tempo sem o mínimo apoio popular?
Só no fim é que a
Igreja deixa de apoiar o regime. Aquilo era fundado no Exército, na Igreja e
nas polícias. Eram os fundamentos do regime, que abafavam qualquer veleidade de
insubmissão, de discordância. E não nos podemos esquecer da censura. Mas as
próprias notabilidades do regime não tinham qualquer ilusão sobre a falta de
apoio popular. O que acabou com aquilo foi a separação da Igreja, de que o
Salazar já em 1958 se queixava. Deixou de haver essa argamassa que era
fundamental, esse cimento do regime que era a Igreja Católica. Sobretudo com o
João XXIII e o Concílio Vaticano II, um concílio revolucionário para a Igreja e
para outros sítios do mundo. E depois o próprio declínio da Igreja, começou a
haver menos vocações, menos influência do padre no terreno, no Portugal
interior, nas aldeias. Deixou de haver aquela força. Isso foi a primeiro coisa.
A segunda foi a guerra colonial, sobretudo a partir da segunda ou da terceira
comissão de serviço que eles faziam. Eles vinham das comissões de serviço e
eram destacados ao calhas por esse país todo. Sem estes dois pilares aquilo não
podia funcionar.
E agora, 40 anos
depois, vivemos numa espécie de "protectorado", como diz o nosso
vice-primeiro-ministro... Acha que vivemos efectivamente numa democracia, tendo
em conta os tratados europeus que assinámos?
Eu gostava de
fazer uma pequena introdução a isso. Essa coisa de um país com dívidas perder
soberania não é nada de novo nem sequer de moderno. O Luís XVI foi obrigado a
convocar os estados gerais porque não tinha crédito no estrangeiro! Quando a
banca internacional deixou de emprestar dinheiro à França, disse, tal qual como
faz o FMI, quais eram as reformas que exigia, que eram públicas e notórias,
para tornar a emprestar dinheiro! A exigência era que houvesse representação,
que o poder fosse representativo. Porque fizeram esta exigência? Porque em
Inglaterra o parlamento, a Câmara dos Comuns, é que tomava a responsabilidade
das dívidas inglesas. A dívida inglesa era maior que a dívida francesa em
percentagem do PIB - calculam os peritos. Mas era avalizada pelo parlamento,
portanto era segura. Esta imagem diabólica dos mercados como entidade que
apareceu aí no ar não é nada de novo. Nem a perda de soberania.
Mas houve uma
crise em 2008 que fez rebentar as estruturas da Europa.
O problema da
Europa é que não tem ninguém que se responsabilize pela dívida globalmente. E a
Alemanha não se quer responsabilizar pela dívida, nem a Holanda, nem a
Finlândia. Daí o Tratado Orçamental. Isto é simplicíssimo. E toda a esquerda anda
por aí a dizer que há outras maneiras. Não há outras maneiras! O documento dos
70 é uma bancarrota em prestações que a Europa não vai aprovar.
Há muita gente a
assinar o documento que nem sequer é de esquerda...
Não sei se são de
esquerda ou se não são. A estupidez humana é infinita e a estupidez portuguesa
ainda consegue ser maior. Aquilo é uma bancarrota em prestações! E o capitão
Vasco Lourenço e o Dr. Mário Soares incitam à insurreição violenta sem o
governo abrir a boca! E não é só o governo, ninguém abre a boca! Toda a gente
gosta muito da liberdade e da democracia, mas depois aparecem uns senhores... E
o Dr. Soares sabe perfeitamente o que está a dizer!
O Dr. Soares diz
que é contra a violência e está a alertar para os riscos de isto acabar mal.
Isso é uma
incitação à violência por parte de um ex-Presidente da República! E o Dr.
Soares sabe muito bem o que está a dizer! O Vasco Lourenço sabe menos o que
está a dizer... Não passou pela cabeça de nenhum destes senhores, nem dos que
os acompanham, o que seria o dia seguinte a uma revolução dessas quando fosse
lá o chefe da revolução - se houvesse chefe, que não houve no 25 de Abril -
pedir dinheiro emprestado!
