Pedro Homem de Gouveia. "Se
nada for feito, teremos cada vez mais lisboetas fechados em casa"
Por Marta
Cerqueira ( Jornal ) i online
publicado em 12
Abr 2014 / http://www.ionline.pt/artigos/portugal/pedro-homem-gouveia-se-nada-for-feito-teremos-cada-vez-mais-lisboetas-fechados-casa/pag/-1
O coordenador do Plano de Acessibilidade Pedonal quer fazer de Lisboa uma
cidade acessível a todos. Para isso é preciso mais do que substituir a calçada
O Plano de
Acessibilidade Pedonal prevê fazer de Lisboa uma "cidade para todos".
Feito o diagnóstico das barreiras à mobilidade, a câmara municipal promete
agora eliminar os entraves arquitectónicos na capital até 2017. Pedro Homem de
Gouveia coordenou os trabalhos para construir o programa. Arquitecto da Câmara
Municipal de Lisboa desde 2003, garante que o plano é o projecto mais
desafiador em que já esteve envolvido. Mas salienta que "é principalmente
um grande desafio para a cidade". E um objectivo central para evitar que
cada vez mais idosos fiquem a ver a cidade pela janela.
Qual é o
principal problema de Lisboa em matéria de acessos?
A falta de
estratégia da câmara e da comunidade é o grande problema a que o programa
pretende dar resposta. Por isso é que o plano é uma estratégia que define um
conjunto de prioridades para a cidade. O seu objectivo é, em quatro anos, pôr a
Câmara Municipal de Lisboa a mexer, a mover-se, a andar na direcção certa.
Como foi
elaborado?
Foi feito por um
conjunto de sete técnicos que, durante o mandato anterior, procuraram interagir
com diversos serviços municipais, auscultaram a sociedade civil, ou seja,
recolheram depoimentos individuais, ouviram idosos, munícipes com deficiência,
interagiram com a esmagadora maioria dos operadores de transportes públicos,
agentes da área do turismo, do comércio local, associações de moradores, etc. As
soluções que o plano define não foram criadas em laboratório, resultaram de um
intenso diálogo com as forças vivas da comunidade.
É um plano
concretizável?
O plano não é uma
lista de desejos para o Pai Natal. Houve a preocupação de criar um plano viável
e executável, está feito de forma a ser posto em prática. Os diversos
constrangimentos que existem ou que venham a surgir não são suficientes para
impedir a execução do plano.
As zonas
históricas são as mais problemáticas, por terem uma população mais envelhecida?
Existem problemas
em toda a cidade. Não queremos fazer essa divisão, porque em alguns casos
poderia servir para não pôr a facilidade de acessos como prioridade apenas em
alguns locais.
Lisboa está
preparada para o envelhecimento da população?
O envelhecimento
da população em Lisboa vai pôr a cidade perante dois grandes problemas: um é o
da constitucionalidade. Está no artigo 72 da Constituição que todas as pessoas
têm o direito de envelhecer na sua casa, na sua comunidade, o que não quer
dizer ficar à janela, implica descer à rua, ir ao café, ir ao centro de dia, ir
à mercearia, ir à missa e ao mercado.
E é isso que
acontece?
Se Lisboa não
fizer nada para melhorar as condições de acesso, teremos cada vez mais
lisboetas a ficar fechados em casa a ver Lisboa da janela. Isto vai dar origem
ao segundo problema, que diz respeito à sustentabilidade social. É impossível
ter numa cidade um quinto da população fechada em casa inteiramente dependente.
Além disso, o
plano revela que o número de turistas com 65 anos ou mais está cada vez mais
próximo do número de visitantes mais jovens.
É verdade, a
geração baby boom está a entrar na terceira idade e estamos a receber cada vez
mais turistas acima dos 65 anos e, quanto mais avançamos na vida, mais
precisamos de acessos fáceis. Hoje em dia, mais de um terço dos passageiros
internacionais de cruzeiros são pensionistas e se não se fizer nada vai
tornar-se um destino turístico cada vez menos competitivo e sem grandes
condições para ser um ponto de turn around para os cruzeiros.
As
características naturais da cidade também influenciam os acessos?
É verdade que
existem sete colinas em Lisboa, mas só 25% das ruas de Lisboa é que têm uma
inclinação excessiva, o que pode criar um problema de acesso. No resto da
cidade, os problemas com acessos prendem-se com a dimensão dos passeios, muitas
vezes em más condições, e o estacionamento selvagem. São Francisco, nos Estados
Unidos, é uma cidade com mais colinas e os norte-americanos fizeram a cidade
com menos inteligência do que os romanos e os fenícios fizeram Lisboa. Ainda
assim, São Francisco é mais acessível.
Falo também do
pavimento, em grande parte revestido de calçada.
