A Alemanha matou o ideal europeu
Por Luís Osório
publicado em 9
Mar 2015 in
(jornal) i online
Em tempos de
imprevisibilidade é necessário estar atento. Nessa perspectiva as declarações
de Jean Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, sobre a possibilidade
de criar a prazo um exército europeu, merecem um esforço de reflexão. O
sucessor de Durão Barroso sustentou ontem a sua declaração na necessidade da
Europa se defender mais eficazmente de ameaças à sua segurança (citou o perigo
russo), e na urgência de tornar claro ao mundo que os europeus estão
disponíveis para forçar a supremacia dos seus valores, os nossos valores
comuns.
As declarações
não são inocentes. O que não quer dizer que não sejam verdadeiras e não se
comprove que não temos mesmo outra alternativa. Na realpolitik internacional o
jogo não é para crianças ou adultos com o pueril pecado da ingenuidade. O que
está aqui em causa é a constatação de que o senhor Juncker foi, como outros
antes dele, ao encontro da aspiração/obsessão de Merkel e da Alemanha.
O mundo
alterou-se. A queda do muro de Berlim dispersou poderes, dinheiro,
conhecimento. Os dados baralharam--se e a Alemanha que, na sua perspectiva e
nos seus interesses, fez o que tinha a fazer na Europa, julga hoje ter o dever
patriótico de estar na vanguarda no que à Defesa diz respeito. A NATO já não
lhe chega, a sua adesão em 1955 garantira a todos que Versalhes não se
repetiria: os aliados não poderiam tornar a humilhar os alemães e estes podiam
dedicar-se a fazer o que tinham de melhor, a produtividade. NATO que ajudaria
também a criar as condições para uma paz duradoura e nunca vista na Europa,
além de potenciar o nascimento de uma Alemanha alinhada com os interesses
dominantes e de uma ligação transatlântica da Europa com os Estados Unidos.
A Alemanha,
sejamos claros, destruiu o ideal europeu. Provavelmente porque esse ideal não
passava de meia dúzia de palavras idealistas ditas por poetas utilizados para
legitimar politicamente o que era decisivo legitimar. A Europa não tem uma
identidade comum, nunca teve e provavelmente nunca terá. A Comunidade Económica
Europeia nasceu como um contrato que tinha como principais objectivos o
progresso económico, a paz duradoura e o equilíbrio de poderes ou, se
preferirem, o fim das hegemonias.
Os nossos pais e
a minha geração, hoje entre os 40 e os 50 anos, acomodou-se à paz. Não foi
coisa pouca, só quem não viveu uma guerra poderá dizer que não é algo de
substantivo. No entanto, por entre mais de meio século de paz e progresso hoje
mais do que esbatido (a Europa é hoje um continente em decadência económica), a
União Europeia é dominada total e irremediavelmente pela Alemanha. É ela que
define os passos, as tácticas e estratégias, a política de alianças, o que se
faz e para onde se caminha. Esta já não é a Europa dos fundadores, esta é a
antítese dessa ideia de combate ao predomínio de uns em relação a outros.
A ideia de
Juncker quer dizer duas coisas: que não será ele a convocar o espírito de Jean
Monnet ou a ressuscitar idealismos passadistas, e que a Alemanha se prepara
para voltar a ser um motor armado que não precisará dos Estados Unidos para pôr
e dispor. Uma Alemanha dominadora economicamente que, depois de pagar contas e
ser o fiel depositário dos que andam de mão estendida, se prepara para pedir a
conta. E assumir o trono.
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