OPINIÃO
A Escola Pública
MARIA FILOMENA
MÓNICA 07/04/2014 - PÚBLICO
Mais uma vez
comprovo que, no meu país, não existem condições para um debate intelectual.
Portugal é,
sempre foi, um país de coutadas. Tal como as reservas de caça têm o seu dono,
assim, no campo intelectual, as disciplinas, os temas e até os romancistas
tendem a ser dominados por um senhor que defende, com unhas e dentes, o
perímetro da área que lhe dá sustento.
Por experiência
própria, sei hoje que Eça de Queirós é pertença dos “queirozianos” liderados
por Carlos Reis, da mesma forma que as escolas básicas são o terreno privado de
Paulo Guinote. É esta a explicação que encontrei para este senhor ter vindo a
terreiro afirmar que sou contra a escola pública.
Diz Guinote que,
no meu recente livro A Sala de Aula, defendera “a ideia de que o caos inundou
as salas de aula”, retrato que adjectiva de “catastrófico” e que, por o ser,
terá agradado não só a alguns docentes (coisa que, pelos vistos, o irrita) mas
a “todos aqueles que nos últimos anos têm procurado de forma sistemática
apresentar as escolas públicas como uma antecâmara do dantesco inferno,
erguendo como desejável alternativa as celestiais escolas privadas do topo dos
rankings”. Para ele, o meu livro é tanto mais “perigoso” quanto é
disfarçadamente a favor das privadas.
Há duas
explicações para esta crítica. Ou Guinote não leu o livro ou está de má-fé. Aliás,
nem precisaria de o ler. Bastar-lhe-ia ter visto o que escrevi para a
contra-capa. Passo a citar-me: “Mantendo-se tudo como está, as escolas dos
pobres serão inevitavelmente guetos de onde é difícil sair e as dos ricos
aquários onde os meninos só vêem uma parte do mundo: a sua”. É isto defender as
privadas? Claro que não. Aliás, julgo que ele leu a obra e que sabe
perfeitamente que, ao longo dos vários capítulos que a compõem, defendo a
escola pública. O alvo do meu ataque, como ele também o sabe, não são as
escolas públicas, mas o centralismo, a prepotência e a ineficácia do Ministério
da Educação. No fundo, o que não suporta é que alguém de fora o venha dizer.
Não vou discutir
aqui o meu curriculum académico nem a metodologia utilizada. Quanto ao
primeiro, pode ir à Net consultá-lo; quanto à segunda, as críticas que tece não
têm fundamento, uma vez que, no livro, expliquei os méritos e os limites do
trabalho. Se Guinote não gosta do retrato que dou da sala de aula terá de
contra-argumentar de outra forma. Nunca disse que deveríamos “cercar” a escola
pública a fim de a aniquilar. O que afirmei foi que deveríamos olhar os
problemas que enfrenta a fim de a salvar. Pelos vistos, Guinote julga que a
melhor forma de o fazer é através da apresentação de um diagnóstico falso. É
como se um homem, tendo ido ao médico por desconfiar de albergar no seu corpo
um tumor maligno, recebesse a seguinte informação: “Sim, é verdade, nem tudo
está bem, pois no TAC são visíveis umas pequenas lesões, mas vai ver que se
cura”. Será isto que Guinote gostaria que eu tivesse dito sobre a escola
pública?
Volto ao princípio: Guinote julga que só ele
pode dizer quais são as maleitas de que sofre a escola pública. Quem se atrever
a fazê-lo sem ser debaixo da sua asa é um hipócrita que subliminarmente deseja
enaltecer a escola privada. Mais uma vez comprovo que, no meu país, não existem
condições para um debate intelectual. Se, apesar disso, optei por responder a
este artigo injurioso foi por sentir que tinha uma dívida de gratidão
relativamente a todos aqueles que tornaram possível este livro.
Historiadora e socióloga
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