Uma semana na vida da União
Europeia
A grande questão que está hoje em debate na Europa é o efeito da saída da
Grécia: gerível ou uma catástrofe?
Teresa de Sousa /
15-3-2015 / PÚBLICO
1.Angela Merkel,
de visita a Tóquio no dia 9, deixou dois bons conselhos ao primeiro-ministro
japonês. Disse-lhe para fazer como a Alemanha e “olhar de frente para a nossa
História”. Citou as palavras do Presidente Richard von Weizsaecker, já
falecido, quando, em 1985, declarou que o dia da derrota da Alemanha foi “o dia
da libertação”. Mas também lembrou que, “sem os gestos generosos dos nossos
vizinhos, isso nunca teria sido possível”.
Como sabemos, foi
um gesto em primeiro lugar americano, seguido depois pela França. A mensagem de
Merkel era, em primeiro lugar, para Shinzo Abe, que ainda não clarificou se vai
seguir o caminho estabelecido em 1995, quando outro primeiro-ministro japonês
pediu publicamente uma “desculpa sentida” pelas barbáries cometidas nos países
asiáticos que o Japão ocupou de forma “colonial e agressiva”. Desde aí, todos
os seus sucessores adoptaram a mesma fórmula. Abe mantém alguma ambiguidade,
com um discurso nacionalista que insiste em não ser “masoquista”. Hoje, com a
ascensão da China e a sua política bastante menos pacífica em relação aos
vizinhos, a tensão entre os dois países tem subido de tom. É uma prioridade
estratégica para os EUA.
As palavras de
Merkel tinham provavelmente outro destinatário: a Grécia. O novo Governo grego aprovou
há meia dúzia de dias a constituição de uma comissão para avaliar as
“reparações de guerra” que a Alemanha ainda deveria a Atenas. A comissão teve a
bênção de Alexis Tsipras no Parlamento. Mais uma vez, a ideia veio do ministro
da Defesa e líder do partido nacionalista Gregos Independentes, com quem o
Syriza decidiu formar Governo. O ministro também já ameaçou Berlim de dar
papéis legais aos imigrantes clandestinos, incluindo eventuais jihadistas,
incitando-os a ir para a Alemanha. Nada justifica esta linguagem, nem sequer
para desviar as atenções das cedências gregas em Bruxelas. O que quer, afinal,
a Grécia? É uma pergunta constante entre os seus parceiros europeus, que não
tem ainda uma resposta clara. Tsipras visitou esta semana as instituições europeias
com o seu ar mais simpático e mais cordato. Foi bem recebido pelo presidente da
Comissão, Jean-Claude Juncker, e pelo presidente do Parlamento, Martin Shultz. São
os aliados que lhe restam. Yanis Varoufakis admitiu ontem a possibilidade de o
Governo grego “suspender” por uns meses algumas das suas promessas eleitorais. Não
há dinheiro nos cofres do Estado e Atenas precisa desesperadamente da última
tranche do segundo empréstimo. A sucessão de “incidentes” apenas prova a
desorientação do Syriza perante um cenário europeu que não previu. Mas também a
arrogância alemã, que não é crime de guerra mas uma arma poderosa para destruir
a confiança.
2. Em Berlim,
Wolfgang Schauble mantém a linha dura. O cenário do Grexit voltou a estar em
cima da mesa, juntamente com outro, o Grexident. Ou seja, diz o ministro, sem
compromissos sérios a Grécia corre o risco de uma saída desordenada do euro. Schauble
também podia dar alguma atenção às palavras de Merkel e lembrar-se da
generosidade que houve em relação à Alemanha. Alimentar o conflito é que não
leva a parte nenhuma. Em meia dúzia de dias, os alemães passaram de uma posição
maioritariamente favorável à permanência da Grécia no euro para uma maioria que
prefere que se vá embora. A imprensa alemã fala de um braço-de-ferro entre
Juncker e Schauble. O presidente da Comissão diz que nem sequer equaciona a
possibilidade de uma saída, recusando as ameaças veladas do ministro das
Finanças alemão, que o acusa de estar a minar a estratégia negocial alemã.
