ENTREVISTA
"Pode haver uma saída limpa
com garantias informais da UE, uma coisa atípica"
LEONETE BOTELHO e
SOFIA RODRIGUES 27/04/2014 - PÚBLICO
Cabeça de lista da coligação PSD/CDS-PP defende que a Aliança Portugal pode
ganhar estas eleições.
Paulo Rangel, em
entrevista ao PÚBLICO, diz que a Aliança Portugal pode ganhar estas eleições,
mas que não deve tirar nenhuma ilação dos resultados em termos de governo. É
muito crítico com o PS, mas defende um "acordo de regime" depois das
próximas legislativas
Estamos em
vésperas de terminar o programa de assistência financeira. Portugal deve sair
com ou sem condicionalismos?
Portugal sairá
sempre com condicionalismos. Isso tem a ver com o tratado Orçamental. O governo
está a estudar qual a melhor saída. Há duas opções ou talvez três. Uma é sair
com uma linha cautelar, que terá um condicionalismo directo associado.
E que é defendida
pelo Presidente da República, pela ministra das Finanças, entre outros…
Só o governo que
está em funções e em diálogo com as instituições da troika é que pode ajuizar o
que é melhor para Portugal. Porque pode acontecer que a linha cautelar tenha
essa segurança acrescida de que falam alguns, mas ao mesmo tempo tenha um
condicionalismo associado tal que, por exemplo, influenciasse o crescimento e
isso fosse negativo. Foi um pouco o raciocínio que a Irlanda fez. Uma segunda
hipótese, uma saída limpa sem condicionalismos, embora com os compromissos do
Tratado Orçamental. Uma saída limpa terá a vantagem de não ter certos
condicionalismos associados. Depois pode haver uma terceira hipótese, que eu
não afasto, que é a de haver uma saída limpa com a garantia mais ou menos
informal por parte da União ou dos próprios Estados de uma ajuda em caso de necessidade,
uma coisa um bocadinho atípica.
Uma linha de
crédito que estaria disponível, como referiu o vice-primeiro-ministro?
Uma coisa com
esses contornos. No programa da Irlanda, ficou dito – é menos do que isto – que
ela poderia a qualquer momento pedir um programa cautelar. Isso não foi
indiferente para os mercados reagirem bem à evolução, à gestão da dívida
irlandesa, nomeadamente das taxas de juro. Se ela precisar pode ter programa
cautelar, embora aí com condicionalismo associado. Pode haver aqui vários tons
a matizar isto, mas não tenho informação, só quem está em diálogo com as
instituições é que terá. Hoje, qualquer uma destas soluções é mais airosa do
que a que se esperava há três meses, há seis meses e muito muito mais airosa do
que a esperada há nove meses.
Não acha que vai
haver uma gestão política desta decisão, sobretudo do PPE?
Não, as decisões
têm sido tomadas por unanimidade pelo eurogrupo que é presidido por um
socialista holandês.
Não há asfixia
democrática no Parlamento Europeu dada a proximidade entre as duas principais
forças?
Três pensamentos
para responder a uma pergunta com muita provocação. (Mas eu não usei asfixia,
usei claustrofobia). Era saudável que os partidos eurocépticos democráticos
tivessem uma voz activa no PE. Porque esse debate tem de ser feito de forma
mais aberta. Este debate mais Europa, menos Europa é menos feito em prejuízo da
ideia de mais Europa. Há diferenças claras entre o partido socialista europeu e
o PPE. Uma coisa é certa: a capacidade de diálogo dos socialistas é muito
grande, a aliança Portugal está disponível para o diálogo, o PS não está, tem
estado fechado no seu circuito, na sua aldeia gaulesa.
Como é que vai
fazer o apelo ao voto na coligação quando o Governo está a preparar mais cortes
e programas de rescisões amigáveis na Função Pública?
