segunda-feira, 30 de março de 2015

Sarkozy saboreia vingança de uma vitória, Le Pen quase lhe sente o gosto / FN não vingou nem no Sudeste mais à direita, nem no Norte mais social


Sarkozy saboreia vingança de uma vitória, Le Pen quase lhe sente o gosto

CLARA BARATA 29/03/2015 – PÚBLICO

Centro-direita ganhou mais de metade dos departamentos na segunda volta de umas eleições com leitura nacional. Socialistas esperam que recuperação económica faça esquecer maus resultados.

O vencedor da noite da segunda volta das eleições departamentais francesas foi a UMP de Nicolas Sarkozy e sentia-se que estava a saborear a vingança de ter sido derrotado pelo socialista François Hollande nas presidenciais de 2012.

“Nunca uma política tinha encarnado tanto o fracasso a todos os níveis. Do Governo aos executivos governamentais, foi a mentira, a negação, a impotência que foram castigadas”, declarou, abrindo claramente a campanha para as eleições que contam mesmo: as presidenciais de 2017.

Os receados ganhos da Frente Nacional (FN) foram, talvez, sobrestimados - está afastada a possibilidade de conquistar a direcção de um departamento, um nível intermédio da administração territorial francesa. Mas também Marine Le Pen diz que antes de mais, este resultado é “uma plataforma para futuros resultados eleitorais”, a pensar nas presidenciais. Em média, disse ela, os candidatos da FN tiveram “cerca de 40%” dos votos e falharam a vitória por pouco. No total, o partido de Le Pen disputou 834 duelos e 273 disputas a três nesta segunda volta e conseguiu eleger, pelo menos, 50 conselheiros gerais a nível nacional. Nas palavras do secretário-geral do Partido Socialista, “a FN implanta-se sem triunfar”.

Mas, pelo menos no Vaucluse e no Aisne, os dois departamentos onde tinha mais hipóteses de ganhar, parece colocar-se a hipótese daquilo que os analistas designavam como “uma terceira volta”. Isto significa que nenhum partido terá maioria absoluta - essencial para aprovar orçamentos. Ou seja, esta distribuição de forças nos Conselhos Gerais pode torná-los ingovernáveis e a FN desempenhará o papel de fazedor de reis.

Hollande perde em casa
O Partido Socialista, que controlava 61 departamentos, deverá ficar, no final da contagem, com 26 a 30. Mas sofre derrotas humilhantes, passagens de poder para a UMP de Sarkozy que têm um forte valor simbólico, como os departamentos pelos quais são eleitos o Presidente François Hollande (Corrèze), o primeiro-ministro Manuel Valls (Essone), a presidente da Câmara de Lille e ex-dirigente máxima do PS, Martine Aubry (Norte). 

Sarkozy regozijou-se e enterrou a faca com gosto, sublinhando erros tácticos dos socialistas: “Ao anunciar, antes das eleições, que o vosso voto não mudaria nada, o Executivo escolheu ignorar o voto dos franceses”, afirmou o ex-Presidente, referindo-se às notícias dizendo que Hollande não tinha intenção de remodelar o Governo nem de mudar políticas. “Não se muda de Governo a cada eleição”, dizia o Le Monde, citando fontes próximas do Presidente.

Manuel Valls confirmou essas notícias saídas, levantando o véu sobre medidas que o seu Governo vai tomar nos próximos tempos, que se centrarão na retoma económica e na criação de emprego. Reconheceu, no entanto, que se verificou uma “viragem duradoura na paisagem política francesa, com a “incontestável vitória da direita republicana” e “o resultado demasiado elevado da extrema-direita”.

A resposta socialista, no entanto, não passa por inflectir caminho, mas por depositar toda a esperança no crescimento da economia. Pois como diziam fontes do Eliseu ao Le Monde, estes resultados não deixam entrever uma vontade no eleitorado de viragem à esquerda, antes pelo contrário.

Concluindo, uma sondagem para a televisão iTelé mostra que 67% dos franceses considera que Manuel Valls sai enfraquecido destas eleições e Marine Le Pen reforçada. Quanto a Sarkozy, curiosamente, apenas 46% acreditam que sai desta votação mais forte.