É essa a grande
questão que está hoje em debate na Europa: o efeito da saída da Grécia. Para
Berlim, pode ser gerível e sem grande risco de contágio. Em Paris ou em
Bruxelas, e em muitas outras capitais europeias, seria uma verdadeira
catástrofe. Com dois argumentos. Os mercados pensariam imediatamente em qual
seria a próxima vítima. O mundo olharia para a Europa como uma relíquia tão
envelhecida que nem era capaz de resolver o problema de um pequeno país como a
Grécia. Mario Draghi tem insistido, e bem, que se trata de um problema político
que cabe aos governos europeus resolver.
3. É aqui que
pode entrar a outra mensagem surpreendente que foi lançada por Juncker na
semana passada: a Europa precisa de um exército. A ideia é totalmente
inesperada, dada a crise existencial em que a Europa está mergulhada e que está
a alimentar perigosamente o nacionalismo. Mas é preciso perceber o que levou
Juncker a seguir este estranho caminho numa altura destas. A integração
europeia foi inicialmente pensada para começar pela defesa. A iniciativa partiu
da França em 1952 e o objectivo era criar uma Comunidade Europeia de Defesa que
incluía os seis países que depois viriam a formar a Comunidade Económica
Europeia. Mas armar a Alemanha Ocidental era na altura uma ideia muito pouco
pacífica. Que os mesmos franceses se encarregaram de acabar quando a Assembleia
Nacional vetou o Tratado em 1954. Seguiu-se a NATO. Jean Monnet decidiu então
que a economia seria o caminho mais fácil e que a integração económica levaria
inexoravelmente à união política, incluindo a defesa. Quando o euro foi criado,
esta lógica “funcional” mantinha-se intacta. Os líderes europeus acreditavam
que o euro iria levar à união política. Hoje estamos a viver a maior crise da
União Europeia desde a sua fundação precisamente porque essa lógica não
funcionou. Juncker aplica o mesmo princípio ao exército europeu: se criarmos
este objectivo, ele próprio nos levará a uma federação europeia. Não creio que
tenha qualquer sorte, apesar das palavras simpáticas da ministra alemã da
Defesa. A defesa é última coisa que um país quer deixar de controlar pela
simples razão de que estão em jogo vidas humanas. Os grandes países como o
Reino Unido e a França não aceitariam esse caminho. E esta crise não ajudou em
nada a fortalecer a confiança mútua entre europeus. Pelo
contrário, destruiu-a.
Mas a pergunta
essencial é: para que serviria esse exército? Seria dissuasor, como diz
Juncker, face à Rússia? Levaria as outras potências a ter mais respeito pela
Europa? É difícil responder que sim. A NATO está hoje confrontada com uma
ameaça à sua segurança que não viu chegar: o nacionalismo agressivo da Rússia. Se
houver um problema sério, é ela que tem condições de agir e pode agir, graças
ao poderio militar americano. O problema é que, perante este mundo caótico, os
governos europeus insistem em reduzir as suas despesas com a defesa. Obama
mandou a Bruxelas a sua embaixadora na ONU, Samantha Power, para insistir com os
aliados que têm de partilhar o esforço militar e não contar sempre com o apoio
americano. O Reino Unido está a ser pressionado directamente por Washington
para não seguir o mesmo caminho. Londres recebeu a visita do chefe máximo do
exército americano, general Raymond Odierno, e ouviu algumas coisas um pouco
desagradáveis. Em todas as cimeiras da Aliança, os aliados europeus prometem
cumprir a meta dos 2%. Hoje, entre os grandes países, apenas a França a cumpre.
David Cameron conseguiu reduzir a despesa para um valor ligeiramente abaixo. O
líder britânico insiste em que o orçamento da defesa ainda é o segundo maior da
NATO (e o quinto do mundo). É verdade. Mas convém saber os números: cerca de 50
mil milhões de dólares no Reino Unido, 500 mil milhões nos EUA. Vale a pena falar de exército europeu?
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