“O euro não está em condições de
lidar com choques externos negativos”
Autor do livro defende que, apesar dos recentes sinais positivos nos
mercados, não foi ainda encontrada nenhuma solução estrutural para a moeda
única
A reestruturação da dívida portuguesa, a ser concretizada, poderia ser um
pontapé de saída para o fim do euro
Entrevista Sérgio
Aníbal / 5/4/2014 / PÚBLICO
Num momento em
que as taxas de juro da dívida descem e mesmo a Grécia diz querer voltar aos
mercados, o economista Pedro Braz Teixeira continua muito pessimista em relação
ao futuro do euro. A razão: não existe vontade política na Europa para fazer
aquilo que é preciso para resolver os problemas estruturais da moeda única. Na
segunda versão do livro O Fim do Euro em Portugal, que lança esta
segunda-feira, mantém a perspectiva de que uma ruptura no euro é o cenário mais
provável. Quando escreveu a primeira versão do seu livro, Mario Draghi tinha
acabado de declarar que o BCE estava disponível para fazer tudo o que fosse
preciso para salvar o euro. Isso não mudou a sua perspectiva em relação ao
futuro da moeda única? É verdade que esse discurso mudou a percepção dos
mercados sobre a crise do euro, só que aquilo que Mario Draghi fez foi uma
promessa. Uma promessa que ainda não foi submetida ao teste da realidade. O
euro continua a beneficiar dessa promessa e as taxas de juro da dívida soberana
recentemente têm retirado vantagens dos riscos de deflação e da hipótese de
serem adoptadas pelo BCE medidas não convencionais, mas tudo isto não constitui
nenhuma solução estrutural para o euro. Portanto, ainda mantém o cenário de
ruptura do euro, em que um país como a Grécia seria o gatilho para o
desencadear da crise? A Grécia neste momento até está a preparar uma emissão de
dívida de longo prazo. Sempre disse que a Grécia é um dos gatilhos possíveis,
não o único. A Itália é bem capaz de ser um caso muito mais problemático porque
a Grécia pode ser salva, mas a Itália não pode. Continuo a achar que o euro tem
problemas estruturais muito graves e que não há vontade política para os
resolver. Um dos sinais mais recentes disso é a união bancária. Foi criada com o
objectivo de cortar a ligação entre as crises bancárias e as soberanas, mas
como foi implementada não produz esse efeito.
Os mercados
parecem acreditar menos nisso agora...
As taxas de juro
mais baixas apontam para uma menor probabilidade de ruptura do euro. Os
mercados acreditam que, em última instância, os políticos vão acabar por
resolver o problema. Mas quando houver um caso, mesmo que pequeno, em que
percebem que tal não acontece, toda essa esperança desaparece. E assim entra-se
muito rapidamente numa autoconcretização de expectativas e de fuga de capitais.
Os mercados não
deviam acreditar na promessa de Draghi?
Não é só a
promessa de Draghi. É a promessa dos políticos de que farão tudo o que for necessário.
A união bancária é um falhanço e o que se vê, por exemplo, da parte alemã, é
que o eleitorado está muito cansado de estar há mais de 20 anos a pagar a
reunificação e agora de financiar os países da periferia. Nas eleições
europeias, onde é que se está a verificar a presença mais forte da
extrema-direita? Não é nos países auxiliados, é nos países que estão a pagar a
ajuda. Isto é um sinal de que existe uma reduzidíssima apetência política por
parte dos países que estão a pagar as ajudas para pagar mais ajudas. E pode-se
chegar a uma altura em que eles dizem que já não querem mais.
De onde vê a
ruptura a surgir?
Ou um país do Sul
não cumpre aquilo que é pedido para receber a ajuda ou um país do Norte diz que
não quer continuar a ajudar. Por exemplo, a Finlândia. É o único país
escandinavo que está no euro e só tem sofrido por isso. Em Chipre, esteve-se
mesmo à beira de se assistir a uma saída do euro. E esse caso revela uma
impreparação total da classe política. É que não têm de facto uma solução pensada.
Vão apenas gerindo a situação. Não será possível ir resolvendo os problemas
estruturais do euro aos poucos, agora que os mercados parecem estar dispostos a
dar algum tempo? Não podemos ter o problema do euro resolvido sem que se dê
passos como um orçamento federal, algo que não se está a ver a acontecer. E se
houver mais uma crise internacional, a zona euro será apanhada numa situação de
grande fragilidade. O euro não está em condições de lidar com qualquer choque
externo negativo. Os mecanismos de estabilidade financeira entretanto criados
não servem para isso? Não, são uma forma de emprestar dinheiro, mas não
resolvem a incapacidade dos países para gerirem choques adversos, nomeadamente
pelo facto de não possuírem uma política cambial.
O que seria preciso
fazer mais?
Uma união
bancária a sério e, possivelmente, alterar os estatutos do BCE, porque tem uma
meta de inflação que não é explícita e não é simétrica. Está sempre mais
preocupado com a inflação que vai acima da meta do que com a inflação que fica
abaixo. Com o ajustamento que os países do Sul têm de fazer, um objectivo de
inflação de 2% torna a tarefa muito complicada. O BCE precisaria de uma meta
mais elevada, pelo menos para permitir estes ajustamentos. Mas esta é mais uma
coisa que a Alemanha não irá nunca aceitar. Esta é que é a questão: nós
começamos a listar aquilo que é preciso fazer e apenas ficamos com coisas
politicamente impossíveis. Ou não estão em cima da mesa ou são feitas de forma
muito parcial. Estas eleições europeias vão ter o maior contingente de
deputados antieuro. A integração europeia atingiu um limite que não consegue
ultrapassar. O euro constituiu um excesso de integração; corrigir um excesso de
integração com mais integração é uma contradição.
Então acabar com
o euro é a solução?
Dito isto,
poder-se ia pensar que sim, mas não é. Acabar com o euro coloca-nos enormes
problemas — logísticos, económicos e também políticos. Se sairmos de forma
controlada, é o mesmo que sairmos de 100 para 80. Se sairmos de forma
descontrolada, é sair de 100 para 50. Como é que se pode fazer os políticos
avançar para uma solução em que dizem às pessoas que escolheram baixar para 80
por ser uma forma de evitar os 50? Como o eleitorado nunca vai conhecer o 50,
só vai conhecer a perda de 100 para 80, como é que se consegue convencer o
eleitorado a aceitar isto? Infelizmente, um fim controlado e mais suave do euro
é praticamente impossível de se concretizar.
O que deve
Portugal fazer?
Portugal tem de
manter o comportamento de bom aluno. Jamais pode ser a causa do fim do euro. Esta
ideia da reestruturação da dívida portuguesa, a ser concretizada, poderia ser
um pontapé de saída para o fim do euro. E ficávamos com o ónus de sermos os
maus da fita. E isso teria custos elevados, nós temos de negociar as condições
de saída. Se formos nós a provocar a situação, ninguém nos vai conceder nada. Em
contrapartida, se fizermos tudo o que está acertado e o euro acabar por razões
estruturais que não têm nada a ver connosco, somos capazes de ter concessões.
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