Quem venceu as eleições de
domingo em França? Nicolas Sarkozy ou Marine
Le Pen?
JORGE ALMEIDA
FERNANDES 23/03/2015 – PÚBLICO
O resultado das eleições agrava a anomalia do tabuleiro político francês,
que passou a ser tripartidário.
As eleições
departamentais e cantonais de domingo consolidaram a estrutura tripartidária do
novo quadro político francês. A direita, liderada por Nicolas Sarkozy, venceu a
primeira volta graças à sua aliança com os centristas e está em condições para
obter uma larga vitória na segunda volta. A Frente Nacional, de Marine Le Pen,
teve um resultado abaixo das previsões das sondagens. Se não se pode proclamar
“o primeiro partido de França”, continua em clara progressão. O Partido
Socialista (PS), em terceiro lugar, sobreviveu à “catástrofe anunciada”.
Os resultados,
ainda provisórios, indicam que a União para um Movimento Popular (UMP, de
Sarkozy) e os centristas da UDI conquistaram 29,4% dos votos, seguidos da FN,
com 25,2, e dos socialistas, com 21,8. O PS evitou cair abaixo da barreira
fatídica dos 20%. No quadro tripartidário que se impôs desde 2014, os blocos da
direita tradicional e da esquerda somaram cada um 36% dos votos. A esquerda foi
penalizada pela sua pulverização e pelas querelas internas dos socialistas. Lembre-se,
no entanto, que esses dois blocos tinham tradicionalmente votações acima dos
40%. Nas cantonais de 2011 o conjunto da esquerda somou 50%. Enquanto os dois
blocos do bipartidarismo sofrem uma erosão, a extrema-direita passa a
representar um quarto do eleitorado.
A dinâmica da FN
A segunda volta
será desfavorável à FN graças ao sistema eleitoral. A UMP será a grande
beneficiária, prevendo-se uma larga vitória. Mesmo assim, a FN obteve um
resultado sem precedentes, estando presente no voto de “desempate” em metade
dos 2.000 cantões e com possibilidade de vencer em 350. Haverá numerosos duelos
UMP-FN e PS-FN. Em mais de 200 cidades onde haverá triangulares, a FN fará de
árbitro. Poderá ainda conquistar dois departamentos (Aisne e Vaucluse), o que
seria um feito “histórico”.
O que conta
politicamente não é a comparação com as sondagens mas a comparação com as
eleições anteriores. Arrastada pelas sondagens, que davam à FN uma votação na
casa dos 30% ou até acima, Marine Le Pen quis fazer destas eleições um
“plebiscito”, o que falhou. Mas progrediu 10 pontos em relação às eleições
cantonais de 2011 e consolidou o seu resultado nas europeias de 2014, com uma
ligeira subida.
Alguma imprensa
internacional interpretou o resultado de forma sumária: “Sarkozy travou Le
Pen.” Vários analistas discordam. “Marine Le Pen tem uma dinâmica que
ultrapassa as meras eleições municipais. A sua estratégia é a de bola de neve:
uma vitória arrasta outra”, explica Françoise Fressoz, editorialista do Monde. “Ela
quer ultrapassar a UMP e o PS, cavalgando a crise e o ressentimento em relação
à Europa. As sondagens mostram que não é impossível.”
“Se a FN está
decepcionada é apenas em relação às sondagens”, declara o politólogo Pascal
Perrineaud. “Não é o primeiro partido da França. Mas tem uma forte dinâmica. (...)
Está confirmada a tripartidarização da vida política francesa.”
Tripartidarismo anómalo
A fragmentação da
esquerda ofereceu uma aparatosa vitória ao ex-Presidente francês, que exerce
uma frágil e contestada liderança na UMP. Resumiu Sarkozy: “A alternância está
em marcha e nada a parará.” Referia-se às presidenciais e legislativas de 2017.
Quanto à segunda volta, mantém a política do “ni-ni”. Não haverá apelo ao voto
“republicano” em candidatos de esquerda. Nem acordos com a FN, “sob pena de
expulsão”. Ao contrário, o primeiro-ministro Manuel Valls apelou ao voto no
candidato da direita nos duelos com a FN. A segunda volta vai criar tensão na
UMP, onde muitos candidatos querem os votos da FN.
O próprio Sarkozy
foi precursor nesta matéria. Nas presidenciais de 2007 e 2012 recuperou os
grandes temas da FN para atrair os seus eleitores. A ideia era garantir uma
duradoura hegemonia da direita. Teve sucesso em 2007. Mas, após a substituição
de Jean-Marie Le Pen pela filha, a viragem à direita de Sarkozy legitimou e
reforçou a FN.
Não é um fenómeno
efémero. “A FN lançou-se num processo de normalização desde há vários
escrutínios”, sublinha o sociólogo Nicolas Lebourg. “Sobretudo no que diz
respeito aos valores autoritários e identitários: todos os inquéritos de
opinião mostram que este discurso tem hoje eco na opinião francesa.”
O bipartidarismo
resiste graças à lei eleitoral que implica a sub-representação da FN. A sua
ascensão não se traduzirá num avanço espectacular no Parlamento mas vai pesar
nas presidenciais. O tripartidarismo que emergiu em França, imposto pelo
eleitorado, criou uma situação inédita. Explica Thomas Wieder no Monde: “As
três forças que dominam a paisagem política não têm qualquer intenção de
governar em conjunto. Nenhum acordo é possível. E nenhuma pode pretender ser
maioritária por si só.” É a anomalia que resume a crise
política francesa.
Sem comentários:
Enviar um comentário