A posição do ex-Presidente não é assim tão segura na UMP: ele impôs uma lógica eleitoral de não apoiar candidatos da FN nem do PS da segunda volta. Mas obteve esta vitória concorrendo aliado a um partido do centro, a União de Democratas e Independentes. Isto parece dar razão à estratégia de alargamento a outro partido do centro, o MoDem, defendida por Alain Juppé, o seu rival nas primárias para escolher o candidato da UMP às presidenciais de 2017.

 
Marion Maréchal-Le Pen

FN não vingou nem no Sudeste mais à direita, nem no Norte mais social

CLARA BARATA 29/03/2015 - PÚBLICO

Diferenças na retórica do partido dos Le Pen têm-lhe permitido aumentar o eleitorado.

Marion Maréchal-Le Pen, a loura neta de Jean-Marie Le Pen, esperava ser uma das protagonistas da noite. Vaucluse, o departamento do Sudeste francês pelo qual é deputada, era um dos departamentos que a Frente Nacional (FN) mais esperanças tinha de conquistar, pois estas terras provençais foram dos primeiros territórios a renderem-se ao discurso nacionalista do partido. Não conseguiu uma vitória, mas criou um conselho geral ingovernável, onde a palavra da FN terá de ser levada em conta.

“Não baixamos os braços quando se trata de defender o nosso território e nosso país”, afirmou combativa, a mais jovem do clã Le Pen, dada como próxima da linha mais à direita do avô – “Daddy”, como ela lhe chama – que é a que tem vingado nesta zona de França. É no Sul que que se concentram muitos franceses que foram forçados a regressar da Argélia após a independência. Jean-Marie Le Pen, que combateu na ex-colónia, e esteve ligado aos meios anti-independência, tem aí o seu meio natural.

“Houve três etapas na construção eleitoral da FN. A primeira foi a do Sudeste, com a direita radicalizada e o voto pé-negro [a expressão que designa os ‘retornados’ da Argélia], disse ao “Le Monde” o investigador Pascal Perrineau, do Instituto de Ciências Políticas de Paris. Por isso, tradicionalmente, os eleitores da FN do Sudeste são mais à direita, e o Departamento de Vaucluse era apontando como o que o partido conquistaria mais facilmente. Mas houve mobilização dos eleitores da direita tradicional e até do PS suficiente para impedir a maioria da FN.

No Norte e no Leste, os novos territórios que se deixaram cativar pelo discurso mais social de Marine Le Pen, a tia de Marion e líder da FN, o partido avançou entre os eleitores que, nas palavras de Perrineau, usam o seu voto “em protesto contra a sociedade pós-industrial”, que encerrou as grandes fábricas e as minas, e os deixou sem empregos. Muitos vivem “uma ressurgência do nacionalismo ferido”, culpando a União Europeia, a “mundialização”, a imigração, por essa vida que deixou de ter horizontes, e seguem o discurso da Frente Nacional.

“Passámos de Jean Jaurès” a Jean-Marie”, afirmou ao “Le Monde” o dono de uma papelaria em Libercourt, no Departamento do Norte, evocando o nome de um famoso líder socialista, assassinado no início da I Guerra Mundial e o disparar da popularidade da FN naquela zona, pela qual Marine Le Pen passou a candidatar-se. Ali, tal como no Leste do país, o discurso do partido de extrema-direita “insiste na ameaça da ‘mundialização’, com um vocabulário socializante que poderia ter sido usado por George Marchais [dirigente histórico do Partido Comunista Francês, de 1972 a 1994]”, explicou ao “Libération” a investigadora da Universidade de Stanford (EUA) Cécile Alduy.


A diferença de discurso entre Norte e Sul – onde continua influenciado pela descolonização, e procura dirigir-se aos pequenos comerciantes e a centrar-se na imigração – tem permitido à FN adaptar-se e crescer. No Centro e no Oeste, tem também feito conquistas, aproveitando-se da crise rural e das zonas intermédias, diz Pascal Perrineau, onde “a crise rural e das zonas intermédias alimenta o voto frontista de uma população que perdeu as suas referências”.

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