Ongoing. Uma história de poder,
ambição e desgraça
Por Filipe Paiva
Cardoso
publicado em 28
Mar 2015 in
(jornal) i online
Vasconcellos e
Mora cresceram à sombra dos holofotes que os atraiam. Mas quanto mais puxaram o
foco para si, mais se tornaram evidentes as ramificações políticas,
empresariais e maçónicas deste projecto de império
O foco encandeia.
O mediatismo e o papel cada vez mais relevante que a Ongoing procurou no mundo
político-empresarial trouxe os holofotes que Nuno Vasconcellos e Rafael Mora
tanto desejavam, mas com cada vez mais luz a incidir num grupo opaco, o
projecto-de-império foi cada vez mais alvo de escrutínio. Longe já iam os dias
em que à sombra dos holofotes a dupla foi crescendo e embrenhando-se no seio
das ditas elites que nos últimos anos arrastaram o país para o estado actual.
Pina Moura, Jorge Coelho e António Mexia terão servido de “apresentadores” à
elite e a dupla de empresários em pouco tempo acumulou avenças para a sua
Heidrick &Struggles (H&S) entre o sector empresarial do Estado.
Na década de
1990, Vasconcellos e Mora eram já bastante próximos, depois de se cruzarem na
Andersen Consulting. Avançam então para a independência, lançando a H&S,
uma head-hunter e consultora de recursos humanos que lhes servirá de porta de
entrada na rede empresarial e política, onde a sua contratação coincidia com a
recomendação pela H&Sde altos salários para os gestores que os contratavam.
A gradual entrada na rede foi possível graças àquilo que mais procuravam anular,
o anonimato.
AH&Sserviu
assim para avançarem por um caminho de prémio-benefício com gestores e
políticos, com destaque para o hoje CEOda EDP, António Mexia. AHeidrick serviu
a Galp deMexia e foi servir as empresas públicas a partir do momento em que
este “gestor-político-facilitador” saltou para o Ministério dasObras Públicas –
de onde partiu para ir ganhar milhões de euros para aEDPpor sugestão da
H&S... prémio-benefício. “É para garantir a performance sustentável a médio
prazo”, explicou então Mora sobre a proposta que a H&S fez para o salário
de Mexia na EDP.
Com Pina Moura e
Jorge Coelho já na sua esfera, Mora e Vasconcellos conseguem superar a troca de
governo: a ascensão de Sócrates, que traz Mário Lino como ministro das Obras
Públicas, permite-lhes, por um lado, aprofundar as ligações aos círculos do
poder mas, por outro, traz o primeiro escândalo sobre avenças e influências:a
H&S recebia 150 mil euros/mês dos CTTsem prestar qualquer serviço. Apesar
do escândalo, a H&Sdá por si já a prestar serviços à ANA, Carris, Estradas
de Portugal, TAP, EDP, Águas dePortugal...
Com o primeiro
governo de Sócrates, o mundo empresarial sofreu fortes abalos e em todos eles
os nomes dos empresários foram recorrentes:da guerra fratricida no BCP – onde
eram próximos dePaulo Teixeira Pinto – ao cerco à comunicação social, passando
pelas telecomunicações, estes foram anos de guerra aberta pelo controlo dos
grupos das elites. Para entrar na guerra, são precisas armas e também um
padrinho, de preferência um que reúna as duas coisas: quem melhor que Ricardo
Salgado himself? Foi a OPAda Sonae à PT em 2006 que o tornou possível –
operadora a que a H&S depois iria servir e encaixar milhões.Os interesses
instalados na PT – dos milhões pagos a accionistas, aos milhões pagos a gestores,
passando pelos empregos a ex-políticos –, uniram-se para a criação de uma
frente anti-Sonae.
Em defesa do
status, era preciso aliados:a Ongoing aparece assim como novo accionista da PT,
alinhada com o BES, justificando o financiamento da operação com a herança de
Vasconcellos, vinda da Sociedade Nacional de Sabões. Porém, a entrada e
reforços de posição na PT, até aos 10%, foram garantidos sobretudo com dívida,
do BES e BCP, com as próprias acções da PTa servirem de garantia. Foi neste
dossier que a Ongoing atraiu de vez os holofotes para si.
