Sarkozy saboreia vingança de uma
vitória, Le Pen quase lhe sente o gosto
CLARA BARATA
29/03/2015 – PÚBLICO
Centro-direita ganhou mais de
metade dos departamentos na segunda volta de umas eleições com leitura
nacional. Socialistas esperam que recuperação económica faça esquecer maus
resultados.
O vencedor da noite
da segunda volta das eleições departamentais francesas foi a UMP de Nicolas
Sarkozy e sentia-se que estava a saborear a vingança de ter sido derrotado pelo
socialista François Hollande nas presidenciais de 2012.
“Nunca uma
política tinha encarnado tanto o fracasso a todos os níveis. Do Governo aos
executivos governamentais, foi a mentira, a negação, a impotência que foram
castigadas”, declarou, abrindo claramente a campanha para as eleições que
contam mesmo: as presidenciais de 2017.
Os receados ganhos
da Frente Nacional (FN) foram, talvez, sobrestimados - está afastada a
possibilidade de conquistar a direcção de um departamento, um nível intermédio
da administração territorial francesa. Mas também Marine Le Pen diz que antes
de mais, este resultado é “uma plataforma para futuros resultados eleitorais”,
a pensar nas presidenciais. Em média, disse ela, os candidatos da FN tiveram
“cerca de 40%” dos votos e falharam a vitória por pouco. No total, o partido de
Le Pen disputou 834 duelos e 273 disputas a três nesta segunda volta e
conseguiu eleger, pelo menos, 50 conselheiros gerais a nível nacional. Nas
palavras do secretário-geral do Partido Socialista, “a FN implanta-se sem
triunfar”.
Mas, pelo menos
no Vaucluse e no Aisne, os dois departamentos onde tinha mais hipóteses de
ganhar, parece colocar-se a hipótese daquilo que os analistas designavam como
“uma terceira volta”. Isto significa que nenhum partido terá maioria absoluta -
essencial para aprovar orçamentos. Ou seja, esta distribuição de forças nos Conselhos
Gerais pode torná-los ingovernáveis e a FN desempenhará o papel de fazedor de
reis.
Hollande perde em
casa
O Partido
Socialista, que controlava 61 departamentos, deverá ficar, no final da
contagem, com 26 a
30. Mas sofre derrotas humilhantes, passagens de poder para a UMP de Sarkozy
que têm um forte valor simbólico, como os departamentos pelos quais são eleitos
o Presidente François Hollande (Corrèze), o primeiro-ministro Manuel Valls
(Essone), a presidente da Câmara de Lille e ex-dirigente máxima do PS, Martine
Aubry (Norte).
Sarkozy
regozijou-se e enterrou a faca com gosto, sublinhando erros tácticos dos
socialistas: “Ao anunciar, antes das eleições, que o vosso voto não mudaria
nada, o Executivo escolheu ignorar o voto dos franceses”, afirmou o
ex-Presidente, referindo-se às notícias dizendo que Hollande não tinha intenção
de remodelar o Governo nem de mudar políticas. “Não se muda de Governo a cada
eleição”, dizia o Le Monde, citando fontes próximas do Presidente.
Manuel Valls
confirmou essas notícias saídas, levantando o véu sobre medidas que o seu
Governo vai tomar nos próximos tempos, que se centrarão na retoma económica e
na criação de emprego. Reconheceu, no entanto, que se verificou uma “viragem
duradoura na paisagem política francesa, com a “incontestável vitória da
direita republicana” e “o resultado demasiado elevado da extrema-direita”.
A resposta
socialista, no entanto, não passa por inflectir caminho, mas por depositar toda
a esperança no crescimento da economia. Pois como diziam fontes do Eliseu ao Le
Monde, estes resultados não deixam entrever uma vontade no eleitorado de
viragem à esquerda, antes pelo contrário.
Concluindo, uma
sondagem para a televisão iTelé mostra que 67% dos franceses considera que
Manuel Valls sai enfraquecido destas eleições e Marine Le Pen reforçada. Quanto
a Sarkozy, curiosamente, apenas 46% acreditam que sai desta votação mais forte.
