domingo, 15 de março de 2015

O que Mourinho e os Xutos têm a ver com António Costa / Por Luís Osório


O que Mourinho e os Xutos têm a ver com António Costa
Por Luís Osório
publicado em 14 Mar 2015 / in (jornal) i online

Há cerca de dez anos, Mourinho treinava o FC Porto. Passara pelo Benfica com estrondo, fizera o impossível na União de Leiria, e Pinto da Costa não hesitou: era o homem certo para restituir o poder ao dragão que, se bem me lembro, ainda não o era naquela altura. Foi mesmo o homem certo.

José pegou numa equipa de jogadores por cumprir e transformou-os numa máquina devoradora de vitórias. Um futebol total, de ataque, assumindo o risco de ser utópico, de não ter medo de ser grande, de ganhar. Transformou-se com isso num português que pouco ou nada tinha a ver com a maioria de nós, pelo menos com o que temos sido nos últimos dois séculos: pouco corajosos, incapazes de pôr em causa, teóricos mas pouco activos, mais fadistas do que afrontosos do statu quo. José mostrou que ganhar era mais do que um desejo; ganhar era uma filosofia ligada à vontade de ser melhor do que o adversário. Depois, no banco e nas conferências, tinha uma luz diferente. Era o que a equipa mostrava em campo.

Provocador, mas com a superioridade inquestionável de ser o que não receava marcar golos pelo receio de os sofrer.

Dez anos depois, Mourinho envelheceu. Vai continuar a ganhar, mas transformou-se no que criticava há dez anos. O José de então gozaria com este José defensivo, calculista, mais preocupado em não sofrer golos do que em marcá-los, obcecado com as tácticas, com a neutralização do adversário. Sem acreditar na utopia que o fez grande, sem a vontade de esmagar o oponente com um futebol positivo, diferente de um tempo onde tudo parece um espartilho. No passado, Mourinho era Anakin Skywalker, um Jedi preparado para uma revolução. Agora é um Darth Vader, mais vilão do que um herói positivo.

O mesmo poderia dizer dos Xutos e Pontapés. Há 20 anos, no início da minha vida adulta, tocavam o “Remar Remar” e o “Circo de Feras” e não havia quem não acreditasse. No palco eram o que cantavam, a voz da indignação, a voz dos operários das fábricas, dos miúdos que não conseguiam emprego, do anticavaquismo. Envelheceram. Os seus concertos continuam a esgotar e o “Circo de Feras” e o “Remar Remar” mantêm-se nos alinhamentos. Só que ninguém acredita. Em cima do palco, Tim e os outros riem e interagem com o público, que canta os poemas de dor como se fossem apenas um entretenimento. Deixámos de neles acreditar, mesmo que compremos garrafas de vinho e pins com a sua marca. Ou também por isso.


O que quero dizer? Que António Costa, como diz José Gil na conversa que hoje publicamos, está a um passo de uma derrota. Uma derrota impensável há uns meses. Porque lhe está a acontecer o que sucedeu a Mourinho e a todos os que envelhecem. No seu caso, um envelhecimento prematuro, pois António fala como se estivesse cansado de existir, como se já tivesse sido primeiro-ministro ou Presidente da República. Não foi. E não está condenado a sê-lo, nada lhe será oferecido de bandeja. Se entender isto, talvez ainda possa ir a tempo. Seria bom para a democracia portuguesa se deixasse de estar na retranca, com medo de ganhar, com medo de Sócrates, com medo dos jornalistas – qualquer dia, com medo da própria sombra. O tempo estreita-se. E o comboio partirá sem ele. Disso também não tenho a mais pequena dúvida. Diga qualquer coisa, António. Convença o maquinista. Convença o país, convença-me a mim. Ou saia de cena.

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