O“status PT quo”
resiste e a OPA é chumbada. Segue-se o prémio--benefício:as compensações e os
prémios combinados entre accionistas e administração não se fizeram esperar,
com milhares de milhões de euros a voar para ambos, cabendo ainda a cereja em
cima do bolo para Vasconcellos eMora, que garantem lugares na administração
daPT e no circuito dos milhões em bónus e salários que a empresa pagava
anualmente. Seguiu-se a venda da Vivo e nova distribuição de milhões – em dez
anos, a PTpagou 112 milhões de euros aos gestores enquanto desvalorizava 80%.
No meio de tanto auto-prémio e auto-dividendo, porém, a PTacabou por ter o
destino hoje conhecido, até porque havia mais a acontecer com o dinheiro da PT.
Assegurado o
lugar na sala dos grandes e uma parte dos dividendos milionários do
ex-monopólio, aOngoing precisava de resolver uma posição na banca e depois
apontar baterias a outro sector de influência:os media. No BCP, Mora desenha o
modelo dualista de governação e eclode uma guerra de accionistas, com a Ongoing
a entrar no capital para apoiar TeixeiraPinto contra Jardim Gonçalves – ou
Maçonaria (ver págs. 6/7)contra Opus Dei – e, pelo caminho, ganhar lugares na
administração. “Os relacionamentos agora conhecidos [maçonaria e secretas]
abrem uma nova perspectiva sobre o que aconteceu no BCP”, viria a comentar em
2012 Filipe Pinhal, em declarações para o retrato aprofundado à Ongoing feito
então pelo “Público”. Voltando a 2007, dizia na altura o “Diário Económico”
sobre o conflito no BCP: “Os exércitos estão formados e já começaram a
disparar.” E por falar em “Económico”, hora de olhar para os media.
Entre 2008 e 2009, a Ongoing torna-se um
accionista cada vez mais relevante na Impresa, grupo que o pai de Nuno
Vasconcellos, Luís Vasconcellos fundou com Balsemão, atingindo mais de 20% em
ano e meio, num movimento que deixou Balsemão surpreendido. O assédio e o
reforço na SIC intensificava-se ao mesmo tempo que o grupo mostrou com força
que a presença na comunicação social era decisiva:pagou 27,5 milhões pelo “Diário
Económico” e “Semanário Económico”, valor visto como exagerado mas que garantiu
que os jornais não lhe escapavam. Ainda neste ano e meio, o i noticia emJunho
de 2009 que também a TVIestá a ser assediada:a Media Capital está a vender, e
aPT, Controlinveste e Ongoing posicionam-se para comprar o canal então envolto
em polémica com JoséSócrates e a sua acusação de “Telejornal travestido.” As
escutas do FaceOculta divulgadas pelo “Sol” indiciam que o avanço para a
TVIpelaPTseria um esquema do executivo para controlar os media com um novo
grupo, esquema no qual aOngoing também representaria o seu papel. Nas escutas,
também SoaresCarneiro, então administrador daPT, acaba por ser ouvido. Pouco
depois, JoséEduardo Moniz, ex-director-geral daTVI, está a trabalhar na
Ongoing. Mas o negócio TVInão corre bem e a Ongoing acaba por reforçar o
assédio ao controlo da Impresa, que levará a uma troca de processos judiciais
entre as empresas, cujas decisões seriam favoráveis a Balsemão.
A referência
anterior a SoaresCarneiro não surgiu por acaso. Todas estas movimentações do
grupo deVasconcellos e Mora exigiam capital e, como atrás referimos, havia
muito a acontecer com o dinheiro daPT – e não só na Rioforte. Foi em Julho de
2009 que JorgeTomé, representante daCGD na PT, denunciou que o Fundo de Pensões
daoperadora, presidido por SoaresCarneiro, aplicou 75 milhões de euros em
fundos de alto risco da Ongoing, que assim se ia financiando:também o BES
aplicou largos milhões nestes fundos. Oassunto foi polémico e SoaresCarneiro
acabou por sair daPT para aOngoing.
