Acumulam-se dúvidas sobre
“referendo” para substituir calçada em Campolide
POR O CORVO • 10
MARÇO, 2015
Os outros
partidos da assembleia de freguesia queixam-se de não terem sido informados
sobre a consulta que levará à colocação de piso liso em certas zonas. E, por
isso, exigem explicações ao presidente da junta. O autarca celebrou o “processo
de partilha de decisão” como uma “vitória da democracia”, cujos resultados
serão “vinculativos, como previsto”. Mas o regulamento do acto eleitoral por si
redigido diz expressamente que “os resultados não são vinculativos”. André
Couto assume o “carácter inovador e experimental” de uma consulta que,
reconhece, carecerá ainda de enquadramento legal.
Texto: Samuel Alemão
Referendo ou consulta popular? Os membros da
Assembleia de Freguesia de Campolide foram avisados sobre o mesmo? A consulta
tem carácter vinculativo ou não? 349 votantes de um universo de 15 mil servem
para decidir? A pergunta feita aos votantes foi redigida de forma imparcial? Se
o que estava em causa era apenas relativo a algumas zonas da freguesia, os
votos terão sido apenas dos seus residentes? E, afinal, a substituição da
calçada por outro revestimento é também competência da Junta de Freguesia ou
apenas da Câmara Municipal de Lisboa? Exceptuando um concludente resultado
final anunciado, na sexta-feira (6 de Março), pela junta – 61,5% dos votantes
escolheram o “piso contínuo” em detrimento da calçada -, tudo o resto são
dúvidas. Mas o presidente da junta diz-se convicto da bondade do que fez e
rebate as críticas.
Depois de
conhecido o desfecho resultante da consulta feita durante dois dias, vão-se
somando críticas à forma como decorreu o processo. Isto porque são bastantes as
questões por responder a propósito desta ida às urnas da população de
Campolide. A qual, apesar da muito baixa participação, foi qualificada pelo
presidente da junta, André Couto (PS) – que dinamizou o processo -, como “uma
muito eficiente e efectiva forma de participação democrática”. O autarca terá
agora que se justificar ante os eleitos dos outros partidos (PSD e PCP), na
próxima sessão ordinária da Assembleia de Freguesia de Campolide, a realizar em
Abril, pois estes garantem ao Corvo não ter sido notificados sobre a realização
da consulta.
“Isto terá que ser discutido e a fundo”, avisa
João Manuel Magalhães Pereira (PSD), membro da assembleia de freguesia, mas
também deputado na Assembleia Municipal de Lisboa, queixando-se de falta de
informação por parte do presidente da junta sobre o assunto. “A Assembleia de
Freguesia não foi consultada sobre este assunto, nem o PSD foi informado sobre
o mesmo”, queixa-se o antigo presidente da junta de Campolide, cujo partido tem
três eleitos na assembleia local. Além disso, Magalhães Pereira duvida que o
resultado da consulta tenha qualquer efeito vinculativo, dado o que considera
ser a acumulação de dúvidas em redor do plebiscito, qualificando-o como
“completamente erróneo e tendencioso”.
Essas dúvidas começam logo pela sua definição
legal. “Não sabemos se isto é um referendo ou uma consulta popular. Mas
teríamos que ser ouvidos sobre este assunto”, afirma, antes de criticar o que
considera ser a entrada da Junta de Freguesia de Campolide num terreno que não
será o seu. “A junta não tem competência para isto”, afirma. E critica a
formulação da pergunta contida no boletim do voto, em que se dava a escolher
entre “Calçada tradicional, à semelhança do que já existe” ou “Outro tipo de
pavimento contínuo, mais moderno e seguro”. “A pergunta é tendenciosa e contém,
ela mesma, uma sugestão de resposta”, critica o eleito social-democrata.
O mesmo considera
o grupo cívico Fórum Cidadania LX, que, logo no dia do anúncio dos resultados,
tornou pública a queixa enviada à Provedoria de Justiça sobre esta consulta,
apelidada no boletim de voto como “Processo de Partilha de Decisão”. “Esta
acção, a nosso ver claramente ilegal, da Junta de Freguesia de Campolide,
abala, cremos, os mais básicos fundamentos de um estado de Direito, atacando a
democracia e o direito ao voto. Pretendeu-se, claramente, legitimar uma opção
política, recorrendo a expedientes ilegais, procurando-se a legitimação através
de uma minoria dos cidadãos potenciais eleitores. Isto é uma clara subversão do
sistema representativo, do ponto de vista moral e legal. Será que o universo de
15.000 sabia desta iniciativa?”, questionam o activistas.
