EDITORIAL / PÚBLICO 16-4-2014
Atirar números para cima da mesa
Dizer que se vai cortar na “gordura do Estado”, sem dizer como é meio
caminho andado para não cortar
Aboa notícia é
que devido à evolução da economia, à boa execução orçamental e graças à revisão
em baixa da taxa de desemprego, o esforço que o país terá de fazer no próximo
ano para alcançar um défice de 2,5% será menor do que o estimado. Chegou-se a
aventar a necessidade de o Estado ter de cortar cerca de 2 mil milhões de euros
para atingir a meta imposta por Bruxelas para o défice de 2015. Marques Mendes
disse que o valor dos cortes poderia rondar os 1,7 mil milhões. Nem uma coisa,
nem outra. As contas do Governo mostram que será preciso cortar “apenas” 1,4
mil milhões de euros, o que não deixa de ser uma boa notícia.
A notícia menos
boa é a metodologia escolhida pelo Governo para conseguir reduzir a despesa. Em
vez de anunciar medidas concretas para atingir um determinado nível de
poupança, o Governo faz o contrário, ou seja, avança primeiro com os números e
depois “logo se verá” como é que a poupança será conseguida — ou seja, aponta
uma meta, sem mostrar o caminho. Reduzir as despesas dos ministérios,
reorganizar serviços, centralizar competências, poupar em consultoria ou
estudos externos mais supérfluos faz parte daquilo que se chama reduzir as
“gorduras do Estado”. A intenção de cortar nas “gorduras” para evitar ter de se
cortar ainda mais no rendimento dos portugueses é boa. Mas sem pormenorizar
medidas concretas soa a uma promessa já bastante gasta. Aliás, basta ver que no
ano passado o Governo não cumpriu a meta acordada com a troika para cortar nos
consumos intermédios do Estado.
A má notícia é
que o Governo continua a protelar o anúncio dos cortes definitivos que vão
afectar os pensionistas e os funcionários públicos no próximo ano. Milhares de
reformados e trabalhadores do Estado continuam a viver na angústia de não saber
o que lhes reserva o dia de amanhã.
Prego a fundo até 2015
Por Eduardo
Oliveira Silva
publicado em 16
Abr 2014 in
( jornal) i online / 16-4-2014
Passos Coelho só
vai aliviar a pressão da austeridade em 2015, o ano das legislativas
Há certamente uma
atitude que caracteriza Pedro Passos Coelho: a persistência e a convicção
inabalável de que a estratégia que encetou não tem alternativa, conforme ficou
patente na entrevista que ontem deu à SIC.
Contra tudo e
contra todos, salvo os integrantes da troika e os sempre ávidos mercados,
indiferente aos alertas sobre efeitos recessivos e às lamúrias do seu parceiro
de coligação, Passos vai prego a fundo até 2015 e nem hesita em aceitar a
humilhação de a próxima reunião com os credores coincidir com as comemorações
simbólicas do aniversário da Revolução.
É uma espécie de
técnica do vai ou racha ou de que entre mortos e feridos alguém há- -de
escapar, da qual em coerência nunca abdicou.
É claro que uma
atitude destas envolve riscos para o país. Somam-se cortes a cortes,
ajustamentos a ajustamentos e faz-se tudo o que a troika exigiu e ainda mais.
A recessão e a
pobreza resultantes são vistas como consequências inevitáveis e há em tudo a
convicção maquiavélica de que é melhor fazer o mal todo de uma assentada.
No meio disto há
a ténue consolação para os contribuintes de não haver de imediato um aumento de
impostos ou novos cortes nas pensões, mas esse discurso, psicologicamente,
consolida em cada um dos portugueses a ideia de que tudo o que foi tirado é
para sempre, o que contraria vastas proclamações públicas de governantes e
apoiantes do executivo, incluindo as suas de ontem.
Passos Coelho já
entrou pela via de nada anunciar de concreto e de mandar dar notícias a
conta-gotas, umas vezes por um, outras por outro, e ele lá vai gerindo os danos
com declarações ambíguas que tanto servem para mais tarde parecerem
confirmações como desmentidos.
Horas antes da
entrevista, mandou Maria Luís Albuquerque avançar para falar de cortes de 1400
milhões de euros, correspondentes
a 0,8% do PIB,
através de fusões e da misteriosa reforma do Estado.
E como não é
credível que não haja já um plano bem concreto, Maria Luís e Passos Coelho
vieram mais uma vez repetir o que o governo tem feito de diversas formas: acção
psicológica para preparar as massas, como tão bem se fazia na guerra colonial
junto da população local e dos militares. Há métodos que duram para sempre.
Em concreto não
se soube nada, mas ficou claro que se cortará em balas e soldados e não em
submarinos ou generais e almirantes. E também que se diminuirá o plantel de
empregados do Estado e não as rendas pagas pelos contribuintes, nada tendo sido
dito sobre a crucial questão da renegociação da dívida dos juros de 7 mil
milhões que anualmente pagamos e que correspondem a mais de 7% do produto
nacional bruto, o que torna qualquer política de desenvolvimento uma
impossibilidade prática.
Ao jeito das
novelas, foi um episódio muito anunciado mas cheio de flashbacks e de anúncios
de intenção para preparar o episódio seguinte.
É assim e assim
vai continuar por mais este ano até que em 2015 se ganhe uma folga para
distribuir algumas prebendas depois de tanto sacrifício com a finalidade de
ganhar as eleições.
Se não for
possível, paciência, porque haverá sempre um lugar num areópago internacional
ou numa empresa de sucesso, nem que seja das que vendiam formação profissional
a pataco.
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