domingo, 6 de abril de 2014

A Escola Pública


OPINIÃO
A Escola Pública
MARIA FILOMENA MÓNICA 07/04/2014 - PÚBLICO

Mais uma vez comprovo que, no meu país, não existem condições para um debate intelectual.
Portugal é, sempre foi, um país de coutadas. Tal como as reservas de caça têm o seu dono, assim, no campo intelectual, as disciplinas, os temas e até os romancistas tendem a ser dominados por um senhor que defende, com unhas e dentes, o perímetro da área que lhe dá sustento.

Por experiência própria, sei hoje que Eça de Queirós é pertença dos “queirozianos” liderados por Carlos Reis, da mesma forma que as escolas básicas são o terreno privado de Paulo Guinote. É esta a explicação que encontrei para este senhor ter vindo a terreiro afirmar que sou contra a escola pública.

Diz Guinote que, no meu recente livro A Sala de Aula, defendera “a ideia de que o caos inundou as salas de aula”, retrato que adjectiva de “catastrófico” e que, por o ser, terá agradado não só a alguns docentes (coisa que, pelos vistos, o irrita) mas a “todos aqueles que nos últimos anos têm procurado de forma sistemática apresentar as escolas públicas como uma antecâmara do dantesco inferno, erguendo como desejável alternativa as celestiais escolas privadas do topo dos rankings”. Para ele, o meu livro é tanto mais “perigoso” quanto é disfarçadamente a favor das privadas.

Há duas explicações para esta crítica. Ou Guinote não leu o livro ou está de má-fé. Aliás, nem precisaria de o ler. Bastar-lhe-ia ter visto o que escrevi para a contra-capa. Passo a citar-me: “Mantendo-se tudo como está, as escolas dos pobres serão inevitavelmente guetos de onde é difícil sair e as dos ricos aquários onde os meninos só vêem uma parte do mundo: a sua”. É isto defender as privadas? Claro que não. Aliás, julgo que ele leu a obra e que sabe perfeitamente que, ao longo dos vários capítulos que a compõem, defendo a escola pública. O alvo do meu ataque, como ele também o sabe, não são as escolas públicas, mas o centralismo, a prepotência e a ineficácia do Ministério da Educação. No fundo, o que não suporta é que alguém de fora o venha dizer.

Não vou discutir aqui o meu curriculum académico nem a metodologia utilizada. Quanto ao primeiro, pode ir à Net consultá-lo; quanto à segunda, as críticas que tece não têm fundamento, uma vez que, no livro, expliquei os méritos e os limites do trabalho. Se Guinote não gosta do retrato que dou da sala de aula terá de contra-argumentar de outra forma. Nunca disse que deveríamos “cercar” a escola pública a fim de a aniquilar. O que afirmei foi que deveríamos olhar os problemas que enfrenta a fim de a salvar. Pelos vistos, Guinote julga que a melhor forma de o fazer é através da apresentação de um diagnóstico falso. É como se um homem, tendo ido ao médico por desconfiar de albergar no seu corpo um tumor maligno, recebesse a seguinte informação: “Sim, é verdade, nem tudo está bem, pois no TAC são visíveis umas pequenas lesões, mas vai ver que se cura”. Será isto que Guinote gostaria que eu tivesse dito sobre a escola pública?

 Volto ao princípio: Guinote julga que só ele pode dizer quais são as maleitas de que sofre a escola pública. Quem se atrever a fazê-lo sem ser debaixo da sua asa é um hipócrita que subliminarmente deseja enaltecer a escola privada. Mais uma vez comprovo que, no meu país, não existem condições para um debate intelectual. Se, apesar disso, optei por responder a este artigo injurioso foi por sentir que tinha uma dívida de gratidão relativamente a todos aqueles que tornaram possível este livro.


Historiadora e socióloga

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