NOVA LEI DA
REABILITAÇÃO URBANA “É UM PERIGO E UM RETROCESSO”
28 Abril, 2014, in Blog OCORVO / http://ocorvo.pt/2014/04/28/nova-lei-da-reabilitacao-urbana-e-um-perigo-e-um-retrocesso/
Texto e fotografias: Fernanda Ribeiro
As novas regras
estabelecidas pelo Governo para a reabilitação urbana, no regime excepcional
publicado em Diário da República no início de Abril, representam “um perigo e
um retrocesso, em particular no domínio da segurança contra incêndios e da
segurança sísmica”, afirmou sábado Vasco Appleton, engenheiro especialista em
estruturas e com experiência na área da reabilitação.
Vasco Appleton
falava na conferência “Lisboa entre séculos – A arquitectura ameaçada do século
XIX e XX”, promovida pelo Fórum Cidadania Lx, encontro que decorreu num local
que é ele próprio uma peça de património a preservar: o auditório Ventura
Terra, da Maternidade Alfredo da Costa.
Embora
reconhecendo alguns aspectos positivos e que fazem sentido na nova legislação –
que dispensa requisitos a ter em conta nas obras de reabilitação de edifícios
com mais de 30 anos, no domínio da acústica, acessibilidades e eficiência
energética, entre outros -, Vasco Appleton foi, porém, muito crítico no
capítulo da segurança sísmica e de incêndios. “Esta lei que pretende aligeirar
as regras da reabilitação urbana preocupa-me muito. A mim e a toda a
comunidade” envolvida em obras de reabilitação, disse. “É uma má lei e vai
justificar muita intervenção de fraca qualidade”.
Em matéria de
salvaguarda estrutural, a lei, que dispensa a aplicação de diversas normas do
RGEU (Regulamento Geral das Edificações Urbanas), refere apenas: “As
intervenções em edifícios existentes não podem diminuir as condições de
segurança e de salubridade da edificação nem a segurança estrutural e sísmica
do edifício”.
No alerta que
deixou, Vasco Appleton não esteve só. Também o arquitecto José Manuel
Fernandes, participante no debate que se seguiu à conferência, corroborou uma
visão negativa da nova lei, ainda que o seu período de vigência seja temporário
e para vigorar durante sete anos. “É um documento potencialmente criminoso”,
disse o arquitecto, que exortou os cidadãos e instituições como a Câmara
Municipal de Lisboa a serem mais intervenientes neste processo, intercedendo
junto do Governo para que se evite “uma catástrofe”, com a aplicação da nova legislação.
Na conferência,
em que a maioria dos participantes eram arquitectos, historiadores e
historiadores de arte, ligados ao património dos séculos XIX e XX e preocupados
com o desaparecimento de muitos dos exemplares da arquitectura dessa época,
falou-se muito de património arquitectónico. E das obras projectadas em Lisboa
de autores como Nicola Bigaglia, Ventura Terra, Norte Júnior ou ainda Ernesto
Korrodi. Mas acabou por ser um engenheiro a intervir com mais pragmatismo. “De
vez em quando, é preciso um engenheiro”, ironizou Appleton, dirigindo-se a uma
plateia de cerca de 70 pessoas, a maioria delas oriundas de disciplinas ditas
mais artísticas.
E, durante 15
minutos, falou das metodologias e dos desafios que se colocam aos especialistas
em reabilitação dos chamados edifícios de transição. Que, “para um engenheiro, são
os que estão entalados entre os pombalinos e os de betão armado e alvenaria”.
O caso que
abordou com detalhe, nas obras em que está envolvida a A2P, empresa de que faz
parte, foi a reabilitação em curso num conjunto de edifícios Avenida Duque de
Loulé, 86 a
94, cujo promotor imobiliário é “o mesmo do Palácio Sottomayor”, a imobiliária
espanhola Pryconsa.
Este foi um dos
casos em que, explicou Appleton, quando se chegou finalmente à fase de obra e a
A2P foi chamada a intervir, já grande parte do edificado estava em muito mau
estado. “Estava entre um mikado e um cheque mate ao construtor”, disse,
destacando que “um dos edifícios já tinha assentado 30 centímetros”.
Ao longo dos
tempos, aquele conjunto arquitectónico sofreu várias vicissitudes: fora destelhado
e, em 2006, chegou a ser feita uma grande escavação, mas a obra seria
abandonada. Fez-se uma contenção provisória, que durou quatro anos e que está
já a colapsar.
E não foi por
falta de estudos que a situação se degradou tanto, porque há décadas que havia
pareceres e alguns condenavam à demolição um dos três edifícios daquele
conjunto, “um gaioleiro invulgar”, nas palavras de Vasco Appleton. E só quando
já se perdeu muito do património original – “os tectos do edifício de esquina,
que supostamente eram para preservar, estavam desfeitos” – é que finalmente se
avança com a reabilitação.
Ainda assim, será
possível preservar o edifício de esquina, disse, mantendo a fachada, a
escadaria e o hall de entrada e também parte dos restantes prédios deste conjunto.
No meio destas desditas, a obra teve ,porém, uma vantagem, como destacou Vasco
Appleton. Permitiu alguma investigação, com os ensaios de carga que foram
feitos. “Temos de estar sempre a aprender e a estudar [como se comportam] os
materiais. E a madeira é um deles”.
Texto e fotografias: Fernanda Ribeiro
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