Os membros do
Fórum Cidadania LX – que lembram que a “lei também obriga a, no prazo de oito
dias a contar da deliberação de realização do referendo, o presidente do órgão
deliberativo submetê-las ao Tribunal Constitucional, para efeitos de
fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade das mesmas” –
apelam ao Provedor de Justiça para que proceda à “indagação dos factos relatados,
para os devidos efeitos de despoletar os necessários procedimentos,
designadamente, a anulação/revogação do ato eleitoral”. “Os representantes
eleitos têm de assumir as suas opções e sujeitar-se ao votos dos eleitores
perante as suas opções. Não podem escudar-se num acto eleitoral ilegal para
procurar legitimar opções controversas”, dizem.
A necessidade,
não cumprida, de fiscalização preventiva pelo Tribunal Constitucional deste
acto de consulta à população é igualmente criticada por Carlos Moura, membro da
Assembleia de Freguesia de Campolide eleito pelo PCP e vereador na Câmara
Municipal de Lisboa. À imagem do Fórum Cidadania LX, Carlos Moura invoca o
Regime Jurídico do Referendo Local, que atribui à assembleia de freguesia a
competência para deliberar sobre a realização da consulta. “Acontece que nem a
Assembleia de Freguesia de Campolide foi chamada a deliberar sobre proposta da
Junta, nem tomou qualquer iniciativa nesta matéria. Donde o Tribunal
Constitucional não se pronunciou nem sobre a formalidade nem sobre a pergunta
colocada à população”, diz o eleito, numa declaração escrita enviada ao Corvo.
Por isso, Carlos
Moura considera: “Assim, ou este acto levado a cabo é uma mera consulta sem
carácter vinculativo, e o facto de não terem sido consultadas as forças
representativas da Assembleia de Freguesia, bem como a mais do que tardia
informação sobre debates, são meras deselegâncias que vão sendo norma corrente
por parte do executivo desta junta, ou estamos perante um acto referendário
cujos vícios de forma são insanáveis e que outro caminho não pode ter do que
ser considerado nulo e respeitadas dentro do quadro legal as competências da
Assembleia de Freguesia”. O eleito comunista, que questiona a forma como foi
feito o acesso às informações constantes dos cadernos eleitorais da freguesia
para esta iniciativa, levanta ainda dúvidas ao facto de apenas terem votado 349
pessoas, num universo de 15 mil eleitores.
Mas, por
paradoxal que possa parecer, as dúvidas sobre o carácter vinculativo do
referendo ou consulta foram desfeitas pelo próprio presidente da junta, através
do Regulamento de Processo de Partilha de Decisão, por si assinado a 18 de
Fevereiro, e que esteve disponível no sítio da autarquia até esta segunda-feira
(9 de Março). No artigo 8º e último, intitulado “Efeitos do Processo de
Partilha de Decisão”, é escrito no ponto 1 que “os resultados do processo de
partilha de decisão não são vinculativos” – o que, na verdade, contraria o
estipulado pela Lei do Referendo Local, embora tal vinculação dependa de o
número de votantes ser pelo menos metade dos inscritos, o que não sucedeu neste
caso. No ponto 2 do regulamento redigido por André Couto, esclarece-se ainda
que “cabe aos órgãos autárquicos avaliar os resultados do processo de partilha
de decisão e optar pela melhor solução para os cidadãos da sua freguesia”.
O que levanta a
questão de se saber, afinal, qual a necessidade de fazer tal consulta. “O que
fizemos foi uma consulta popular para a partilha de uma decisão, nunca falámos
num referendo local. Trata-se de um processo inovador, que admito não ter ainda
um reconhecimento legal em Portugal, e que está sujeito a críticas, como é
óbvio. Decidimos consultar a população a propósito de uma decisão que já
tínhamos tomado, porque achámos importante ouvir as pessoas”, explica André
Couto ao Corvo, refutando ainda as críticas, feitas pelos outros partidos e
grupos cívicos, sobre a alegada falta de informação a propósito da realização
deste acto. “Todos sabiam que íamos fazer esta consulta, foi bem publicitada”,
defende-se.
O presidente da
Junta de Freguesia de Campolide garante
ter toda a legitimidade para realizar este género de actos consultivos. “Ao
abrigo do princípio da autonomia do poder local, posso levar a cabo estas
consultas. Não há nada que me impeça de fazê-lo”, diz o autarca, reafirmando
que, apesar de aparentemente faltar o devido enquadramento legislativo, o mesmo
“mantém o carácter vinculativo, como estava previsto desde o início deste
processo” - isto apesar do que está escrito no regulamento por si assinado. O
autarca diz não ter violado nenhuma lei e estar apenas a defender os interesses
da população que o elegeu.
André Couto
confessa estar preparado para ter longos debates e ouvir muitas críticas a
propósito deste tema e afirma-se convicto de que as queixas apresentadas “não
vão dar rigorosamente em nada”. Mais, o edil diz-se surpreendido pelo facto de
“as críticas apenas terem surgido após a realização da consulta – antes, não
havia problema nenhum”. Isso acontece porque, sugere, os que agora as fazem
“perceberam que ela foi um sucesso”. “Trata-se de uma
mera reacção sectária”, acusa.
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