domingo, 27 de abril de 2014

Atracção pelo abismo, por Luís Rosa


Atracção pelo abismo
Por Luís Rosa
publicado em 28 Abr 2014 in (jornal) i online

Passos bem pode tentar mudar de rumo que não vai conseguir evitar uma derrota clamorosa nas europeias

Em vésperas de eleições europeias, e com o PS de António José Seguro a atingir os resultados mais altos de sempre nas sondagens, as luzes vermelhas soaram em São Bento. O alargamento das tarifas sociais da luz e do gás a 500 mil famílias (contra as actuais 61 mil) e o aumento do desconto de 20% para 34% de tal tarifa, a reunião proposta aos parceiros sociais para discutir um eventual aumento do salário mínimo, a promessa de Passos Coelho de deixar a “função pública” respirar, indiciam, entre outros sinais, uma mudança de estratégia política em vésperas de eleições europeias e da saída da troika.

É, contudo, uma mudança pouco credível por ser eleitoralista e parecer desesperada. Só um tolo não percebe que o PSD e o CDS receiam uma mais do que provável derrota histórica nas europeias. As sondagens dos últimos três meses demonstram que a maioria está em queda livre e arrisca-se a ficar no dia 25 de Maio muito atrás do PS.

Mas pior do que o eleitoralismo das medidas anunciadas é a inconsistência do discurso do primeiro-ministro. Não pode dizer numa semana que a “austeridade vai continuar” e descer os preços da luz e do gás na semana seguinte. Não pode querer aumentar o salário mínimo a poucas semanas das eleições, quando há pouco tempo rejeitava tal ideia, e pensar que o eleitorado vai a correr premiá-lo.

Uma coisa é fazer uma reforma do IRS e do IVA (como se fez no IRC), apostar numa descida sustentada desses impostos e dar sentido a todos os sacrifícios que a classe média fez nestes três anos. O desagravamento fiscal generalizado é a principal medida que a base social de apoio da maioria espera do governo de Passos Coelho. Os cortes na despesa pública (muitos dos quais continuam por fazer) só assim têm lógica. Mas três anos após o início da austeridade a pergunta que resta é: a maioria ainda tem uma base social de apoio?

Há dois grupos que o Passos Coelho conseguiu alienar e que não voltarão a votar tão cedo no PSD: reformados e funcionários públicos. As medidas que incidiram sobre estes grupos essenciais padecem de um problema comum: a forma como foram apresentadas e aplicadas. Tendo em conta o peso que as pensões e os salários da função pública têm na despesa do Estado seria impossível não mexer nesses items, mas a forma atabalhoada que caracteriza a acção de Passos Coelho estragou tudo. A substituição da Contribuição Extraordinária de Solidariedade e a tabela única salarial na função pública, medidas que devem ser conhecidas esta semana, só vão agravar a relação desses grupos com o governo.

Os restantes cidadãos de classe média ainda não têm razões para voltarem a votar na maioria. Veja-se o caso das tarifas sociais da luz e do gás. A descida não se aplica à classe média. Pelo contrário, os preços da luz vão continuar a subir para estes cidadãos a propósito do défice tarifário.


Passos Coelho sempre pensou que os primeiro sinais positivos macro-económicos que se têm vindo a repetir desde o final do ano passado fariam com que fosse premiado pelo eleitorado. Está enganado. No próximo dia 25 de Maio vai saber que essa sua atracção pelo abismo só pode ter um resultado: uma pesada derrota eleitoral.

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