Ocrescimento
agressivo da empresa nestes anos atraiu uma imensa atenção mediática. As contas
e as dívidas acumuladas da Ongoing começaram a ser temas recorrentes e as
movimentações e contratações da empresa já não passavam despercebidas:Agostinho
Branquinho, deputado do PSDé contratado poucos meses depois de lançar a célebre
“O que é a Ongoing?”, segue-se SilvaCarvalho, as ligaçõesàs secretas, e uma
sucessão de polémicas, que vão das renegociações de dívidas com Armando Vara,
já no BCP-socrático, aos processos judiciais no Brasil, tudo enquanto
Vasconcellos e Mora se preparam já para um terreno mais laranja do que
cor-de-rosa:Miguel Relvas, José LuísArnaut, Eduardo Catroga participam numa
reunião de quadros do grupo.
Depois chegou a
crise.AOngoing, já encadeada e demasiado exposta perante os holofotes, dá por
si em igual situação perante os custos da dívida, isto quando a PTjá está em
decadência. A lista de polémicas às costas parece infindável, até porque por
esta altura já as ligações no Brasil a Lula daSilva e JoséDirceu eram cada vez
mais noticiadas, o que fez com que a luz dos amigos anteriores começasse a
fundir-se:Ricardo Salgado e o BESfazem saber que as ligações com a Ongoing
“nunca foram assim tanto quanto se dizia” – ironicamente como muitos dirão hoje
sobre o próprio BES – e o grupo empresarial decide afastar-se do mediatismo.
Apesar disso, certo é que as repercussões e réplicas do percurso dos últimos
anos ainda hoje se fazem sentir, como o início do julgamento do caso das
Secretas, agora em Abril, abordado nas páginas seguintes.
Nuno Vasconcellos. O herdeiro dos
sabões e filho do “Expresso” que quis um império
Herdeiro dos
Rocha dos Santos e filho de um dos fundadores da Impresa, levou a família à
21.ªposição dos mais ricos do país. Mas teve de abdicar do plano de tornar a
Impresa numa “obra que ultrapasse o próprio criador” e o seu maior trunfo, a
PT, colapsou. Agora, perdeu o seu estratega. E o rumo?
“Nós somos uma
empresa de cariz familiar, com várias gerações, já passámos por grandes
dificuldades, duas guerras mundiais, revoluções... e continuamos de cabeça
erguida, com transparência e nada a esconder.” Era assim que Nuno Vasconcellos
definia a Ongoing no Verão de 2009 em entrevista ao i, dada em plena oferta à
TVI e pouco depois de reclamar a gestão partilhada da Impresa, recusando as
acusações de uma estratégia de hostilização à dona daSIC:“Tenho uma enorme
estima e amizade pelo dr. Balsemão, é como se fosse o meu segundo pai”,
garantia. Os anos seguintes colocariam esta relação em xeque, num mate que
chegou no início de 2014, quando a Ongoing vendeu a posição na Impresa e
Francisco Pinto Balsemão atirou:“Esta saída coloca um ponto final numa
estratégia hostil de tentativa de controlo de um grupo de comunicação livre e
independente.”
Nuno Vasconcellos
celebrou em 2014 o seu 50.o aniversário. Viveu em Lisboa até aos 11 anos e
frequentou o secundário na Bélgica, prosseguindo a formação emGestão de
Empresas já nos EstadosUnidos, no Curry College de Boston. Em 1995, já
associado aRafael Mora, lançou a sucursal portuguesa da Heidrick
&Struggles, “dedicando-se assim à Gestão deTalento em algumas das
principais empresas a operar no país”. Os sócios cruzaram-se naAndersen
Consulting, onde Vasconcellos entrou em 1987 e onde ficou oito anos. Foi da sua
herança familiar que nasceu a Ongoing mas também o apetite pelaImpresa:pelo
lado Rocha dosSantos tinha uma participação de relevo no Grupo Industrial
SociedadeNacional de Sabões, pela faceta Vasconcellos tinha o apetite
pelaImpresa. “Há um respeito pela obra que foi feita por ele [Balsemão] e pelo
meu pai”, disse o líder da Ongoing na mesma entrevista ao i. Luiz Vasconcellos
foi um dos fundadores do “Expresso” em 1973 com Pinto Balsemão e
vice-presidente da Impresa largos anos. Na guerra pela Impresa, Vasconcellos
terá procurado sobretudo reclamar para si aquilo que o seu pai também ajudou a
fundar, criar e edificar.
