A censura aos media é hoje bem
mais perigosa: atua de forma silenciosa e camuflada
A nova censura
João Adelino
Faria
26/04/2014 |
00:00 | Dinheiro Vivo
Comecei a
escrever ao lado de jornalistas que lutaram contra a censura. Através deles,
conheci o sofrimento por que passaram para impor um jornalismo livre e
independente. Deles recebi a garantia de que a partir da minha geração nunca
mais teríamos medo de relatar acontecimentos. Quase 30 anos depois de chegar a
esta profissão, receio que se tenham enganado.
Nunca senti que
um texto meu ou uma peça jornalística na rádio ou na televisão tivesse sido
censurada ou condicionada. Algumas vezes tive de lutar, argumentar, barafustar,
mas consegui quase sempre aquilo que considero ser isenção e independência
jornalística. Acreditei por isso que a nossa imprensa era já totalmente livre. Passados
40 anos de democracia em Portugal começo a perceber agora que estava enganado.
Hoje pode não
haver censura direta sobre textos ou reportagens mas nunca o jornalismo e os
jornalistas estiveram tão condicionados. A censura sobre a comunicação social é
agora bem mais perigosa e poderosa porque atua de forma indireta, silenciosa e
camuflada.
Com a criação dos
grupos de comunicação social surgiu uma verdadeira estratégia empresarial no
produto jornalístico. Com ela vieram os avanços tecnológicos, maior
profissionalização, mas também maiores receios e constrangimentos. Mais do que
relatar e investigar factos, há agora que assegurar primeiro audiências e
financiamentos. Com estas novas prioridades em mente, alguns jornais, rádios e
televisões ficaram de imediato condicionados na forma como noticiam certos
assuntos. Afinal, ninguém quer pôr em risco a próxima tranche de um empréstimo
ou contratos com anunciantes. Para dar a volta ao problema, passou a ser
necessário ardilosamente manter a aparência de isenção jornalística, enquanto
se evita publicar notícias que belisquem interesses de financiadores ou
acionistas.
Em época de
crise, esta prática tornou-se ainda mais perigosa. O negócio dos jornais e
televisões atravessa um dos piores momentos e por isso vale tudo para conseguir
a entrada de capital. Há muito que se deixou de questionar a origem do dinheiro
e, como consequência, fecha-se os olhos a algumas investigações jornalísticas. Ninguém
proíbe nada mas a autocensura é bem mais eficaz.
Com a queda dos
ordenados e a precariedade no emprego, muitos jornalistas da nova geração
chegam à profissão já condicionados. Lutam por uma oportunidade num meio difícil,
mas muita da energia e do vigor que deveriam aplicar às notícias são de
imediato sugados pelo medo de perder o emprego. Para as redações hoje nem
sempre entram nem ficam os melhores. Agora vencem muitas vezes os que não
contestam nem ameaçam quem lhes paga os ordenados.
Lembro-me do
Assis Pacheco, do Cáceres Monteiro ou do Fernando Dacosta me dizerem que eu não
sabia a sorte que tinha em começar a ser jornalista com plena liberdade. Diziam-me
isto enquanto olhávamos um desfile do 25 de Abril, era eu ainda aprendiz deles
nos jornais. Hoje olho sozinho o mesmo desfile, vejo os mesmos cravos, escuto
as mesmas canções, mas receio já não encontrar a mesma liberdade que eles nos
ofereceram.
Pivô e jornalista
da RTP
Escreve ao sábado
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