O irmão Lello
JOÃO MIGUEL
TAVARES 26/03/2015 - PÚBLICO
Todos os partidos têm o seu
porteiro de discoteca, e o do PS chama-se José Lello.
Todos os partidos
têm o seu porteiro de discoteca, e o do PS chama-se José Lello. A sua função é
controlar a clientela, actividade que pratica há décadas com muita alegria e
evidentes proveitos, recompensando quem se porta bem e dispensando uns carolos
a quem se porta mal. Desta vez, a vítima foi Henrique Neto, um dos raríssimos
socialistas que não embarcaram na aventura socrática e que nunca se cansaram de
avisar quem era o senhor engenheiro técnico e para onde ele estava a conduzir o
país.
Confrontado com o
anúncio da candidatura de Neto à Presidência da República, José Lello decidiu
chamar-lhe o “Beppe Grillo português”, o que faz tanto sentido quanto Batatinha
acusar Henrique Neto de ser um palhaço. Houve outras reacções destemperadas,
como a de Augusto Santos Silva (“sempre que os [candidatos] responsáveis se
resguardam, os bobos ocupam a cena”), e a do próprio António Costa foi, no
mínimo, deselegante, quando comentou a candidatura com um seco “é-me indiferente”
— expressão que talvez tenha de engolir num futuro próximo. Mas no campeonato
da fancaria política nada bate o camionismo verbal de José Lello, um mestre da
traulitada que em 2009 acusou Manuel Alegre de “falta de carácter” por ter
avançado para Belém sem o apoio do PS, em 2011 chamou “foleiro” a Cavaco Silva
por não ter sido convidado para as cerimónias oficiais do 25 de Abril, e em
2013 afirmou que os portugueses estavam “desesperados por se verem livres” de
Passos Coelho, “morto ou vivo”.
Atenção: nada
tenho contra linguagem colorida, nem contra personagens catitas. O meu problema
é mesmo com o irmão Lello e aquilo que ele representa — uma encarnação ululante
dos piores defeitos da política portuguesa. Basta ler quatro páginas (30 a 33, para os interessados)
do livro Os Privilegiados, de Gustavo Sampaio, para ficarmos esclarecidos sobre
o ser Lello. Ora reparem: o Governo Sócrates teve início em Março de 2005, e
nove meses depois o deputado José Lello deixou de exercer o seu mandato em
exclusividade, para passar a integrar o conselho consultivo da Capgemini em
Portugal, uma consultora especializada em tecnologias de informação. Durante os
seis anos do consulado lello-socrático, a Capgemini firmou 113 contratos por
ajuste directo com entidades públicas, no valor de 6,7 milhões de euros, alguns
dos quais relacionados com o famoso Simplex.
Ao mesmo tempo, o
incansável deputado Lello exercia ainda o cargo de membro não executivo do
conselho de administração da Domingos da Silva Teixeira (DST), uma empresa de construção
e engenharia com negócios na área das energias renováveis, águas e saneamento. Enquanto
Lello foi administrador da DST, celebraram-se 62 contratos por ajuste directo
com entidades públicas, num total superior a 71 milhões de euros. Um único contrato
com a Parque Escolar, em Maio de 2009, rendeu quase 25 milhões.
José Lello foi
consultor da Capgemini entre Setembro de 2006 e Novembro de 2012 e
administrador da DST entre Janeiro de 2007 e Fevereiro de 2012. O Governo
Sócrates caiu em Junho de 2011, e com ele parecem ter caído também — curiosa
coincidência — as notáveis capacidades administrativas de José Lello, um homem
cujo talento insiste em manifestar-se apenas na órbita do Estado socialista. E
é este pobre Lello que vem agora chamar Beppe Grillo a Henrique Neto, que
enriqueceu no privado, tomou posições corajosas e tem um pensamento estruturado
sobre o país. Caro porteiro Lello: não dá para gerir a clientela com a boca
fechada?
Jornalista; jmtavares@outlook.com
Sem comentários:
Enviar um comentário