Mais dado ao low
profile que Rafael Mora, mas igualmente apostado em ser um
empresário/empreendedor de sucesso, o seu percurso profissional ligado ao mundo
das consultoras visou prepará-lo para a gestão dos negócios da família. Se na
Andersen os sócios foram recolhendo relações, na Heidrick &Struggles estas
cresceram e reforçaram-se, permitindo o acesso às redes de influência do país e
então dar o salto com os negócios da família. AOngoing apresentou-se como uma
holding que “agrega os investimentos da família Rocha dos Santos” mas precisou
de recorrer a financiamentos bancários para chegar à sala dos grandes do mundo
empresarial português.
A ascensão foi
apadrinhada por Ricardo Salgado, com a Ongoing a entrar também na Espírito
Santo Financial Group. O crescimento da Ongoing representou o crescimento
deNuno Vasconcellos enquanto figura pública. Em 2007, a família Rocha
dosSantos era já apontada como a 21.a mais rica do país. Mas ao mesmo tempo que
o seu grupo ganhava importância, também resistências, polémicas e inimigos
foram sendo acumulados.
“Se não foi uma
ditadura que nos impediu de fazer negócios, nada nos inibe”, declarava contudo
Vasconcellos. O grupo entrou em quase todas as guerras empresariais da era
Sócrates e chegou a ser apontado como testa-de--ferro de angolanos e associado
a um plano de controlo dos media por parte de Sócrates. Vasconcellos negou tudo
mas o grupo não passou incólume:a crise, o endividamento, as polémicas, o
declínio da PT e as apostas menos sucedidas colocaram tudo em risco, risco
agora potenciado com a saída de Rafael Mora, o estratega de Vasconcellos.
Alguns processos e muitas
ligações (pouco) secretas
Por Carlos Diogo
Santos
publicado em 28
Mar 2015 in
(jornal) i online
Dos processos que
trouxeram a Ongoing para as páginas dos jornais, o das Secretas assumiu especial
destaque – o julgamento é no próximo mês –, mas a empresa já tinha sido
referida nas escutas do Face Oculta. Além destes dois casos houve mais um que
foi crescendo: uma denúncia de Balsemão na sequência do processo das Secretas acabou com a acusação do MP
A Ongoing
envolveu-se em vários casos mediáticos ao longo dos últimos anos. Em Portugal
foi notícia pela tentativa de compra da TVI e pelo processo das Secretas. No
Brasil pela investigação do Ministério Público Federal de São Paulo por alegado
desrespeito pela Constituição daquele país (ver texto ao lado).
O caso que
envolve o antigo director do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa
(SIED) começa a ser julgado a 16 de Abril. Jorge Silva Carvalho é acusado de
fornecer informações secretas à empresa de Nuno Vasconcellos, que mais tarde
acabaria por o contratar. A notícia chegou às páginas dos jornais em Julho de
2011, precisamente nove meses depois da data do despacho de exoneração de
director do SIED.
Em 2012, o
Ministério Público acusou três arguidos: Nuno Vasconcellos, presidente da
Ongoing, por corrupção activa, Jorge Silva Carvalho por acesso indevido a dados
pessoais, abuso de poder e violação de segredo de Estado e João Luís,
ex-director do SIED, por co-autoria dos crimes de abuso de poder, acesso
ilegítimo agravado e acesso indevido a dados pessoais.
Segundo a acusação, tudo começou quando Silva
Carvalho ordenou, entre 7 e 17 de Agosto de 2010, ao arguido João Luís que
obtivesse os dados de tráfego do número de telefone (da operadora Optimus)
utilizado pelo jornalista Nuno Simas, no período compreendido entre Julho e
Agosto de 2010. Os investigadores acreditam que a finalidade era perceber quem
é que das Secretas tinha passado informações ao jornal “Público” sobre o
mal-estar causado por mudanças de espiões e dirigentes.