Mas não acha que
na sequência da crise de 2008, os princípios de coesão da União Europeia foram
ao ar? Acha que essa Europa ainda existe?
Acho que nunca
existiu. A partir de 1989 deixou de existir e antes disso não existia muito. Mas
nós recebemos uma vasta solidariedade da Europa, os chamados fundos de coesão. Foi
a nossa incapacidade de administrar esses fundos e a nossa desorganização como
sociedade política que nos levou a este estado. Se tivéssemos administrado tudo
bem e tivéssemos tido políticas inteligentes podíamos estar mal, mas não no
estado em que estamos.
Portanto a culpa
é nossa? Não tem a ver com uma moeda maluca que nos obriga a vender as nossas
exportações a um preço superior ao dólar?
A mesma receita
aplicada a países diferentes e a culturas diferentes não dá efeitos iguais. O
liberalismo quando entrou na sua fase representativa e produziu os seus
partidos, ou seja, quando acabou a época das Revoluções, viveu sempre de
dívida. Em "Os Maias", no jantar que o Ega oferece aos amigos, o
Cohen explica como são as finanças portuguesas e os riscos a que são
submetidas. E o Carlos diz-lhe: "Então vamos a trote para a
bancarrota." E o Cohen responde: "Num trote muito rápido e muito
seguro." [Risos.]
Mas ninguém sabia
que ia acontecer agora uma crise na América. Nem as agências de rating...
Mas o que julga
que foi a crise de 1890? Foi provocada por uma depressão genérica na Europa,
como a nossa. A culpa não é nossa, deixaram de nos emprestar dinheiro...
Mas qual é a
saída? A dívida sobe cada vez mais...
Eu não digo que o
governo esteja a fazer as coisas da melhor maneira, do meu ponto de vista não
está. Mas daí a dizer-se "não vamos pagar a dívida", "vamos sair
do euro", vamos declarar uma bancarrota a prestações, vai um abismo. Algumas
dessas soluções conduzir-nos-iam à mais horrível miséria do mundo, sabe-se lá
com que consequências políticas, como a saída do euro. Outras são já uma
proposta de bancarrota. Qualquer país do mundo precisa de crédito
internacional. Se nós não conseguirmos que os países nos emprestem dinheiro
estamos perdidos.
Mas o que podemos
fazer? Nada? Ainda agora o FMI continua a insistir que precisamos de baixar
salários quando o nosso salário médio já é de 700 euros?
Eu não vou falar
mais de economia. De repente não há cão nem gato que não tenha nascido um belo
dia doutorado em Macroeconomia e com uma ciência que ninguém sabe de onde vem. E
andam para aí a opinar pelos jornais e pela televisão.
Vamos para a
política. Nunca os portugueses mostraram tanta aversão aos partidos, que são as
entidades fundadoras da democracia.
Posso responder a
isso de outra maneira? Seja a culpa de quem for, todos os regimes em Portugal
caíram por culpa dos partidos. A revolução republicana, o 5 de Outubro, foi
feita contra os partidos monárquicos, a tal ponto que os próprios monárquicos
não defendiam a monarquia porque a identificavam com os partidos monárquicos. O
D. Carlos percebeu isso e tentou fundar um novo partido com o João Franco, mas
não conseguiu e aquilo acabou como acabou. A oposição era muito mais aos
partidos da monarquia do que ao próprio regime. A tal ponto que o exército
monárquico no 5 de Outubro não faz nada porque não se sente a defender a
monarquia, mas aqueles partidos. Claro que os partidos hoje estão
desprestigiadíssimos. As pessoas não têm confiança nenhuma naqueles partidos,
acham-nos uns grupos de oportunistas, de corruptos, de mentirosos, que não lhes
podem trazer nada de bem. O grave disto é que a onda de opinião contra os
partidos pode tornar-se dominante. Há aí uma oposição difusa ao regime que
ainda não encontrou um chefe. E o governo é composto por uma gentezinha
autoritária, muito pouco democrática no geral. Considera-se injustamente o
Paulo Portas o mais autoritário, mas não é. Apesar de tudo, é o mais tolerante.