Assim como é uma
coisa positiva, uma vantagem para os partidos da coligação a saída do programa,
também temos de ter fechada todo o pacote de medidas que credibilizam essa
saída. E essas medidas não são populares. Está claríssimo que não vai haver
nenhum agravamento relativamente aos cortes que existem. O que pode haver é uma
mudança da modalidade.
Vão tornar-se os
cortes definitivos?
Vai encontrar-se
uma modalidade que é diferente do que existe. Mas a situação das pessoas não
vai piorar. Se não vai piorar, só pode melhorar, gradualmente. Mas aí temos a
companhia do PS. Não de António José Seguro, que está sempre em contradição com
alguém do seu partido, mas do seu conselheiro Óscar Gaspar. Ele próprio disse
que se o PS fosse governo não podia passar da situação em que estamos para uma
reposição da situação anterior de um dia para o outro. Pode haver a prazo uma
reposição gradual em função das melhorias da economia portuguesa.
Foi um crítico da
forma como o Governo fez a gestão dos cortes…
No início, a minha
crítica foi a questão da equidade, que foi entretanto conseguida. Estou
confortável com a equidade dos sacrifícios.
Após as
autárquicas disse que o governo devia corrigir a rota. Acha que o governo
aprendeu alguma coisa com os resultados das autárquicas?
O que eu queria
era alertar para a reforma do Estado. Há um conjunto de reformas importantes
que foram feitas, no mercado de trabalho, no arrendamento, na justiça, mas
havia um cardápio de medidas a tomar e penso que isso foi agarrado com as duas
mãos nessa altura.
Há pouco disse
que o Governo está a fazer estes cortes para credibilizar a saída do programa
mas que o PS não fará diferente.
Haver cortes não
é necessariamente negativo. Se eu com menos dinheiro fizer o mesmo ou melhor, é
positivo. E isso é possível, como se tem visto na área da saúde. Já o PS tem
discursos contraditórios…
Diga uma razão
para votar na coligação.
Se nós estamos
preocupados com o presente e com o futuro não devíamos repetir o passado.
Aquilo que o PS oferece como campanha é um regresso a 2011. Mas nestes três
anos em que as pessoas fizeram um esforço brutal, em que os portugueses foram
realmente extraordinários na forma como viveram estas dificuldades, foi
possível fazer com que o país esteja hoje bem melhor.
Está a falar dos
resultados da economia?
Sim, já não são
resultados insipientes, são até estimulantes. A situação é encorajadora. Temos
hoje as exportações a crescer, um excedente comercial que não tínhamos desde
1943, temos um excedente externo como não tínhamos desde 1992/93, temos o
desemprego a baixar todos os meses desde Abril de 2013 – já baixou 2,5% - com
criação líquida de emprego. Tivemos o maior crescimento da zona euro em 2013,
uma baixa da taxa de juros consistente e acelerada. Se nós tivemos de fazer
este esforço todo e conseguimos já estes resultados, vamos deitar agora este
esforço fora e regressar ao despesismo do PS?
Por isso é que
diz que a Aliança Portugal pode ganhar estas eleições? O que seria um bom
resultado?
Um bom resultado
é ganhar as eleições.
Por um voto?
Por um voto.
E um mau
resultado?
Perder é sempre
um mau resultado. Claro que depois as perdas, como as vitórias, podem ser
maiores ou menores.
Que ilações deve
a coligação tirar dos resultados destas europeias?
Há sempre uma
leitura política a fazer, mas não deve ter nenhuma consequência na
governabilidade do país. O PS está a confundi-las, mas isso é uma obsessão: só
fala do Governo, só fala da austeridade, mais nada. Está de tal maneira
obcecado com a questão do Governo que os número um e dois da lista deram
entrevistas a dizer que estavam disponíveis para ir para o Governo.
Nenhum resultado,
portanto, colocará em risco a coligação do Governo?
Penso que não.
Estou muito confiante num resultado positivo para a coligação. E o PS se quiser
tirar conclusões sobre o Governo, também tem de o fazer internamente, ou seja,
António José Seguro também tem de dizer que, se tiver um mau resultado, se vai
demitir. Mas isto são eleições para o Parlamento Europeu, não são eleições
legislativas em Portugal.