Entrada do espião
na Ongoing Segundo o MP, nas vésperas de Silva Carvalho sair do SIED começou a
desenhar-se a sua entrada na Ongoing. Nesta empresa trabalhavam já duas pessoas
conhecidas do então director do SIED: João Alfaro, ex-funcionário do Sistema de
Informações e Segurança (SIS), e Fernando Paulo Santos que participavam em
sessões, encontros e jantares da organização maçónica, a Grande Loja Legal de
Portugal, de Silva Carvalho (ver págs. seguintes).
Ainda antes de
sair do SIED – o então director da Secreta externa enviou a Nuno Vasconcellos
informação secreta sobre os empresários russos que estavam em negociação com a
Ongoing na sequência do interesse da
empresa em entrar numa parceria para construção de infra-estruturas no porto
grego de Astakos.
Em Janeiro de 2011, a Ongoing apresentava
um reforço de peso: o ex-director do SIED. Mas durou pouco. A investigação do
MP considera que a seis meses das eleições legislativas de 2011, o antigo
espião iniciou contactos com dirigentes partidários com o propósito de
regressar aos Serviços Secretos.
Além dos três
arguidos acusados, na fase de instrução foram pronunciados outros dois por
terem colaborado na obtenção de informações sobre o telemóvel do jornalista
Nuno Simas.
O relatório sobre
balsemão Não demorou até que outras pessoas entrassem na história. A relação de
Pinto Balsemão e de Nuno Vasconcellos voltou a cruzar-se. O pai do presidente
da Ongoing, Luís Vasconcellos, fundou
com Balsemão o semanário “Expresso” e o grupo Impresa, mas a ligação de há muitos
anos não tem chegado para acalmar a relação conturbada que ambos têm tido desde
que Luís Vasconcellos morreu.
Quando em 2012
foi tornado público que Silva Carvalho tinha encomendado relatórios sobre
pessoas cuja vida interessava à Ongoing, entre as quais o patrão da SIC, o
comunicado do fundador do “Expresso” não tardou: “Tendo tomado conhecimento,
através da comunicação social, do conteúdo do relatório sobre mim produzido, no
qual são referenciadas dezenas de calúnias e falsidades – algumas das quais de
mau gosto e grotescas – decidi proceder às diligências necessárias, junto dos
meus advogados, no sentido de responsabilizar criminalmente os autores do
documento”. O Ministério Público deduziu acusação pelo crime de devassa por meio informático não havendo
ainda data marcada para início de julgamento.
Escutas face
oculta Outro dos processos que acabou por trazer o nome da Ongoing para as
páginas dos jornais foi o Face Oculta. Das escutas resulta que o grupo
português pretendia controlar uma televisão generalista.
E a Ongoing ainda
chegou a acordar com os espanhóis a compra de 33% da Media Capital por cerca de
100 milhões de euros, mas o negócio acabaria por nunca se concretizar. O que
travou a pretensão do grupo português foi a Comissão do Mercado de Valores
Mobiliários, isto porque a acontecer o grupo ficaria com 22% da Impresa e 35%
na Media Capital.
As perguntas e as respostas que
explicam o início e o fim da influência do grupo
A Ongoing reuniu um vasto rol de
participações empresariais, ramificações políticas e polémicas que tornaram o
percurso do grupo numa autêntica montanha-russa, cujo trajecto recente tem sido
de uma forte descida. Hora de traçar de forma mais sintética o trajecto,
perímetro e ligações do grupo, tal como os conflitos, controvérsias e a
crescente teia de vínculos que, do PS ao PSD e da Maçonaria às Secretas,
permitiram um rápido crescimento daOngoing e do mediatismo das suas duas
principais caras: Nuno Vasconcellos e Rafael Mora.
Por Carlos Diogo
Santos e Filipe Paiva Cardoso
publicado em 28
Mar 2015 in
(jornal) i online
O que é a
Ongoing?
A Ongoing
Strategy Investments é uma holding que concentra os investimentos da família Rocha
dos Santos, gerida por Nuno Vasconcellos. Estas apostas vão das
telecomunicações ao imobiliário e chegaram a incluir uma participação no
Espírito Santo Financial Group. Asparticipações na PT e na Impresa seriam as mais
relevantes e mediáticas mas ambas foram perdendo força:aOngoing vendeu a
posição naImpresa no início de 2014 e a PTentrou em colapso com a compra
daOi.
