Paulo Rangel e a (má) defesa da
sua advocacia
JORGE NUNES LOPES
30/03/2015 - PÚBLICO
Será que Paulo Rangel é um recém-chegado à advocacia? Ou será um
eurodeputado político naif?
No seu artigo de
25 do corrente, neste jornal, o eurodeputado-advogado Paulo Rangel apresenta um
discurso, digamos, curioso, ao tentar sustentar o impossível: que ser deputado
não acrescenta influência e poder ao exercício simultâneo da advocacia. O seu
artigo atenta contra a inteligência do leitor comum – e a dos advogados, em
particular.
Pergunta:
"se o princípio é o da desconfiança por que razão tem mais interesses
'corporativos profissionais ou particulares' um advogado do que um médico, um
dirigente sindical ou um professor?" Diz, a terminar que a "obsessão
com os advogados [que são simultaneamente deputados] é incompreensível",
concluindo que a questão deveria ser tratada pela regulamentação do lobby, o
registo de interesses, a publicidade das declarações de rendimentos e fiscais.
A primeira
falácia (instrumento da arte retórica da demagogia) do eurodeputado-advogado
consiste em fazer de conta que tanto um médico, um dirigente sindical ou um
professor, sendo deputados, se encontram no mesmo pé de igualdade que um
advogado-deputado, para rentabilizarem, em proveito pessoal, a informação
privilegiada (diria, insider trading legislativo e decisório), o acesso
privilegiado a decisões das Administrações nacionais e europeias, o acesso
privilegiado a fontes documentais e de know-how técnico-jurídico, o acesso ao
mundo subterrâneo dos interesses e decisores que transmuta os ex-governantes e
deputados em ricos administradores da banca e de tudo quanto permita dar a aparência
de uma honesta relação de emprego. Veja-se, neste jornal, de 26 do corrente, o
estranho caso do "irmão Lello", de Miguel Tavares – e veja-se o
infindável rol de casos, dos drs. e eng.ºs, que saltitam entre a res publica e
a privada, tentando fazer-nos acreditar que, contrariando a sabedoria
evangélica, servem bem aos dois senhores…
Porém, pela
natureza das funções próprias de um médico, de um sindicalista, ou de um
profissional ‘qualquer-coisa’ que não venda know-how técnico jurídico, negócios
e assessorias a concursos e contratos com a Administração, não se vê como possa
ele retirar vantagem económica do facto de ser deputado simultaneamente ao
exercício da profissão. Mas o mesmo não se pode dizer do advogado-deputado: só
por inexcedível e falsa ingenuidade se pode colocar este, designadamente quando
integra uma grande sociedade de advogados, facturando milhares/milhões à
Administração, no mesmo plano do que aqueles.
Aquele discurso
de Paulo Rangel – numa retórica de perguntas supostamente demonstrativas de que
é a mesma coisa ser-se, digamos, por exemplo dentista-deputado e
advogado-deputado – torna-se despudoradamente cínico, na tentativa de tudo
igualar. Basta lembra que, historicamente, tem sido evidente o exercício da
advocacia ser incompatível com o exercício de muitos cargos políticos e
administrativos, p. ex.: vereador, polícia, funcionário dos tribunais, militar,
etc. (cfr. o art.º 77.º do Estatuto da Ordem dos Advogados). É assim,
justamente, para impedir duas coisas: o cambão, que consiste em o cargo servir
para arranjar clientela; e impedir o risco de prejuízo da coisa pública, pela
tentação (a ocasião faz o ladrão – diz o ditado) em beneficiar a carreira
profissional, em detrimento daquela.
O lamentável
naquele artigo é ainda, Paulo Rangel simular-se desconhecedor de que, além do
mais, o cargo de deputado/eurodeputado permite-lhe, como advogado, praticar uma
concorrência desleal com os advogados demais colegas que, natural e
logicamente, não têm acesso à informação privilegiada da Administração. Em
rigor, o eurodeputado-advogado pretende fazer de conta que ignora a densidade
concreta de que saber é poder…
E são ridículas
as alternativas que sugere para tentar legitimar a acumulação da advocacia com
o cargo de deputado/eurodeputado: mesmo que fosse instituída a publicitação das
declarações fiscais e de rendimentos dos deputados, qualquer profissional
conhece dezenas de esquemas de ocultar o produto de negócios ilícitos.
O Direito vive e
positiva-se, também, na prevenção de perigos: daí, por exemplo, o crime de
corrupção ocorrer, ainda, quando o funcionário, mesmo cumprindo correctamente
os seus deveres, aceita receber prendas (cf. art.º 373.º do Código Penal –
corrupção passiva para acto lícito).
Finalmente, a
"obsessão" dos advogados contra a acumulação não é nova: o Bastonário
Júlio Castro Caldas foi, muito antes de Marinho Pinto, um dos mais sérios
defensores atacantes do despudor desta acumulação de funções. É que, na
verdade, basta ser-se Advogado ou Deputado, de integridade completa e
honestidade ético-intelectual em cada papel, para se compreender a necessária
separação.
Será que Paulo
Rangel é um recém-chegado à advocacia? Ou será um eurodeputado político naif?
Será que acredita naquilo que escreveu? Se acredita, então comece já a publicar
as suas declarações de interesses, de rendimentos e fiscais. Dê o exemplo do
que, candidamente, prega nesta paróquia. Pode ser que o sigam!
Advogado,
militante do PSD (por ser um partido liberal…)
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