Eles estão a cumprir ordens e querem cumprir bem as ordens. São míopes
politicamente. Há uma grande falta de inteligência política neste governo. Primeiro,
não percebem a sociedade portuguesa e estão a atacar nos sítios errados. Passos
não tem grande inteligência política.
Está a falar dos
pensionistas e dos funcionários públicos?
Tendo em conta
que representam 80% da despesa, tinham de a diminuir, mas podiam tê-la
diminuído de outra maneira, fazendo a célebre reforma do Estado, que nunca
tiveram coragem de fazer. Como nunca tiveram coragem de fazer a reforma
administrativa. Só aqui, em Lisboa, António Costa juntou umas freguesias e fez
uma reforma administrativa com inteligência, com finesse, com savoir-faire...
Acha que António
Costa tem isso tudo? Era melhor líder para o PS que Seguro?
Se era melhor
líder que Seguro? Um milhão de vezes! Eu votava nele! Se ele fosse candidato a
primeiro-ministro, votava PS.
Mudou a sua vida,
casou novamente, veio viver para a casa dos seus pais, onde cresceu...
Isto não está
nada como era. Absolutamente nada. A Margarida Penedo, a minha mulher, que é
arquitecta, é que fez a remodelação. Se os meus pais entrassem aqui não
reconheciam.
Sai muito de
casa?
Não, estou
misantropo.
Sempre teve
muitos amigos, ia almoçar com eles...
Mas agora há
muitos amigos meus que fizeram um caminho para a esquerda que não sou capaz de
seguir. Em alguns há um perfeito ódio às coisas que escrevo.
Mas isso afectou
a relação de amizade?
Claro que
afectou. Eu não digo ódio irresponsavelmente. Eu tenho muita experiência disso,
recebi durante 40 anos o que os ingleses chamam "hate mail", e
pesado. Mas devo dizer-lhe que nunca como agora, em pessoas tão próximas.
As relações
pessoais às vezes mudam...
Não é as relações
pessoais, é o estado geral do país. O estado geral do país perturbou
mentalmente muita gente. Perturbou o espírito de muita gente.
Tem a ver com a
crise, muitas pessoas ficaram desempregadas...
Muitas ficaram
desempregadas, outras ficaram sem subsídios, outras perderam o poder. O Dr. Soares
é um bom exemplo disso. Era uma figura paternal de um regime que ele achava que
estava a funcionar muito bem, que era todo obra dele, e viu as coisas mudar.
Mas Soares ainda
é um optimista.
É o optimismo da
revolução.
Mas continuam
amigos...
Eu nunca tomei
qualquer iniciativa nas minhas relações de amizade com o Dr. Soares. Só sei que
nos últimos meses deixou de tomar ele qualquer iniciativa. E se ele tomasse eu
dizia que não...
É um dos seus
velhos amigos.
Mas o que eu acho
que ele está a fazer é imperdoável! Ele está a trair todos os princípios que
tinha e que fizeram dele quem é e está a associar-se com a gente que ele
justamente execrava. Está a ver o Dr. Soares em 1980 à mesma mesa com Vasco
Lourenço a dizer aquelas coisas sobre o MFA? Quando eles andavam a dizer por
toda a parte que o iam matar?
Os capitães de
Abril diziam que iam matar Mário Soares?
Os capitães de
Abril nunca nenhum disse. Mas os fanáticos do MFA no PS vários me disseram. "Diz
ao teu amigo Soares que ainda acaba morto." As pessoas diziam isto nas
conversas. E agora ele vai dar- -lhes pancadinhas nas costas, a dizer que temos
uma dívida de gratidão para com os capitães de Abril!