Como nasceu e
cresceu?
Antes da Ongoing,
Nuno Vasconcellos e Rafael Mora lançaram o ramo português da Heidrick
&Struggles, consultora dedicada “à Gestão de Talento em algumas das
principais empresas a operar no país”. Foi através desta que aumentaram as suas
ligações com os líderes e gestores do país, com a H&S a surgir como
prestadora de serviços em várias empresas, sobretudo do sector empresarial do
Estado ao início. Depois chegou a hora daOngoing:a família Rocha dos Santos
detinha uma posição de relevo na SociedadeNacional de Sabões, chegando por esta
via parte dos fundos daOngoing. Porém, estes não chegavam para as tomadas
agressivas de posições em empresas a que o grupo procedeu.
De onde veio o
capital?
Para conseguir
entrar nas estruturas accionistas daPT, BCPou ESFG, além de outros negócios,
como a aquisição do “Diário Económico”e
“Semanário Económico” por uma quantia de 27,5 milhões de euros, e o gradual
reforço até perto dos 30% do capital naImpresa, aOngoing foi obrigada a recorrer
à banca. Aqui beneficiou do desejo do BES de ter um aliado no combate à OPA da
Sonae à PT, e também das ligações ao BCP. Os dois bancos apoiaram os
endividamentos da Ongoing. Posteriormente, parte dos investimentos do grupo
deVasconcellos já foram financiados não por empréstimos bancários mas antes
pela aposta de bancos e também daPT nos fundos de investimento da Ongoing.
De onde veio o
mediatismo?
Aparticipação
activa no combateà OPAda Sonae trouxe-apara a ribalta, onde continuou
posteriormente pela participação na guerra fratricida do BCPe pelo avanço para
o sector da comunicação social. A guerra em que Nuno Vasconcellos entrou contra
Pinto Balsemão também assegurou várias páginas de jornais, tal como ocorreu
aquando da tentativa de avanço para a TVI, através da Media Capital e daPrisa.
Porquê a guerra
com a impresa?
AOngoing entre
2008 e 2009 foi reforçando a participação no capital daImpresa e de uma forma
que surpreendeu Pinto Balsemão que, em conjunto com o pai de Nuno Vasconcellos,
fundou o “Expresso”. Em causa estava não só a vontade de ter um pé numa TV,
como a ligação que Vasconcellos sentia ao grupo que o seu pai edificou. Olíder
da Ongoing chegou a referir-se a Balsemão como seu “segundo pai” mas esta foi
uma batalha perdida e que levou a processos judiciais. Nicolau Santos, no “Expresso”,
referiu-se à Ongoing como um império construído com “avenças de empresas
públicas, financiamento de bancos amigos, influência empresarial e política,
ligações à maçonaria e às Secretas”, no seguimento de um trabalho do
“Público”sobre o grupo.
Quais as
ramificações políticas?
Jorge Coelho,
Pina Moura, Mexia, Catroga, Miguel Relvas, José LuísArnaut, Agostinho
Branquinho, José Dirceu, José António Pinto Ribeiro, Silva Carvalho, Rita
Marques Guedes, Costa Pina ou Guilherme Dray foram alguns dos ilustres atraídos
pela Ongoing ou Heidrick &Struggles, ou que participaram simplesmente em
reuniões de quadros da empresa.
Quais as
ramificações empresariais?
Uma das mais
importantes foi António Mexia, com a H&S a prestar serviços à Galp e depois
a evoluir para as empresas públicas que o hoje gestor daEDPiria tutelar. Também
na transição para a eléctrica surge a H&S, com Rafael Mora a dar a cara
pela nova política de remuneração da eléctrica, que atribui a possibilidade de
Mexia ganhar até 4,2 milhões de euros num ano. Antes disso, e já Mário Lino
como ministro das Obras Públicas, a consultora beneficia de novas avenças em
empresas públicas. Depois chegamos ao BES, à PT e ao BCP:além de ajudar no
combate à OPA daSonae, viu a operadora investir 75 milhões nos seus fundos,
contratando de seguida o homem que tomou a decisão, SoaresCarneiro. Já no BCP,
a Ongoing entra ao lado deTeixeira Pinto na luta com Jardim Gonçalves e mais
tarde contrata TeixeiraPinto. TambémJosé Eduardo Moniz, ex--director geral da
TVI, acabaria na Ongoing.