Concorda com
alguns dos seus correligionários que dizem que é bom que o PS ganhe por poucos
votos de modo a manter António José Seguro?
Eu não ouvi
ninguém dizer isso publicamente, mas penso que isso é um erro. A Aliança Portugal
tem de preocupar-se com o seu resultado e ganhar estas eleições. É um desafio
difícil mas é possível. Eu estou muito confortável porque nas últimas eleições
europeias não havia uma sondagem que desse a vitória ao PSD e nós ganhamos as
eleições. Eu a enterrar tradições e mitos urbanos…
Gosta!
Gosto! É o lado
lúdico desta campanha. Nós temos aspectos positivos: temos crescimento e
emprego com base em investimento, em aposta nas pequenas e médias empresas
exportadoras e inovadoras. Enquanto o PS fala em crescimento e emprego com base
em endividamento, em grandes investimentos outra vez. Nós queremos crescimento
que geram riqueza, eles querem gerar despesa.
Como sair da
dialéctica entre o país que está melhor mas os portugueses estão pior?
Não, eu acho que
há muitos portugueses que já estão melhor. Claro que há muitos que estão mal, e
até por respeito por estes temos de reconhecer que o desemprego continua em
níveis altíssimos, mas a baixar, e sabemos que não há nenhuma família que não
tenha sentido esta crise. Mas se temos os sinais positivos da economia, é
porque há muitas empresas que estão melhor. Já se sente um fervilhar, mas claro
que não devemos embandeirar em arco, até por respeito à maioria que ainda não
está melhor.
A coligação
PSD/CDS está suficientemente coesa para fazer uma campanha a nível programático
e a nível funcional?
Em termos de
coligação para estas europeias, a situação não podia ser melhor.
Apesar de o CDS
ter perdido peso específico na lista? Foi obrigado a colocar uma mulher num lugar
dificilmente elegível e a afastar um eurodeputado como diogo Feio que foi
bastante reconhecido.
Não acho isso. É
uma perspectiva muito pessimista e não é a nossa. O CDS até teve uma posição
superior ao que eram as regras em 2009. Do meu ponto de vista as condições da
coligação para fazer esta campanha não podiam ser melhores.
Mesmo com as
tensões que existem no Governo?
Não sei que
tensões são essas. Num Governo de coligação há sempre divergências. Mesmo nos
governos sem coligação há, porque há sensibilidades diferentes. É assim em todo
o lado. Em Portugal não há cultura dos entendimentos, vê-se pelo PS que não há
entendimento nenhum, não há cultura de diálogo, não há cultura da coligação.
Também não vou esconder que há aqui um factor crítico para que isto corra tão
bem. As relações entre o eurodeputado Nuno Melo e eu são as melhores.
Vão fazer
campanha juntos?
Temos uma
campanha totalmente solidária. Não se consegue distinguir quem é do PSD, quem é
do CDS nesta Aliança Portugal. Estamos totalmente afinados, falamos todos os
dias.
Diz que é difícil
aqui em Portugal uma cultura de entendimentos, mas como é que se alcança
consensos com tanta agressividade entre o PS e o PSD?
A veemência e o
discurso assertivo não impede diálogo, pelo contrário até o favorece. O que é
preciso depois para haver consenso é a disponibilidade para ceder. Isso é que
eu acho que não há em Portugal.
Muita gente o tem
acusado de ser agressivo no discurso, desde o congresso do PSD em que foi
anunciado como cabeça de lista.
Acho que isso é
um chavão que se quer colar.
Tal como os
chavões que se colam ao PS?
Não, o PS diz que
há extremismo, que há dogmatismo, mas não o demonstra. Eu o que digo, tenho-o demonstrado.
Quando digo que há uma contradição no discurso socialista, digo 'Schulz disse
isto' e até digo o minuto. O PS faz etiquetagens, mas não faz mais do que isso.
Acha que o PSD e
o PS estão condenados a entenderem-se depois das próximas legislativas?