A posição do
ex-Presidente não é assim tão segura na UMP: ele impôs uma lógica eleitoral de
não apoiar candidatos da FN nem do PS da segunda volta. Mas obteve esta vitória
concorrendo aliado a um partido do centro, a União de Democratas e
Independentes. Isto parece dar razão à estratégia de alargamento a outro
partido do centro, o MoDem, defendida por Alain Juppé, o seu rival nas
primárias para escolher o candidato da UMP às presidenciais de 2017.
FN não vingou nem no Sudeste mais
à direita, nem no Norte mais social
CLARA BARATA
29/03/2015 - PÚBLICO
Diferenças na retórica do partido
dos Le Pen têm-lhe permitido aumentar o eleitorado.
Marion
Maréchal-Le Pen, a loura neta de Jean-Marie Le Pen, esperava ser uma das
protagonistas da noite. Vaucluse, o departamento do Sudeste francês pelo qual é
deputada, era um dos departamentos que a Frente Nacional (FN) mais esperanças
tinha de conquistar, pois estas terras provençais foram dos primeiros
territórios a renderem-se ao discurso nacionalista do partido. Não conseguiu
uma vitória, mas criou um conselho geral ingovernável, onde a palavra da FN
terá de ser levada em conta.
“Não baixamos os
braços quando se trata de defender o nosso território e nosso país”, afirmou
combativa, a mais jovem do clã Le Pen, dada como próxima da linha mais à
direita do avô – “Daddy”, como ela lhe chama – que é a que tem vingado nesta
zona de França. É no Sul que que se concentram muitos franceses que foram
forçados a regressar da Argélia após a independência. Jean-Marie Le Pen, que
combateu na ex-colónia, e esteve ligado aos meios anti-independência, tem aí o
seu meio natural.
“Houve três
etapas na construção eleitoral da FN. A primeira foi a do Sudeste, com a
direita radicalizada e o voto pé-negro [a expressão que designa os ‘retornados’
da Argélia], disse ao “Le Monde” o investigador Pascal Perrineau, do Instituto
de Ciências Políticas de Paris. Por isso, tradicionalmente, os eleitores da FN
do Sudeste são mais à direita, e o Departamento de Vaucluse era apontando como
o que o partido conquistaria mais facilmente. Mas houve mobilização dos
eleitores da direita tradicional e até do PS suficiente para impedir a maioria
da FN.
No Norte e no
Leste, os novos territórios que se deixaram cativar pelo discurso mais social
de Marine Le Pen, a tia de Marion e líder da FN, o partido avançou entre os
eleitores que, nas palavras de Perrineau, usam o seu voto “em protesto contra a
sociedade pós-industrial”, que encerrou as grandes fábricas e as minas, e os
deixou sem empregos. Muitos vivem “uma ressurgência do nacionalismo ferido”,
culpando a União Europeia, a “mundialização”, a imigração, por essa vida que
deixou de ter horizontes, e seguem o discurso da Frente Nacional.
“Passámos de Jean
Jaurès” a Jean-Marie”, afirmou ao “Le Monde” o dono de uma papelaria em
Libercourt, no Departamento do Norte, evocando o nome de um famoso líder
socialista, assassinado no início da I Guerra Mundial e o disparar da
popularidade da FN naquela zona, pela qual Marine Le Pen passou a
candidatar-se. Ali, tal como no Leste do país, o discurso do partido de
extrema-direita “insiste na ameaça da ‘mundialização’, com um vocabulário
socializante que poderia ter sido usado por George Marchais [dirigente
histórico do Partido Comunista Francês, de 1972 a 1994]”, explicou ao
“Libération” a investigadora da Universidade de Stanford (EUA) Cécile Alduy.
A diferença de
discurso entre Norte e Sul – onde continua influenciado pela descolonização, e
procura dirigir-se aos pequenos comerciantes e a centrar-se na imigração – tem
permitido à FN adaptar-se e crescer. No Centro e no Oeste, tem também feito
conquistas, aproveitando-se da crise rural e das zonas intermédias, diz Pascal
Perrineau, onde “a crise rural e das zonas intermédias alimenta o voto
frontista de uma população que perdeu as suas referências”.
Sem comentários:
Enviar um comentário