Desde os
primeiros passos empresariais que Vasconcellos eMora procuraram cultivar amplas
relações com o poder político, com maior ou menor vínculo destes à Ongoing.
E quais as
ligações da Ongoing à Maçonaria?
Já várias vezes
foi escrito que o presidente da Ongoing pertence à loja Mozart49. Mas o assunto
ganhou especial destaque no caso das secretas, uma vez que o ex--espião Jorge
Silva Carvalho e outros elementos da Ongoing pertenciam também à mesma loja. Em
2012, uma notícia desvendava que muitas vezes as ligações maçónicas se
entrecruzam com as ligações políticas. O líder parlamentar do PSD Luís
Montenegro foi convidado para participar num jantar reservado a “membros da
casa”, ou seja da loja Mozart49, com o objectivo de interagir com o “mundo
profano” (o dos que não são maçons). Nessa lista de convidados da Mozart49 estavam os nomes de
sete altos quadros da Ongoing, entre eles o presidente e vice--presidente,
Vasconcelos e Rafael Mora, respectivamente, Jorge Silva Carvalho, ex--director
do SIED, João Paulo Alfaro, ex-espião, Agostinho Branquinho, ex-deputado do
PSD, e ainda os ex--parlamentares Pedro Duarte, do PSD, e Humberto Pacheco, do
PS.
E como lida com a
colagem à Maçonaria?
Há uma tentativa
de não mostrar publicamente a existência de ligações. Quando, por exemplo, foi
tornado público o encontro maçónico para que foi convidado Luís Montenegro, foi
enviado um comunicado aos funcionários da empresa atribuindo a culpa dessa
colagem a Pinto Balsemão: “Somos vítimas recorrentes de uma força de poder
instalada, que, inaceitavelmente, ao longo dos anos se permite, sem escrutínio
nem contraditório, ditar moralidade e ética para cima de tudo e de todos, como
se os seus próprios comportamentos fossem de tal forma irrepreensíveis que imunes
a qualquer crítica [...] Somos vítimas do cumprimento da ameaça feita por Pinto
Balsemão, na entrevista que concedeu [...] ao jornal ‘Público’ [em Agosto de
2011] de que ‘a Ongoing há-de pagar’”.
Quais os casos da
justiça a que a Ongoing apareceu ligada?
No âmbito do
processo Face Oculta, o jornal “Sol” revelou que as escutas deixavam claro que
a Ongoing tinha intenção de controlar uma televisão generalista. De acordo com
aquele jornal ficava claro que as aspirações do grupo iam muito além da compra
de 30% da TVI. A estratégia passava por conseguir em simultâneo com esse
negócio comprar um grande grupo de comunicação social, que se tornaria parceiro
da Portugal Telecom. Inicialmente esse grupo seria ou a Cofina (que detém o
“Correio da Manhã”) ou a Impresa, por fim surgiu a hipótese da Controlinveste
(que detém o “Diário de Notícias” e o “Jornal de Notícias”).
Esse foi o caso
que mais impacto teve?
Não. O chamado
caso das Secretas acabou por ter maiores consequências para o grupo. Desde logo
porque o inquérito levou à acusação de Nuno Vasconcellos e do ex--director do
Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED).
O que é o caso
das secretas?
O caso das
Secretas, que começará a ser julgado no dia 16 de Abril nas varas criminais de
Lisboa, começou com as suspeitas de que Jorge Silva Carvalho tivera acesso
ilegal à facturação detalhada do telefone do jornalista do “Público” Nuno Simas.
Como é que a
ongoing entra neste processo?
Segundo o
Ministério Público, Silva Carvalho acabou por sair da Secreta externa e ser
contratado pela Ongoing, para que este conseguisse, com a sua influência no
SIED, obter informação relevante para o grupo Ongoing.
E houve
informação que chegou a ser passada?