A calçada é um
produto artesanal. É feita à mão por artesãos que precisam de tempo para
executar devidamente este produto. Quando um produto artesanal é feito em
grande escala e em pouco tempo acaba por perder qualidade. A calçada começou a
ser colocada em sítios de referência da cidade, como o Rossio ou os
Restauradores. De repente, os trabalhos sem qualidade começaram a ser aplicados
em todo o lado, inclusive em locais muito próximos de grandes trabalhos de
calçada portuguesa, o que leva a uma certa confusão entre o que deve ser
preservado ou não.
Em que locais é
que isso acontece especificamente?
Na Avenida da
Liberdade por exemplo. Nas placas centrais da rua existem trabalhos artesanais
excelentes, mas junto às fachadas temos calçada sem qualidade. Isto não quer
dizer que a câmara vá retirar a calçada daí. Cada caso vai ser analisado
individualmente, sempre com o intuito de proteger a calçada de qualidade.
Está prevista a
retirada da calçada em alguns pontos da cidade?
Seria uma
irresponsabilidade escolher pavimentos apenas com base na estética. O conforto
e a segurança dos peões, a par do custo de execução e manutenção, têm de ser
tidos em conta na escolha do pavimento. A polémica da calçada surge porque as
pessoas estão a pensar na calçada bem feita, de qualidade.
O que é calçada
de qualidade?
A calçada de
qualidade, com valor patrimonial, é feita com pedras cúbicas, devidamente
facetadas e que encaixam como peças de puzzle. Uma coisa bem diferente são as
restantes pedras brancas que vemos encostadas umas às outras de forma mais
irregular. É preciso salvar a boa calçada que temos e só salvando a boa calçada
é que conseguimos salvar o ofício de calceteiro e só salvando ofício é que
conseguimos manter a arte viva. Acaba por ser um ciclo.
A câmara tem
apenas dez calceteiros profissionais. São suficientes?
Não interessa o
número sem falar da competência. A câmara não pode obrigar as pessoas a
inscreverem-se na escola de calceteiros, até porque actualmente para pôr
pedrinhas no chão não é preciso ter nenhuma formação. A calçada de antigamente
era feita por artesãos que tinham anos de experiência. Enquanto não
distinguirmos a boa calçada da má calçada, não há maneira de tornar a profissão
de calceteiro apelativa.
As alterações na
calçada têm um prazo para estar terminadas?
Uma intervenção
em toda a cidade não se faz do dia para a noite. O Rossio demorou quase um ano
a ser feito. Hoje em dia, quem é que está disposto a esperar um ano para que
uma praça seja calcetada? Qualquer obra que os lisboetas vejam nascer na cidade
foi precedida de meses de actividades ligadas a contratação, adjudicação e
projecto. As intervenções nos pavimentos que já estão terminadas ou actualmente
em fase de obra são anteriores ao plano.
Com o plano posto
em prática quais vão ser as principais diferenças notadas pelos lisboetas?
O plano é para
executar em quatro anos, mas que ninguém tenha a ilusão de que em 2017 a cidade vai estar
totalmente acessível. O que vamos ter em 2017 é uma câmara municipal com o
trabalho em marcha, que tem a promoção dos acessos integrada em todos os seus
serviços. Os lisboetas vão também encontrar pela cidade intervenções de
eliminação de barreiras, adaptação de paragens de autocarro, alargamento de
passeios. Mas para isso é necessária a contribuição dos lisboetas.
E de que forma
podem contribuir?
Acabar com o
estacionamento selvagem em Lisboa é uma prioridade. Além de danificar os
passeios, impede a passagem das pessoas e pode até pôr em perigo a vida dos
peões. É preciso diminuir o número de carros que entram na cidade todos os dias
para que isto deixe de acontecer.
Lisboa tem 9400
passadeiras. Há necessidade de criar mais?
Em cada uma das
passadeiras, o acesso e a segurança dependem de uma série de factores. É
impossível fazer as passadeiras dependerem de um qualquer serviço municipal. O
que estamos a fazer é comunicar com os serviços que intervêm nas passadeiras ou
imediações para que todas as decisões que tomem sejam coerentes entre si.
Qual é o
investimento total para que o plano seja posto em prática?
Não se sabe quanto
custa fazer de Lisboa uma cidade acessível, o valor teria sempre uma margem de
erro. O que está em causa é fazer tudo aquilo que é possível e assumir
compromissos claros. Sabemos apenas que 3% das verbas da Câmara Municipal de
Lisboa direccionadas para obras e actividades correntes (projectos, estudos,
etc.) são direccionadas para os acessos.
O plano é um
desafio para a câmara?
É um grande
desafio para a cidade, principalmente. Temos de pensar que já houve alturas em
que os edifícios em Lisboa não tinham saneamento básico ou resistência
anti-sísmica e que as ruas não eram pavimentadas. Todas estas mudanças nos
acessos são oportunidades de qualificação. Queremos fazer de Lisboa uma cidade
mais amiga dos lisboetas e garantir que a cidade é e continuará a ser um espaço
de liberdade, que não fecha ninguém em casa.
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