Acho que tem de
haver claramente um acordo de regime. Agora se é um acordo escrito, se é
tácito, não sei. Mas não passa necessariamente por um acordo de Governo.
Não acha que seja
necessário?
Acho que era
desejável haver alguns entendimentos quanto aos grandes objectivos nacionais.
Portanto, haver alguma estabilidade de políticas públicas. Quanto à
responsabilidade orçamental era importante haver um entendimento.
Mas há. O PS
aprovou e tem-se comprometido com o Tratado Orçamental.
Está bem. Aprovou
o Tratado Orçamental mas depois no seu discurso aqui não é isso que diz.
Critica todas as medidas que visem equilibrar as contas públicas, diz que na
primeira oportunidade que tenha vai repor tudo, vai desfazer as reformas todas,
vai inverter tudo. Tem um discurso populista e demagógico. Depois pode haver
uma ou outra pessoa, uma voz isolada. Como é o caso de Óscar Gaspar, que diz
não vai ser possível, porque sabem que não vão conseguir cumprir o que estão a
dizer.
Não temos ouvido
o líder do PS dizer que vai repor tudo…
Ouvi a respeito
da justiça e da reforma das freguesias que ia voltar atrás.
Isso não é repor
salários e pensões.
Também disse.
Tanto que criou polémica a afirmação de Óscar Gaspar. O problema é depois a
velocidade a que vai fazer a reposição. E sempre disse que havia um excesso de
austeridade.
Na
previsibilidade de que não haverá maioria absoluta depois das próximas
eleições, e com a necessidade de haver um governo estável, que cenários
vislumbra para o pós-legislativas?
Não posso fazer
conjectura política. Acho que é desejável e isso era já, não dependia de
europeias, nem de legislativas nem de presidenciais, quanto a certos objectivos
nacionais que houvesse um consenso duradouro entre PSD, PS, CDS e até os outros
partidos, se quisessem vir também, embora esses veja com dificuldade. Um
consenso tão amplo quanto possível quanto a grandes objectivos que permitisse
essencialmente que esta rota de crescimento que temos à nossa frente possa ser
feita com responsabilidade orçamental, com estabilidade de algumas políticas
públicas. Por exemplo, a reforma do Estado, uma reforma da área da justiça, das
polícias. Se não querem fazer um grande consenso podia haver dossiers concretos
críticos que são alavanca.
Acha que o
Governo tem trabalhado nesse sentido?
O Governo
corrigiu a rota bastante tarde. Agora tem bastante disponibilidade para
acordos. Ou de maior amplitude ou de domínio mais circunscrito. Mas não estou a
ver o PS…o PS está numa lógica de espécie de corrida ao poder, de assalto ao
poder.
Estamos na semana
dos 40 anos do 25 de Abril, fez um discurso em 2007 sobre claustrofobia
democrática. Passados estes sete anos estamos com o ar mais respirável em
Portugal?
Acho que vivemos
um período muito difícil, o do socratismo, esse balanço ainda está por fazer.
Ele não foi apenas perigoso pela questão das finanças públicas, essa é a
factura que estamos a pagar, a bancarrota a que nos conduziram as decisões
erradas do Governo de José Sócrates, mas ele próprio tem uma concepção de
exercício de poder claramente pouco democrática. Não tinha a ver com a cultura
do PS, justiça se faça, mas era a cultura de José Sócrates em particular. Sem
dúvida que hoje não temos esse clima, que era de claustrofobia porque era de
auto-censura.
Acha que a
comunicação social é hoje mais livre?
Não é a questão
da comunicação social, era das próprias pessoas. O Charrua, que foi
contemporâneo desse discurso, e que foi revelado logo a seguir, era um exemplo
disso. Uma pessoa que fazia uma crítica e que tinha um processo disciplinar
numa direcção regional de educação. Contou uma anedota e teve um processo
disciplinar, é uma coisa que não lembra a ninguém. Era uma questão de saúde de
sistema muito mais vasta.
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