De acordo com a
investigação sim. Antes de abandonar o SIED,
o então director da Secreta externa terá enviado a Nuno Vasconcellos
informação secreta sobre os empresários russos que estavam em negociação com a
Ongoing, na sequência do interesse da empresa em entrar numa parceria para
construção de infra-estruturas no porto grego de Astakos. O Ministério Público
acredita que era para este tipo de passagem de informação que a Ongoing
pretendia Silva Carvalho.
Quem vai a
julgamento?
O Ministério
Público acusou três pessoas: Jorge Silva Carvalho, Nuno Vasconcellos e um
funcionário do SIED, João Luís, por violação do segredo de Estado, corrupção e
abuso de poder. Mas não serão apenas estes que se irão sentar no banco dos réus
em Abril. Isto porque a juíza de instrução criminal decidiu que além destes arguidos
deveriam ir a julgamento outros dois: Nuno Dias, agente do Serviço de
Informações de Segurança (SIS), e a sua companheira então funcionária da
Optimus, Filomena Teixeira. Estes dois arguidos terão colaborado na obtenção de
informações sobre a facturação de telemóvel do jornalista Nuno Simas, do
“Público”.
Porque foi aberto
um inquérito por devassa da vida de Balsemão?
Em 2012 foi
noticiado que Silva Carvalho tinha encomendado relatórios sobre pessoas cuja
vida interessava à Ongoing, entre as quais o patrão da SIC. Uma queixa de Pinto Balsemão acabou com a abertura de um
inquérito pelo crime de devassa por meio informático. A acusação de Silva
Carvalho aconteceu porque o relatório com informações pessoais de Pinto
Balsemão foram encontrados no seu computador. Tais informações não terão sido
conseguidas junto das Secretas mas junto de fontes abertas. Ainda não há data
de julgamento marcada para este caso.
Quando é que a
Ongoing Entrou no Brasil?
O grupo de Nuno
Vasconcellos decidiu mergulhar no mercado brasileiro em 2009 e pouco depois
estava a lançar um projecto na área da comunicação social: o “Brasil
Económico”. O jornal era apenas detido em 30% pelos portugueses. Isto porque a
constituição daquele país não permite que estrangeiros tenham uma posição de
controlo em meios de comunicação social.
Aquem pertencia o
resto da Ejesa?
Para que pudesse
cumprir o artigo 222.º da Constituição brasileira, 70% da empresa ficou nas
mãos da família da então mulher de Nuno Vasconcellos, Alexandra Vasconcellos,
que tem nacionalidade brasileira. Ainda assim, a solução encontrada levou o
Ministério Público Federal de São Paulo a abrir um inquérito. Em causa estava a
possibilidade de a Ongoing ter fintado a Constituição com esta solução. Os
investigadores concluíram, porém, não haver qualquer incumprimento e o
inquérito acabou arquivado.
No Brasil a
Ongoing só apostou num jornal?
Não, o grupo
português acabou por apostar em outros títulos um ano após entrar no Brasil,
entre os quais se encontram os jornais “O Dia”, “Meia Hora” e “Marca”.
A empresa tinha
ligações a políticos brasileiros?
Na biografia de
José Dirceu escrita pelo jornalista Otávio Cabral são descritas grandes
ligações dos portugueses da Ongoing a José Dirceu, um homem influente no
Partido dos Trabalhadores brasileiro. Um dos dados que confirmam essas ligações
é o facto de a ex-mulher de Dirceu trabalhar para a Ejesa, empresa detida em
30% pela Ongoing.
E que portas se
poderiam abrir mais no Brasil?
Os conhecimentos
de José Sócrates na política brasileira também não foi ignorada. O
ex-primeiro-ministro chegou a encontrar-se com Rafael Mora em 2013, então
vice--presidente da Ongoing, numa das suas deslocações a São Paulo. Nessa
altura estavam já a trabalhar Guilherme Dray, ex-chefe de gabinete de Sócrates
e Carlos Costa Pina, secretário de Estado do Tesouro do mesmo executivo.
Guilherme Dray, ainda funcionário da Ongoing – acabou mesmo por estar com
Sócrates numa reunião com o governo brasileiro, integrado na comitiva da
farmacêutica Octapharma.
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