O que Mourinho e os Xutos têm a
ver com António Costa
Por Luís Osório
publicado em 14
Mar 2015 / in (jornal) i online
Há cerca de dez
anos, Mourinho treinava o FC Porto. Passara pelo Benfica com estrondo, fizera o
impossível na União de Leiria, e Pinto da Costa não hesitou: era o homem certo
para restituir o poder ao dragão que, se bem me lembro, ainda não o era naquela
altura. Foi mesmo o homem certo.
José pegou numa
equipa de jogadores por cumprir e transformou-os numa máquina devoradora de
vitórias. Um futebol total, de ataque, assumindo o risco de ser utópico, de não
ter medo de ser grande, de ganhar. Transformou-se com isso num português que
pouco ou nada tinha a ver com a maioria de nós, pelo menos com o que temos sido
nos últimos dois séculos: pouco corajosos, incapazes de pôr em causa, teóricos
mas pouco activos, mais fadistas do que afrontosos do statu quo. José mostrou
que ganhar era mais do que um desejo; ganhar era uma filosofia ligada à vontade
de ser melhor do que o adversário. Depois, no banco e nas conferências, tinha
uma luz diferente. Era o que a equipa mostrava em campo.
Provocador, mas
com a superioridade inquestionável de ser o que não receava marcar golos pelo
receio de os sofrer.
Dez anos depois,
Mourinho envelheceu. Vai continuar a ganhar, mas transformou-se no que
criticava há dez anos. O José de então gozaria com este José defensivo,
calculista, mais preocupado em não sofrer golos do que em marcá-los, obcecado
com as tácticas, com a neutralização do adversário. Sem acreditar na utopia que
o fez grande, sem a vontade de esmagar o oponente com um futebol positivo,
diferente de um tempo onde tudo parece um espartilho. No passado, Mourinho era
Anakin Skywalker, um Jedi preparado para uma revolução. Agora é um Darth Vader,
mais vilão do que um herói positivo.
O mesmo poderia
dizer dos Xutos e Pontapés. Há 20 anos, no início da minha vida adulta, tocavam
o “Remar Remar” e o “Circo de Feras” e não havia quem não acreditasse. No palco
eram o que cantavam, a voz da indignação, a voz dos operários das fábricas, dos
miúdos que não conseguiam emprego, do anticavaquismo. Envelheceram. Os seus
concertos continuam a esgotar e o “Circo de Feras” e o “Remar Remar” mantêm-se
nos alinhamentos. Só que ninguém acredita. Em cima do palco, Tim e os outros
riem e interagem com o público, que canta os poemas de dor como se fossem
apenas um entretenimento. Deixámos de neles acreditar, mesmo que compremos
garrafas de vinho e pins com a sua marca. Ou também por
isso.
O que quero
dizer? Que António Costa, como diz José Gil na conversa que hoje publicamos,
está a um passo de uma derrota. Uma derrota impensável há uns meses. Porque lhe
está a acontecer o que sucedeu a Mourinho e a todos os que envelhecem. No seu
caso, um envelhecimento prematuro, pois António fala como se estivesse cansado
de existir, como se já tivesse sido primeiro-ministro ou Presidente da
República. Não foi. E não está condenado a sê-lo, nada lhe será oferecido de
bandeja. Se entender isto, talvez ainda possa ir a tempo. Seria bom para a
democracia portuguesa se deixasse de estar na retranca, com medo de ganhar, com
medo de Sócrates, com medo dos jornalistas – qualquer dia, com medo da própria
sombra. O tempo estreita-se. E o comboio partirá sem ele. Disso também não
tenho a mais pequena dúvida. Diga qualquer coisa, António. Convença o
maquinista. Convença o país, convença-me a mim. Ou saia
de cena.
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