E não temos,
Vasco? Não temos uma dívida de gratidão? Foram os homens que fizeram o golpe de
Estado!
Leia a entrevista
de Vasco Lourenço ao "Expresso". Ele reconhece que a maioria estava
lá por razões corporativas.
Mas devemos
alguma coisa àqueles homens, foram eles que saíram para a rua.
Não devemos nada.
Zero.
Temos hoje
democracia porque eles derrubaram o regime através de um golpe de Estado e
arriscaram a vida. O Vasco reduz aquilo a uma reivindicação corporativa. Não é
o caso de Melo Antunes.
Os tipos só
sabiam vagamente o que estavam a fazer. O Melo Antunes era um imbecil.
Um imbecil?
Porquê? É o intelectual da Revolução...
O que é que fazia
se tivesse influência ideológica e autoridade sobre um movimento militar como
aquele? O que é que planeava? Exactamente o que eles não planearam: a
destruição das fontes de repressão do governo, uma por uma; a prisão dos
respectivos mandantes e funcionários. A primeira que se devia fazer era
paralisar aquela gente toda e paralisar também as forças do Exército que se
pudessem opor. E nunca admitia que houvesse uma escolha entre o Spínola e o
Costa Gomes! A segunda preocupação seria: como vamos tornar um facto a
soberania do povo? Temos de dar três ou quatro meses para se fazerem os
partidos, designar instrumentos para fazer um recenseamento sério, etc. Como
vamos substituir os presidentes das câmaras municipais, etc. Isto era o que um
democrata inteligente faria! Não era um programa em que se propunha a reforma
agrária e uma estratégia antimonopolista!
Mas houve
eleições no prazo de um ano, em Abril de 1975.
Não levantaram um
dedo contra tudo o que se fez para desprestigiar as eleições e a seguir a
Constituinte.
Mas porque diz
que Melo Antunes era um imbecil?
Esse achava-se um
inspirado, que era a alma daquilo. Ele não percebia a sociedade em que estava a
viver.
Mas é ele e o
Documento dos Nove que abrem caminho ao 25 de Novembro.
Mas isso tem uma
explicação muito clara: ele queria mandar, não queria que mandasse o PC. Ele
iria transformar Portugal numa coisa nunca vista.
É a primeira
pessoa que não me diz que Melo Antunes era o melhor de todos.
Era o pior deles
todos!
Pior que Otelo?
Otelo é um
inimputável simpatiquíssimo.
Então qual é o
melhor deles? Vasco Lourenço, Vítor Alves, Garcia dos Santos, Salgueiro Maia...
A resposta vai
surpreendê-la: o senhor major António Ramalho Eanes. Estamos a falar
estritamente do 25 de Abril e do PREC. Não estamos a falar do Presidente Eanes,
que fique claro, nem do senhor presidente do Partido Renovador Democrático. Eu
penso que ele usou o cargo para fazer o partido e quis de uma forma ilegítima
tomar conta do PS e através do PS fazer uma espécie de partido institucional
revolucionário. E adiou a extinção do Conselho da Revolução. Mas no 25 de Abril
é o melhor deles todos. Teve uma atitude inteligente e coerente no meio daquilo
tudo e depois tomou o comando das operações. Não é por acaso que é escolhido
para dirigir o 25 de Novembro. No meio daquela barafunda, Eanes foi o mais
equilibrado, o menos influenciável, o mais reservado e o mais inteligente. Eu
fui muito amigo dele, trabalhei com ele muito bem [Vasco Pulido Valente foi
adjunto de Ramalho Eanes na RTP a seguir ao 25 de Abril] era uma pessoa de
respeito e coragem. Mas aquilo foi uma época triste para mim. Comecei a ficar
farto, como hoje estou. Na altura fui para Cambridge e agora só não me vou
embora porque tenho 73 anos e por causa da Margarida. Senão
ia-me embora. Eu sofro com isto.
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