Atracção pelo abismo
Por Luís Rosa
publicado em 28
Abr 2014 in
(jornal) i online
Passos bem pode tentar mudar de rumo que não vai conseguir evitar uma
derrota clamorosa nas europeias
Em vésperas de
eleições europeias, e com o PS de António José Seguro a atingir os resultados
mais altos de sempre nas sondagens, as luzes vermelhas soaram em São Bento. O
alargamento das tarifas sociais da luz e do gás a 500 mil famílias (contra as
actuais 61 mil) e o aumento do desconto de 20% para 34% de tal tarifa, a
reunião proposta aos parceiros sociais para discutir um eventual aumento do
salário mínimo, a promessa de Passos Coelho de deixar a “função pública”
respirar, indiciam, entre outros sinais, uma mudança de estratégia política em
vésperas de eleições europeias e da saída da troika.
É, contudo, uma
mudança pouco credível por ser eleitoralista e parecer desesperada. Só um tolo
não percebe que o PSD e o CDS receiam uma mais do que provável derrota
histórica nas europeias. As sondagens dos últimos três meses demonstram que a
maioria está em queda livre e arrisca-se a ficar no dia 25 de Maio muito atrás
do PS.
Mas pior do que o
eleitoralismo das medidas anunciadas é a inconsistência do discurso do
primeiro-ministro. Não pode dizer numa semana que a “austeridade vai continuar”
e descer os preços da luz e do gás na semana seguinte. Não pode querer aumentar
o salário mínimo a poucas semanas das eleições, quando há pouco tempo rejeitava
tal ideia, e pensar que o eleitorado vai a correr premiá-lo.
Uma coisa é fazer
uma reforma do IRS e do IVA (como se fez no IRC), apostar numa descida
sustentada desses impostos e dar sentido a todos os sacrifícios que a classe
média fez nestes três anos. O desagravamento fiscal generalizado é a principal
medida que a base social de apoio da maioria espera do governo de Passos
Coelho. Os cortes na despesa pública (muitos dos quais continuam por fazer) só
assim têm lógica. Mas três anos após o início da austeridade a pergunta que
resta é: a maioria ainda tem uma base social de apoio?
Há dois grupos
que o Passos Coelho conseguiu alienar e que não voltarão a votar tão cedo no
PSD: reformados e funcionários públicos. As medidas que incidiram sobre estes
grupos essenciais padecem de um problema comum: a forma como foram apresentadas
e aplicadas. Tendo em conta o peso que as pensões e os salários da função
pública têm na despesa do Estado seria impossível não mexer nesses items, mas a
forma atabalhoada que caracteriza a acção de Passos Coelho estragou tudo. A
substituição da Contribuição Extraordinária de Solidariedade e a tabela única
salarial na função pública, medidas que devem ser conhecidas esta semana, só
vão agravar a relação desses grupos com o governo.
Os restantes
cidadãos de classe média ainda não têm razões para voltarem a votar na maioria.
Veja-se o caso das tarifas sociais da luz e do gás. A descida não se aplica à
classe média. Pelo contrário, os preços da luz vão continuar a subir para estes
cidadãos a propósito do défice tarifário.
Passos Coelho
sempre pensou que os primeiro sinais positivos macro-económicos que se têm
vindo a repetir desde o final do ano passado fariam com que fosse premiado pelo
eleitorado. Está enganado. No próximo dia 25 de Maio vai saber que essa sua
atracção pelo abismo só pode ter um resultado: uma pesada derrota eleitoral.
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