A direita brasileira toma hoje a
rua para protestar contra Dilma Roussef
Movimentos conservadores esperam mobilizar 100 mil pessoas e talvez pedir
que a Presidente seja exonerada. Mas o seu sucesso terá de ser medido em muito
mais do que números
Félix Ribeiro /
15-3-2015 / PÚBLICO
Espera-se para
hoje o culminar do duro período de contestação que envolve Dilma Rousseff desde
que tomou posse, em Janeiro. Vários movimentos de cidadãos conservadpres
convocaram protestos contra a Presidente para cerca de 200 cidades no Brasil.
Partilham quase todos uma identidade liberal, mas não há nenhuma bandeira
ideológica unificadora dos protestos. Tratase sobretudo de uma manifestação
anti-Dilma.
Desde que iniciou
o segundo mandato, a Presidente do Brasil tem enfrentado um clima político
difícil. Começou cedo, com a formação do Governo. Dilma nomeou para ministro da
Fazenda Joaquim Levy, um economista liberal, e para ministra Agricultura Kátia
Abreu, uma figura muito contestada pelo Movimento dos Agricultores Sem Terra
(MST), um histórico aliado do seu Partido dos Trabalhadores (PT).
Somou-se depois
um cenário económico adverso: a inflação atingiu níveis históricos, o real
entrou numa marcha de desvalorização, as secas no Sul do país contribuíram para
o aumento das facturas da electricidade e os preços da gasolina e gasóleo
subiram. Para além do mais, Dilma tem em mãos a estagnação económica de 2014 e
uma perspectiva de queda do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015. Para atacar
estes problemas, a Presidente apresentou um pacote de medidas de austeridade
conhecido como Ajuste Fiscal. Este envolve, essencialmente, um corte de 18 mil
milhões de reais na despesa do Estado (cerca de 5310 milhões de euros), assim
como restrições ao acesso a subsídios de desemprego e abonos salariais, por
exemplo.
E há ainda o caso
da Petrobras. Apesar de não estar directamente visada nas investigações à
alegada rede de corrupção na petrolífera do Estado, a proximidade da Presidente
ao caso tem-lhe sido prejudicial. Dilma foi presidente do Conselho de
Administração da petrolífera entre 2003 a 2010, período durante o qual se suspeita
terem existido vários casos de desvio de dinheiro. Além disso, há quatro
ex-ministros seus sob investigação e existem ainda suspeitas de que a sua
campanha eleitoral de 2010 tenha beneficiado de financiamentos ilegais.
É neste contexto
que surgem os protestos da direita. Os organizadores esperam cerca de 100 mil
pessoas nas ruas, mas a expectativa em torno das manifestações não se deve
apenas ao facto de poderem ser o maior movimento popular contra a Presidente
desde que ela foi reeleita. Existem ainda muitas incertezas sobre qual poderá
ser a principal bandeira dos protestos. Os vários movimentos sociais que
encabeçam as convocatórias partilham uma matriz conservadora e liberal, mas as
suas reivindicações são muito heterogéneas, sobretudo no que toca à exigência
de um impeachment.
Vão pedir
impeachment?
Os movimentos
populares tentarão capitalizar no domingo o ambiente de insatisfação em torno
de Dilma. Mas sob que forma? Vários pedem o afastamento de Dilma Rousseff da
presidência através de um impeach
ment, uma figura
legal que suscita muitas dúvidas sobre a sua utilização no presente contexto.
Se esta for a
bandeira principal dos protestos, estes arriscam-se a perder parte da sua
substância. É o que diz ao PÚBLICO Michael Mohallem, investigador da Fundação
Getúlio Vargas especialista em Ciência Política. “Há uma confusão: o
impeachment é um instrumento constitucional, mas o seu uso nem sempre é constitucional”,
afirmou o investigador numa entrevista por telefone. Embora a figura não seja a
adequada ao momento, diz Mohallem, “a bandeira do impeachment surge com força
porque é uma forma de vestir a insatisfação de uma roupa de legalidade”.
Esta é uma das
razões pelas quais as grandes forças políticas de oposição a Dilma têm encarado
com prudência as manifestações contra Dilma. Aécio Neves, o líder do Partido da
Social Democracia Brasileira e principal opositor nas eleições de 2014, apoia
os protestos, mas deixou claro que não apoia o pedido de im
peachment. Marina
Silva, do Partido Socialista Brasileiro, derrotada na primeira volta das
presidenciais, fez o mesmo: sim às manifestações, não ao impeachment. O
ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso comparou o recurso ao impeachment ao
uso de uma “bomba atómica”.
Essa tem sido,
aliás, a principal linha de defesa do Governo. Nas contra-manifestações de
sexta-feira organizadas por movimentos afectos a Dilma e ao PT, os
organizadores dos protestos de hoje foram acusados de tentarem promover um
golpe de Estado e de não aceitarem os resultados eleitorais de 2014. E não é só
a ênfase sobre o impea
chment que poderá
dar um tom antidemocrático às manifestações. Apesar de serem grupos
minoritários, a marcha contará com vários movimentos de inspiração militarista
e da extrema-direita.
Daí que o sucesso
dos protestos dependa das bandeiras que forem erguidas. Se a imagem
predominante for a de um protesto democrático, as principais forças de oposição
podem servir-se disso, diz Michael Mohallem: “A oposição percebe que este é um
momento de força política muito grande que não é capitaneada por nenhum partido
ou liderança. Isto pode ser decisivo para o futuro da conjuntura política do
Brasil. Se alguns partidos ou lideranças assumirem a frente do movimento, pode
ganhar proporções maiores”.
Significam os
protestos conservadores que a demografia eleitoral do Brasil se está a afastar
do PT? Não, diz Mohallem. Este período de contestação explica-se, em parte,
pelos apertados resultados eleitorais (Dilma venceu na segunda volta com 51,65%
dos votos, contra 48,35% de Aécio). “Quando a vitória é muito apertada, gera-se
uma frustração muito grande dos eleitores cujo candidato foi derrotado. Isto é natural, mas é parte da democracia.”
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